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NOVA “RECUPERAÇÃO JUDICIAL” PARA CONSUMIDORES PODE INJETAR R$ 350 BILHÕES NA ECONOMIA

23 de julho de 2021

Norma traz regras para induzir credor a sentar à mesa para negociar com os devedores.

Um total de 30 milhões de pessoas terá agora maior chance de pagar suas dívidas. Em vigor desde o dia 2, a Lei do Superendividamento prevê uma espécie de recuperação judicial para pessoas físicas, forçando credores a sentarem à mesa para negociar. São regras com capacidade para injetar R$ 350 bilhões na economia, de acordo com estudo da Ordem dos Economistas do Brasil (OEB) e do Instituto do Capitalismo Humanista.

O valor diz respeito ao que deixa de estar comprometido para o pagamento de dívidas. Hoje, 70% das famílias estão endividadas – a maior proporção em uma década, segundo a Confederação Nacional do Comércio (CNC). São 60 milhões de pessoas, metade na categoria dos superendividados, estima o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

A lei, de acordo com juízes e especialistas no assunto, traz um mecanismo importante para garantir os acordos. A ausência sem justificativa do credor na mesa de negociação o coloca no fim da fila do recebimento do crédito. Além de gerar a suspensão da cobrança do débito e a interrupção da incidência dos encargos, como juros.

“É uma medida que induz o credor a comparecer com condições de fechar um acordo. Uma vez à mesa, vemos boas propostas, de até 80% de desconto na dívida”, afirma a juíza do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), Carolina Gabriele Spinardi Pinto, coordenadora do Cejusc Endividados, o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania voltado especificamente para casos de endividamento.

Com descontos e prazos para pagamento, o superendividado pode voltar ao mercado. É a pessoa, de acordo com a norma, que não tem mais fôlego de pagar as dívidas vencidas e que vão vencer. Seja por causa de uma queda brusca na renda – situação acentuada na pandemia, com 14,8 milhões de desempregados. Seja por descontrole nos gastos que, em muitos casos, leva o devedor a comprometer parte significativa da renda ou mesmo contrair novos empréstimos para pagar contas antigas.

As mulheres que ganham de um a três salários mínimos representam a maior parte dos superendividados, de acordo com pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Segundo a Serasa Experian, a dívida média é de R$ 3,9 mil, principalmente com cartão de crédito (29,7% do total), varejo (13%) e luz, água e gás (22,3%).

“O consumo das famílias é a mola do crescimento econômico de curto prazo. É o consumo do mercado, do eletricista, dos pequenos reparos. Hoje, o superendividado não tem como pensar nisso”, diz o economista Manuel Enriquez Garcia, presidente da OEB e professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP).

Fruto de nove anos de discussões no Congresso, a nova lei (nº 14.181, de 2021) atualizou o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e “ataca” em duas frentes: traz um remédio para a doença do superendividamento – a repactuação da dívida – e uma vacina contra a concessão desenfreada de crédito (leia ao lado), que atinge especialmente idosos e funcionários públicos, que possuem renda estável. Começa com o processo de negociação extrajudicial e segue, se não houver acordo, para as mãos de um juiz.

“A lei não favorece a inadimplência. Trata de dar condições para o pagamento das dívidas e, com isso, reinserir o consumidor na economia e evitar a exclusão social”, afirma o juiz Rafael Velloso Stankevecz, que atua em causas do consumidor nos Juizados Especiais do TJ-PR.

É por isso que a norma exige “a preservação do mínimo existencial” na repactuação de dívidas e na concessão de crédito. Para Cíntia Falcão, consultora jurídica da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), a lei traz avanços, mas precisa de aprimoramentos. “Para não gerar insegurança jurídica nas relações, como, por exemplo, clarificar o conceito de mínimo existencial. ”

Na opinião do economista Manuel Garcia, da FEA-USP, é razoável reservar 35% da renda do devedor para quitar as dívidas e o restante (65%) para garantir o mínimo existencial, ou seja, para cobrir gastos com alimentação, moradia, vestuário. “Os juízes tendem a aceitar essa proporção. Ela tem amparo em sentenças de alimentos, em que um terço da renda da pessoa vai para o pagamento da pensão alimentícia. ”

O primeiro obstáculo, então, é convencer todos os credores a negociar. No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), quase 39% das audiências fracassam pela ausência dos credores. Para a juíza Dulce Ana Oppitz, coordenadora do Cejusc de Porto Alegre, o índice tende a despencar. Segundo ela, as medidas de suspensão da cobrança da dívida e de colocar o credor ausente no fim da fila podem ser aplicadas nos casos em que há ou não há processo judicial. “O comparecimento será maior e também a possibilidade de acordo”, afirma.

O TJ-RS foi pioneiro em criar, em 2007, um centro para renegociação de dívidas antes do processo judicial. O índice de acordo está na faixa dos 40%. No TJ-PR, onde o projeto começou em 2010 e foi ampliado para todo o Estado em 2019, há êxito em 25% dos casos.

Se não sai acordo, conforme a lei, o consumidor pode pedir a instauração de um processo por superendividamento. Nesse caso, é o juiz que vai desenhar um plano de pagamento compulsório. É o que se tem chamado de recuperação judicial da pessoa física. “Se grandes empresas têm uma segunda oportunidade, por que as pessoas não teriam? ”, questiona Tiago Basilio, defensor público do Rio de Janeiro.

De acordo com a professora Claudia Lima Marques, que foi relatora da comissão de juristas que elaborou a Lei do Superendividamento, o juiz tem um limite. “Ele deve garantir ao credor, no mínimo, o pagamento do principal com a correção monetária”, explica. Além disso, o plano deve prever a quitação do passivo em até cinco anos.

FONTE: Valor Econômico – Por Bárbara Pombo

 

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