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NOVOS DESAFIOS NA TRIBUTAÇÃO DO CAPITAL

6 de maio de 2024

A Lei nº 14.754/23 é questionável do ponto de vista jurídico, por ter o potencial de violar o conceito de renda tributável.

A Lei nº 14.754/23 trouxe alterações relevantes para a tributação da renda produzida pelo capital. A fim de aumentar a arrecadação e coibir planejamentos tributários com fundos de investimento no Brasil e entidades offshore, estabeleceu-se um método de tributação periódica de rendimentos e lucros acumulados, independentemente da efetiva distribuição.

Até então, muitos investidores acumulavam, reinvestiam e aumentavam o seu capital, mantendo-o em estruturas localizadas em jurisdições com tributação favorecida, ou até mesmo dentro da carteira de certos tipos de fundos de investimento constituídos sob a forma de condomínio fechado no Brasil, diferindo ao máximo a tributação desses investimentos para o momento deles eventualmente serem realizados (com a distribuição dos rendimentos ou lucros gerados pelo investimento ou com a alienação de sua participação).

É válido destacar que essa estratégia tributária e patrimonial não poderia, por si só, ser considerada uma conduta ilícita. Daí importante lembrarmos da clássica distinção entre elisão fiscal e evasão fiscal.

Do ponto de vista das finanças, a utilização de entidades offshore e fundos de investimento fechados reflete um fenômeno econômico: o mercado de capitais sendo induzido por determinadas regras tributárias que desoneram alguns tipos de investimento.

Mesmo se tratando de um fenômeno respaldado na legislação até então vigente, a Receita Federal muitas vezes tratou tais situações de forma inadequada, reprimindo estruturas dessa natureza, independente de se verificar dolo, simulação ou fraude, mas pelo simples fato de fundos de investimento fechados ou entidades offshore serem utilizadas no contexto de economia de tributos.

Com a nova legislação, a fiscalização desses tipos de veículos de investimento tende a se intensificar. Inclusive, são temas que constam da pauta de Planejamento Anual de Fiscalização para 2024, divulgada recentemente pela Receita Federal. E, quanto a isso, poderão surgir novos pontos de discussão entre Fisco e contribuintes, principalmente diante da técnica de tributação introduzida pela Lei nº 14.754/23.

Visando captar a valorização do capital, a lei recorreu a critérios contábeis. Para os fundos de investimento, o novo diploma estabeleceu a incidência sobre a diferença entre o valor patrimonial da cota e o seu custo de aquisição. Esse valor patrimonial que representará o acréscimo de riqueza tido como tributável pela lei está ligado ao conceito contábil de patrimônio líquido.

No caso das entidades offshore, a lei também elegeu um critério contábil para determinar o acréscimo financeiro que será tributado periodicamente: o lucro contábil, apurado em 31 de dezembro de cada ano, independentemente de ter sido distribuído ou não ao controlador. O lucro que servirá como base de cálculo do imposto devido pela pessoa física controladora da entidade deverá ser, portanto, aquele discriminado na demonstração do resultado do exercício (DRE).

A depender do tratamento contábil dado aos ativos financeiros da offshore, poderá haver impacto na tributação do seu controlador no Brasil. Se o ativo for avaliado por valor justo com contrapartida em resultado do exercício, a sua valorização será tributada. Por outro lado, se houver avaliação pelo valor justo com contrapartida em resultados abrangentes, ou então pelo custo amortizado, não haverá tributação no Brasil. Eis a importância da compreensão contábil, diante das novas regras de tributação de entidades no exterior.

De todo modo, não é porque uma offshore teve uma valorização considerável de seus investimentos em ativos financeiros – elevando o seu resultado -, que o seu controlador no Brasil tenha disponibilidade sobre os frutos desse investimento. Daí a razão de a Lei nº 14.754/23 ser questionável do ponto de vista jurídico: por ter o potencial de violar o conceito de renda tributável.

Quanto a isso, o artigo 43 do Código Tributário Nacional (CTN) determina que a renda deve estar disponível para que possa ser tributada. Caso contrário, se tributará apenas a valorização do patrimônio (capital) investido. E, neste particular, a União Federal não possui autorização constitucional para tributar o patrimônio.

Não se nega que, eventualmente, poderiam existir situações de disponibilidades nessas estruturas de investimento. É o caso da existência de caixa na carteira de um fundo, que deixava de ser distribuído aos cotistas apenas para evitar a tributação.

Também, há quem diga que, mesmo sem distribuição de rendimentos, a valorização da participação em veículos de investimento dá aos seus controladores certa disponibilidade financeira. Além de poder decidir o momento de realização do seu investimento, alguém que detém controle sobre ativos de alto valor não realizados conseguiria, eventualmente, se alavancar mais facilmente e ter acesso a novas formas de capital por um “preço” menor daquele que seria exigido no mais das vezes. Atingiria, em tese, poder aquisitivo semelhante ao que teria caso realizasse o seu investimento, sem precisar, contudo, fazê-lo.

No entanto, tais exemplos não podem ser encarados como situações absolutas. Diante da nova lei, deve-se avaliar concretamente, caso a caso, se há ou não disponibilidade de renda, a fim de que eventuais violações e abusos sejam devidamente endereçados.

Caio Malpighi é tributarista no VBSO Advogados, especialista em Direito Tributário pelo IBDT, pesquisador do Núcleo de Pesquisas do Mestrado do IBDT e do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV/Direito e professor assistente no IBDT.

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR CAIO MALPIGHI

 

 

 

 

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