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O DILEMA DO CRÉDITO ACUMULADO DE EXPORTAÇÃO

5 de janeiro de 2022

 Os exportadores não tiveram qualquer ganho imediato com a edição da Lei Complementar nº 176/2020

A problemática dos saldos credores acumulados de ICMS decorrentes de exportação perdura desde a promulgação da Constituição de 1988, especialmente com a edição da Emenda Constitucional nº 42/2003. Até o momento, não há nenhuma solução definitiva e, principalmente, homogênea, entre os Estados para sua mais eficaz utilização pelos contribuintes exportadores.

O processo de acúmulo dos créditos de ICMS em operações que destinem mercadorias ao exterior é derivado do mandamento constitucional que afasta a competência para tributação do imposto estadual. Isso assegura ao contribuinte a manutenção dos créditos pelas entradas no estabelecimento.

Os exportadores não tiveram qualquer ganho imediato com a edição da Lei Complementar nº 176/2020

Evidentemente, esse regime de desoneração não é aleatório. O mecanismo constitui genuína intenção programática do legislador em fomentar as exportações, com a geração de divisas ao país e estímulo às cadeias internas de industrialização.

No entanto, o incentivo às exportações via desoneração fiscal, no caso do ICMS, somente teria algum efeito econômico concreto se permitida ao exportador a manutenção dos créditos oriundos das entradas. Caso contrário, tais numerários representariam custos a serem repassados no preço do produto exportado.

Ocorre que todo esse estímulo às exportações acabou por restringir parcela significativa das receitas estaduais e municipais. Isso acontece na medida que a competência tributária para exigir o ICMS nas saídas para o exterior restou proibida.

Por outro lado, foi admitida a manutenção dos créditos do imposto pelos contribuintes envolvidos – o crédito é custo para o Estado, eis que sua utilização resulta em redução do imposto a recolher.

Pensado nessa dicotomia entre necessidade de incentivo às saídas para exterior e a minoração da perda arrecadatória fiscal aos Estados e municípios, o legislador instituiu regime de compensação em favor dos entes federados, derivado da repartição de receitas públicas conforme a Lei Complementar nº 87/96.

Esse regime perdurou por muitos anos, vindo a sofrer uma grande reviravolta com a edição da citada EC nº 42, e, imediatamente depois, com a Lei Complementar nº 115/2003. A emenda constitucional estendeu a regra de imunidade, até então aplicável somente às saídas de produtos industrializados, passando a compreender as exportações de bens primários e semielaborados. Isto é, toda e qualquer mercadoria.

Um outro importante marco trazido EC nº 42 foi prever a edição de uma nova lei complementar que visasse reparar o potencial incremento das perdas arrecadatórias decorrentes da ampliação das bases da imunidade tributária do ICMS naquele momento.

E essa almejada norma não era a LC nº 115, a qual, curiosamente, só perdurou como arcabouço legal do regime de compensação dos Estados e municípios, em razão do que dispunha o recém inserido parágrafo 3º do artigo 91 do ADCT – previa aplicação “tampão” da regra contida no artigo 31, e Anexo, da LC nº 87/96, enquanto não fosse editada a Lei Complementar específica -, somada à inércia legislativa do Parlamento brasileiro em deliberar e aprovar tal norma.

Passaram-se os anos, as contribuições – espécie de tributo que não está inserida no regime de repartição de receitas – ganharam peso primordial no orçamento da União, asfixiando a expectativa arrecadatória dos Estados e municípios. O Estado do Pará ajuizou a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO) nº 25, objetivando que o Congresso finalmente concebesse e aprovasse a lei complementar reparadora dos prejuízos causados pela ampliação da desoneração do ICMS nas exportações.

A Suprema Corte proveu a referida ADO nº 25, e o Congresso seguiu a respectiva determinação judicial, editando a Lei Complementar nº 176, de 29 de dezembro de 2020, a qual estabeleceu novos critérios e montantes para a transferência de receitas em favor dos Estados e municípios. Portanto, pode-se afirmar que a Lei Complementar nº 176/2020 é o mais importante marco jurídico no reconhecimento do direito ao aproveitamento eficaz dos saldos credores acumulados de ICMS/exportação pelos contribuintes exportadores.

Isso porque, da referida lei, restou plenamente ratificado o pacto federativo. A República manteve o fomento tributário às exportações e os Estados passam a perceber a recomposição das perdas ocasionadas por esse regime de imunidade, que inclui a desoneração do ICMS na remessa de mercadorias ao exterior e o direito à manutenção dos créditos decorrentes das entradas.

Porém, é certo que, na prática, os contribuintes exportadores não tiveram qualquer ganho imediato com tal acerto fiscal, eis que as hipóteses de aproveitamento dos saldos credores de ICMS permanecem consideravelmente restritas pelas legislações estaduais. A LC nº 176 constituiu um inédito marco legal e um arcabouço jurídico concreto para novas demandas nessa seara, inclusive na esfera judicial, sempre avessa à concessão de medidas para aproveitamento desses créditos sem lei estadual autorizativa.

O pacto federativo restou atendido, faltando, agora, a ratificação do pacto social entre poder público e contribuintes exportadores, para a efetiva utilização monetária desses saldos, permitindo que as empresas tenham, inclusive, capacidade de investimento privado na ampliação de seu potencial industrial, sem depender da concessão de incentivos fiscais, sob pena de o objetivo almejado com essa desoneração cair por terra e o Estado se locupletar às custas de um direito constitucional.

José Guilherme Missagia é sócio do Daudt, Castro e Gallotti Olinto Advogados

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

FONTE: Valor Econômico – Por José Guilherme Missagia

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