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TRABALHADOR PERDE NO STF DISPUTA SOBRE TERCEIRIZAÇÃO

14 de fevereiro de 2025

Maioria decidiu que cabe ao autor da ação comprovar que a administração pública foi negligente na fiscalização.

O Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que, em processo trabalhista, cabe à parte autora comprovar que a administração pública foi negligente ou omissa na fiscalização do cumprimento das obrigações por parte de empresa terceirizada contratada por ela. Se houver prova, o Estado pode ser condenado de forma subsidiária ao pagamento de encargos trabalhistas.

A decisão, em repercussão geral, foi por maioria de votos. No caso concreto, uma auxiliar de limpeza foi contratada por uma empresa terceirizada para trabalhar no fórum de Conchas, cidade no interior de São Paulo, em 2013, por um salário de R$ 755. Depois de prestar serviços por sete meses, ela foi demitida, sem receber nenhum dos encargos trabalhistas devidos nem os últimos dois meses de salário.

A sentença da primeira instância condenou o Estado de São Paulo a arcar com o pagamento de forma subsidiária – ou seja, se a empresa não o fizesse. O entendimento foi mantido na segunda instância e no Tribunal Superior do Trabalho (TST).

No julgamento de ontem, o Supremo julgou de quem é o ônus da prova de que houve negligência do Estado, e que essa negligência causou danos ou prejuízos ao trabalhador. Para os ministros, a falha pode ser provada se a administração pública não tomar providências após ser informada do descumprimento das obrigações trabalhistas pela empresa terceirizada.

Na tese aprovada também foram fixados parâmetros de fiscalização básicos que o governo deve adotar para evitar o comportamento negligente, como exigir a comprovação do capital social integralizado da empresa terceirizada e só repassar o valor devido do contrato se a empresa comprovar a quitação das obrigações trabalhistas do mês anterior.

A tese vencedora foi proposta por Nunes Marques, e ele foi seguido por Flávio Dino, André Mendonça, Cristiano Zanin, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Luis Roberto Barroso. Ficaram vencidos Edson Fachin e Dias Toffoli, para quem o entendimento vencedor impõe “um ônus demasiado à parte mais hipossuficiente da relação”. O ministro Luiz Fux estava impedido e não votou.

Todos os outros 25 Estados do país e o Distrito Federal participaram do processo como amici curiae (partes interessadas). A Petrobras também ingressou no feito, alegando que tinha R$ 1,5 bilhão em discussões trabalhistas envolvendo terceirizações em 2020, em cerca de 52 mil processos.

A Advocacia-Geral da União (AGU), em manifestação de 2021, destacou que havia mais de 20 mil processos contra a União só no TST a respeito da responsabilidade subsidiária da administração pública, com uma estimativa “conservadora” de impacto orçamentário de R$ 419,78 milhões.

Especialistas que concordam com a tese definida pelo STF apontam que foi importante a fixação de balizas para evitar a atuação excessivamente protetiva da Justiça do Trabalho. “Foi importante direcionar o ônus para o autor da ação”, diz Ricardo Almeida, que representou a Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf) como parte interessada. “A Justiça do Trabalho já desvirtuou o ônus imposto pela reforma, que previa o pagamento dos honorários dos advogados da parte vencedora, dizendo que a previsão não vale para partes hipossuficientes, que são a maioria.”

Para os representantes dos trabalhadores, no entanto, o entendimento foi injusto. Meilliane Vilar Lima, sócia da LBS Advogadas e Advogados, que defendeu a Central Única dos Trabalhadores (CUT), afirma que a tese vai propiciar um descumprimento ainda maior das obrigações trabalhistas pelas terceirizadas, o que vai aumentar o volume de processos.

“Ao mesmo tempo, o trabalhador será obrigado a produzir uma prova que ele não tem condições de produzir”, diz. “Todo contrato é um risco e o que essa tese faz é praticamente retirar o risco do Estado de fiscalizar o contrato, deixando o Estado em uma situação confortável e penalizando o trabalhador.”

A advogada elogiou uma proposta de adendo à tese feita pelo ministro Cristiano Zanin, mas sem o respaldo dos colegas, de incluir a possibilidade de distribuição dinâmica do ônus da prova. Essa previsão consta do artigo 818 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e permite que o juiz atribua a obrigação à parte que foi alvo da ação, desde que por decisão fundamentada.

Libia Alvarenga de Oliveira, sócia do Innocenti Advogados, destaca que a decisão vai aumentar a vulnerabilidade de uma parcela já bastante vulnerável dos trabalhadores, os terceirizados. “É comum que algumas empresas, após decretarem falência, demitam trabalhadores sem pagar os direitos devidos e, em seguida, abram novas empresas em nome de terceiros. Essa prática gera uma sensação de ineficácia no sistema de fiscalização.”

Segundo a especialista, o STF tomou uma decisão técnica baseada na presunção de que a administração pública é diligente em suas contratações. No entanto, diz, essa presunção está distante da realidade cotidiana, que é mais bem conhecida pela Justiça do Trabalho.

Para Elisa Alonso, sócia do RCA advogados, o Supremo desconsiderou a hipossuficiência do trabalhador e o princípio da aptidão para a prova. “Nesse sentido, o voto divergente do ministro Edson Fachin alerta para uma verdadeira terceirização da fiscalização do contrato de trabalho”, diz.

Ronaldo Tolentino, sócio do Ferraz dos Passos Advocacia e Consultoria, considera a decisão injusta por atribuir o ônus da prova à parte mais frágil. “O impacto jurídico será a estabilização da controvérsia. O impacto social será milhares ou milhões de trabalhadores sem receber suas verbas trabalhistas.”

Em nota, a Procuradoria Geral do Estado de São Paulo destaca que “a tese processual repercutirá em milhares de ações trabalhistas em que se discute a responsabilidade subsidiária da administração por débitos trabalhistas inadimplidos por empresas contratadas”.

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR LUIZA CALEGARI — DE SÃO PAULO

 

 

 

 

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