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BARRAGEM DE REJEITOS OU DE RESÍDUOS?

14 de fevereiro de 2019

Se não ficar claro o vínculo indissociável da tecnologia com o meio ambiente, criar-se-á um círculo vicioso de novos desastres.

O questionamento constante no título, para o público em geral, pode parecer sem sentido ou, no mínimo, sem qualquer efeito prático. Em tempos de críticas severas à fiscalização pelos órgãos ambientais licenciadores, à legislação brasileira sobre segurança de barragens e, até mesmo ao estado físico dos rejeitos, propõe-se trazer uma discussão que, aparentemente, pode parecer conceitual, mas que traz profunda reflexão sobre o controle ambiental, o papel do estado e a visão de futuro sobre o licenciamento ambiental das atividades potencialmente poluidoras no país.

Inicialmente, importante entender que a Lei Federal 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos no Brasil, trouxe a distinção entre os conceitos de resíduo e de rejeito. De modo resumido, ao resíduo deve ser dada uma destinação final ambientalmente adequada que inclui a reutilização, a compostagem, a recuperação, dentre outros.

Por outro lado, o rejeito, que se apresenta como o tipo de resíduo que não dispõe de alternativa tecnológica disponível e economicamente viável para recuperação, deve ser descartado de maneira ambientalmente adequada. Dessa forma, o rejeito, diferente do resíduo, por ausência de opção mais benéfica ao meio ambiente, deve ser enviado para aterros ou, como no caso, para as, tão mencionadas ultimamente, barragens.

Se não ficar claro o vínculo indissociável da tecnologia com o meio ambiente, criar-se-á um círculo vicioso de novos desastres.

Em uma análise rasteira, poder-se-ia entender que o material gerado em Brumadinho, que foi descartado em uma barragem de rejeitos, enquadrar-se-ia nesta última hipótese, restando, ao poder público tão somente determinar ao empreendedor o estabelecimento de políticas de segurança para proteção desses locais. No entanto, por se tratar de um método arcaico, utilizado há décadas, caberia ao estado, na condição de formulador de políticas públicas, estimular a adoção, pelo empreendedor, de novas tecnologias com vistas a transformar rejeito em resíduo, buscando formas de reaproveitamento desse material.

A título de exemplo, pode-se mencionar o caso dos pneus: Antes do advento da Resolução do Conama 416/2009, que tratou do descarte dos pneus inservíveis, esses resíduos eram descartados a céu aberto ou, quando bem geridos, em aterros apropriados, por não haver alternativa tecnológica para seu reaproveitamento.

A edição da supracitada norma, associada ao exercício do controle ambiental e à responsabilização, pelo descarte ambientalmente adequado, em face dos fabricantes, fez com que se buscassem saídas para dar viabilidade a essa obrigação. Assim, alternativas como a utilização do pneu inservível para a fabricação de material asfáltico e para o aproveitamento na indústria de cimento, em substituição ao coque de petróleo, surgiram, transformando um problema ambiental em um insumo importante para alguns processos produtivos.

Esse exemplo serve para entender que, associada à imprescindível necessidade de fiscalização das barragens, da cobrança por formas mais seguras de descarte, como por exemplo de o rejeito passar por um processo para torná-lo seco, há que se perseguir a evolução da alternativa tecnológica para transformá-lo num insumo.

No caso de Brumadinho, por mais incrível que possa parecer, essa alternativa para reaproveitamento desses pseudo rejeitos já existe. Em 2015, o laboratório da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) desenvolveu uma técnica para transformar esse material em insumo para a atividade da construção civil. Há inclusive casos de edificações erguidas com ele.

Portanto, mostra-se patente que a barragem de resíduos, não de rejeito, não tem a menor razão de existir. Saliente-se, no entanto, que, por esse motivo, não se deve demonizar o empreendedor.

Vive-se num país em que não se estimula a pesquisa e o desenvolvimento de novas tecnologias. Isso, aliado, por exemplo, à alta carga tributária vigente, e ao fato de o controle ambiental se submeter, por vezes, à discricionariedade da análise de um servidor público que trata casos iguais de maneira completamente diferentes, torna o empreendedor prisioneiro do atendimento à risca das restrições e condicionantes ambientais impostas pelo órgão ambiental. Nada mais.

Também não se pode querer culpar o órgão ambiental ou a agência nacional de mineração que exercem suas funções em condições de precariedade, o que os impede de cumprir com dignidade suas finalidades. Os servidores, da mesma forma, sempre em número reduzido, sem qualquer planejamento para priorizar a fiscalização das atividades com grau alto de impacto, e sem condições de fazer as análises com a qualidade e o zelo necessários.

Não se trata, portanto, numa visão de futuro, de se pugnar por maior fiscalização ou ainda por legislação mais severa, mas sim, de buscar a pavimentação de um caminho de uso tecnológico para eliminação ou redução da geração de rejeitos no Brasil.

Mostra-se imperioso fazer a gestão ambiental no Brasil alcançar seu voo de cruzeiro, olhando as atividades poluidoras existentes no Brasil acima das questões do dia a dia, pensando o futuro das grandes cidades e buscando a racionalização da utilização de nossos recursos naturais, de modo a obrigar, nesse caso, o empreendedor a buscar alternativas tecnológicas para o melhor aproveitamento do rejeito ou resíduo gerado em seu processo produtivo, mas, de igual modo, oferecendo condições tributárias e de viabilidade econômica que propiciem o desenvolvimento, inclusive, de novas cadeias produtivas criadas a partir do reaproveitamento desses resíduos.

O desastre de Brumadinho acentuou a necessidade de revisão dos controles de fiscalização e da legislação penal. No entanto, se não ficar claro o vínculo indissociável da tecnologia com o meio ambiente e não se estruturar medidas de gestão de longo prazo, criar-se-á um círculo vicioso de novos desastres associados à perda de credibilidade quanto à segurança do controle ambiental no Brasil por parte de todos os envolvidos.

FONTE: Valor Econômico – Por Tiago Andrade Lima

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