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COVID-19 E A REVISÃO DE CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO

21 de outubro de 2021

O entendimento jurisprudencial voltou a se alinhar ao tratamento visto em crises anteriores, mantendo a revisão contratual como medida excepcional.

Não há dúvida de que a pandemia da covid-19 tem causado, para muitas empresas, grave descasamento entre o vencimento de suas obrigações e sua capacidade de geração de caixa. Sob esse ângulo, a relativização do princípio da força obrigatória de contratos de empréstimo entre empresas e instituições financeiras tem sido um tema recorrente nos tribunais.

A respeito, empréstimos tomados por empresas têm como característica a presunção de paridade entre as partes, de modo que sua revisão deve ser excepcional e respeitar a alocação de riscos negociada pelas partes (artigo 421-A do Código Civil, incluído pela Lei de Liberdade Econômica).

O entendimento jurisprudencial voltou a se alinhar ao tratamento visto em crises anteriores No mais das vezes, contratos de empréstimo envolvendo empresas se amparam em uma base negocial complexa, com a distribuição de riscos idealizada no momento da contratação, em função, de um lado, do prazo de pagamento, juros, correção monetária e outros encargos e, de outro, da situação econômico-financeira da empresa, seu risco de crédito e garantias pessoais e reais prestadas em favor da instituição financeira.

Diante de tais características, necessário compreender: frustradas as negociações entre a empresa e a instituição financeira, pode o Poder Judiciário impor a modificação das condições do empréstimo em situações de crise?

Há, no direito civil, diversas teorias e princípios que podem conduzir à revisão de obrigação prevista em contratos de execução continuada ou diferida, como é o caso de empréstimos. Os artigos 317, 478, 479 e 480 do Código Civil positivam as teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva, que, somadas aos princípios da conservação, função social do contrato, boa-fé e o equilíbrio econômico, podem justificar uma realocação de riscos previstos contratualmente.

De um modo geral, para a revisão contratual, exige-se que ocorra fato superveniente, extraordinário e imprevisível. A obrigação torne-se, por consequência, excessivamente onerosa para uma das partes. E a outra parte possa auferir extrema vantagem. O último requisito é polêmico e nem sempre exigido, cabendo lembrar que, no caso da pandemia, infelizmente, em regra, ambas as partes sofrerão prejuízos, sendo que, dificilmente, haverá extrema vantagem para uma delas em qualquer caso concreto.

É recorrente, também, a discussão se os efeitos da pandemia caracterizariam força maior ou caso fortuito, para efeitos do artigo 393 do Código Civil. Para tal caracterização, o cumprimento da obrigação avençada deve se tornar impossível e não somente temporariamente inviável. Desse modo, a questão se mostra pouco pertinente para obrigações de pagamento em dinheiro, que podem ser cumpridas, ainda que com atraso.

No exame de pleitos revisionais, os tribunais brasileiros foram, em crises anteriores, criteriosos, posicionando-se no sentido de que os acontecimentos imprevisíveis têm de exceder manifestamente os riscos inerentes à atividade empresarial desenvolvida. Nessa linha, oscilações de mercado como o aumento da inflação, variação cambial e flutuação de juros não seriam inesperadas no Brasil. Crises econômicas mundiais, como a do subprime, se tornaram reiteradas e corriqueiras (AgInt no AResp 646945-SP, 3ª Turma, relator Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 18 de agosto de 2016; no mesmo sentido, ver, entre outros, REsp 1689225-SP, 3ª Turma, relator Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21 de maio de 2019).

Não obstante, constatou-se que o Poder Judiciário, inicialmente, adotou posição diversa sobre a pandemia da covid-19. Em um dos primeiros casos sobre o tema (processo nº 1023119-66.2020.8.26.0100), houve a concessão de tutela de urgência para impedir a venda, em Bolsa, de ações dadas em garantia de contrato celebrado com instituição financeira, ante a abrupta queda no valor das referidas ações como resultado da pandemia.

Em outro caso de grande repercussão (processo nº 1027465-60.2020.8.26.0100), foi concedida liminar para liberar recebíveis sujeitos à cessão fiduciária para garantia de empréstimos, a fim de assegurar alguma liquidez à empresa no período de crise.

Como se vê, essas decisões se divorciavam do posicionamento do STJ sedimentado em crises anteriores. Porém, passados 18 meses de pandemia, observa-se que muitas das liminares acabaram terminando em acordo e, mais que isso, os tribunais caminharam para uma avaliação mais rigorosa dos efeitos concretos da pandemia na análise de pedidos de revisão contratual (vide, entre tantos outros, no TJ-SP, os processos nº 1042401-48.2020.8.26.0114, nº 1000599-75.2020.8.26.0080, nº 1000992-47.2021.8.26.0441 e nº 2123710-91.2021.8.26.0000).

Nessa linha, os tribunais vêm exigindo a apresentação de provas efetivas da relação de causa e efeito entre o novo coronavírus e da incapacidade de cumprir suas obrigações e da extensão dos impactos econômicos sofridos.

Portanto, apesar das decisões judiciais iniciais terem indicado uma possível revisão mais ampla de contratos com fundamento na pandemia, o entendimento jurisprudencial voltou a se alinhar ao tratamento visto em crises anteriores, mantendo a revisão contratual como medida excepcional. A autocomposição, mediante negociação, conciliação e mediação, continua a ser recomendável, sendo, em muitos casos, a maneira mais efetiva para as partes reajustarem a alocação de riscos do negócio.

Alex Hatanaka e Paula de Souza Gonçalves são, respectivamente, membro da Comissão de Direito Bancário da OAB-SP e sócio do escritório Mattos Filho; e advogada do escritório Mattos Filho

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

FONTE: Valor Econômico- Por Alex Hatanaka e Paula de Souza Gonçalves

 

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