Corte definirá se benefício fiscal vale para empresas cujo negócio principal são as atividades imobiliárias.
O Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar se a imunidade do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) na integralização de capital social vale para empresas cujo negócio principal são as atividades imobiliárias – compra e venda ou locação de imóveis. Por unanimidade, no Plenário Virtual, os ministros definiram que a decisão terá repercussão geral e, portanto, deverá ser seguida pelas instâncias inferiores do Judiciário (RE 1495108).
Na Justiça, os entendimentos a respeito do tema são majoritariamente desfavoráveis para os contribuintes, conforme já demonstrava um levantamento do BVZ Advogados. Segundo o estudo, entre os anos de 2020 e 2022, os tribunais de Justiça do país proferiram 251 decisões sobre o assunto e, em 94% delas, o resultado foi pró-Fisco.
A questão discutida nos tribunais é a interpretação do artigo 156, parágrafo 2º, inciso I, da Constituição Federal. Ele diz que não incide ITBI sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica.
O cerne do problema está no fim da redação do artigo, que ressalva que o imposto incide se, “nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil”.
Quando, em 2020, o STF julgou outra questão relacionada ao ITBI, o ministro Alexandre de Moraes fez constar em seu voto que a expressão “nesses casos” se referia unicamente à transmissão de bens decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção da empresa. Assim, as operações de integralização de capital estariam isentas do ITBI mesmo quando a empresa exercer atividade preponderantemente imobiliária (RE 796376).
Como a reflexão não constou na tese, já que não tinha relação com o caso julgado – que decidia se a isenção de ITBI deveria se estender ao valor dos bens que ultrapassasse o limite do capital a ser integralizado-, o Judiciário, de maneira geral, não passou a seguir esse entendimento.
Segundo Sandro Machado dos Reis, sócio do Bichara Advogados, “há centenas de processos tratando desse assunto, porque os municípios insistem em cobrar o ITBI especialmente usando a condicionante referente à atividade preponderante”.
Conforme o BVZ Advogados, entre agosto e outubro deste ano, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) julgou 30 processos sobre a controvérsia: em 27 deles continuou a decidir a favor do Fisco; em três, a atividade preponderante não era a imobiliária.
No TJMG, a maioria das decisões também é desfavorável ao contribuinte. No entanto, a 5ª Câmara Cível, em recente acórdão, usa o entendimento do voto de Alexandre de Moraes a favor da empresa. “A atividade da empresa somente é relevante para a imunidade tributária referente à incorporação, fusão, cisão e extinção de pessoas jurídicas”, diz o acórdão (processo nº 1.0000.24.317452-1/001).
No TJRS, ainda de acordo com o BVZ, só a 21ª Câmara atende isoladamente os pedidos dos contribuintes, aplicando o entendimento de Alexandre de Moraes. “As demais Câmaras têm entendimento contrário, analisando a atividade empresarial e afastando a possibilidade de aplicação do tema em 25 decisões no último ano”, explica Frederico Bastos, sócio do escritório BVZ Advogados.
Uma decisão colegiada no TJDFT, em abril de 2023, deu razão aos contribuintes e foi bastante elogiada na época, por ter sido a primeira proferida por uma cúpula máxima de tribunal de justiça em arguição de inconstitucionalidade. O caso foi objeto de recurso e está agora no Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob relatoria do ministro Teodoro Silva Santos, da 2ª Turma. Não há previsão de julgamento (REsp 2145589).
Ricardo Bolan, sócio da prática tributária do Lefosse, afirma que o grande volume de processos e a divergência de entendimentos entre diversos tribunais geram “grande expectativa no mercado imobiliário quanto à definição da questão a ser dada pelo STF”.
Para Frederico Bastos, o reconhecimento de repercussão geral é importante. “A decisão do precedente anterior não era exatamente sobre esse assunto. Foi um jeito que o Supremo encontrou de tentar evitar mais contencioso”, diz.
Há quem defenda, por outro lado, que o aumento dos processos a favor dos contribuintes foi fabricado a partir de uma conclusão errada extraída do julgamento do Supremo. Ricardo Almeida, procurador do município do Rio de Janeiro, que atuou no primeiro julgamento, de 2020, diz que não é possível concluir, da fundamentação de Alexandre de Moraes, que as empresas imobiliárias estariam isentas do ITBI.
“A desoneração foi introduzida para estimular a capitalização com imóveis, para usar patrimônio imobiliário no âmbito familiar e aplicá-lo em atividades produtivas. A exceção da atividade preponderante diferencia quem está usando imóvel como patrimônio e quem está usando na atividade produtiva. É um contrassenso estender a não incidência a empresas imobiliárias e holdings patrimoniais”, afirma.
De acordo com o relatório MultiCidades, produzido pela Aequus Consultoria a pedido da Frente Nacional de Prefeitos, o ITBI responde por 1,9% da arrecadação dos municípios brasileiros, segundo dados de 2022, compilados no relatório de 2024. A arrecadação com o imposto caiu 12,3% em relação ao ano anterior, especialmente porque as altas taxas de juros vêm desaquecendo o mercado imobiliário, conforme o relatório.
Apesar da pouca participação, o peso da arrecadação do tributo vai aumentar com a reforma tributária, segundo o relatório, já que só o ITBI e o IPTU ficarão sob a administração plena dos municípios após a incorporação do ISS a outro imposto de gestão compartilhada com Estados e a União. “Tornar a arrecadação desses dois impostos mais eficiente será o que lhes restará de autonomia política nas questões fiscais após a adoção do IBS”, analisa a consultoria.
De qualquer modo, segundo Bastos, o reconhecimento da repercussão geral exige dos contribuintes a reavaliação de sua situação. “Quem já pagou ITBI recentemente pode avaliar uma medida judicial para garantir o direito de pedir o imposto pago de volta, dependendo do entendimento do Supremo. Quem está em meio a um processo de integralização também pode entrar com pedido na Justiça para não ser obrigado a recolher até a decisão”, afirma.
As partes do processo no recurso do Supremo foram procuradas pelo Valor, mas não deram retorno até o fechamento da edição.
FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR LUIZA CALEGARI – DE SÃO PAULO