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SISTEMA DE TRIBUTAÇÃO NACIONAL COLOCA ALGUMAS COBRANÇAS EM ZONA CINZENTA

12 de novembro de 2020

Maioria das operações de serviços digitais já são tributadas com tarifas mais altas do que as discutidas na Europa.

A transformação digital teve impacto sobre os governos e as relações internacionais, envolvendo questões de ordem tributária. A discussão tem como foco a arrecadação sobre a receita de corporações bilionárias, fornecedoras de bens intangíveis e dispersos, com venda e consumo em qualquer local do planeta.

O debate sobre esse tema acirra ânimos em torno de conceitos como mercadoria, serviços e royalties sobre propriedades intelectuais. Mas enquanto o mundo se debruça sobre uma disputa tributária global, o Brasil discute competência de tributação por Estados (ICMS) ou prefeituras (ISS), além da relação entre os diferentes entes federativos.

O economista Bernard Appy, um dos mentores da PEC 45, que está em trânsito no Congresso Nacional, com proposta de substituição gradual de ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins por um único imposto de valor agregado, lembra que a contenda tributária em torno de negócios digitais, principalmente das big techs, envolve dois tipos de tributos – da renda, hoje sob escrutínio da OCDE, e do consumo de serviços digitais remunerados, como o de plataformas de streaming.

No último caso, mesmo fornecido por uma organização de um outro país, a cobrança é mais simples e até a OCDE tem proposta fechada sobre a necessidade de o fornecedor do serviço se registrar no país consumidor e recolher impostos. Já no Brasil, o sistema de tributação coloca alguns serviços em zona cinzenta entre ICMS e ISS.

A tributação do lucro é mais complicada. As gigantes digitais escolhem países de baixa tributação, como a Irlanda, com cota de 12% sobre a renda, para concentrar a venda para os demais. Os Estados Unidos resolveram a questão com a decisão de tributar no país as operações de subsidiárias de empresas americanas, enquanto a Europa mira maior tributação local.

A tributação do consumo é mais simples. Appy explica que a alíquota uniforme para base ampla de bens e serviços da PEC 45 facilitaria o registro local de fornecedores e a cobrança sobre consumo. “Big techs não querem ser vistas como sonegadoras”, diz. O desafio seriam as empresas pequenas registradas em países com menos compliance fiscal.

Com instrumentos como imposto de renda na fonte ou royalties, CID remessa e outros, a maioria das operações de serviços digitais já são tributadas por aqui com tarifas até mais altas do que as discutidas atualmente na Europa, o que estimula instalações de subsidiárias locais.

Neste caso, o sonho brasileiro de fazer parte da OCDE poderia trazer até perda de receita caso a solução da forma como encaminhada hoje chegue ao país. E, segundo Appy, as discussões atuais ainda deixam de fora questões como tributação de consumo pago com dados, a exemplo de serviços de mecanismos de busca e redes sociais. “O escambo é tributável por legislação de relação de consumo”, diz.

Segundo Anna Flávia Greco, mestre em direito tributário e direito tributário internacional, sócia do Felsberg Advogados, a tributação sobre a renda está estabelecida em conceitos de direito tributário internacional e relacionada à sede ou estabelecimento físico permanente, onde os lucros são tributados. A exclusão de atividades complementares, como marketing ou logística, beneficia organizações globais como a da Amazon, com sede em Luxemburgo e atividades auxiliares espalhadas pela Europa.

No caso da tributação do consumo, atualmente são discutidos no Brasil três ou quatro projetos dedicados ao tema digital. Um deles, o PL 2358/2020, de autoria do deputado João Maia (PL/RN), mira pessoa jurídica domiciliada no Brasil, com receita bruta local acima de R$ 100 milhões, ou no exterior, com receita bruta global acima de R$ 3 bilhões, com base de cálculo incluindo publicidade em plataforma digital para usuários brasileiros, plataforma digital para venda de bens e serviços e transmissão de dados de usuários brasileiros, com alíquota progressiva de 1% a 5% e apoio ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).

O imposto sobre negócios digitais como proposto na OCDE, sem retenção na fonte, com incidência sobre receita bruta e não sobre lucro, caracterizaria imposto regressivo (com alíquotas mais baixas para valores mais altos) e resultaria em queda na arrecadação local. “Já temos guerra fiscal interna. Devemos ter cuidado de não importar problemas que não são nossos”, diz Anna. Ela lembra ainda que o imposto sobre pagamentos digitais, ventilado pelo governo nos moldes da extinta CPMF, traria vícios semelhantes – incide sobre todos independentemente de capacidade contributiva e ainda é regressivo, cumulativo, arrecadatório e não dá direito a crédito. “As demais propostas em curso desoneram as cadeias produtivas”, explica.

FONTE: Valor Econômico – Por Martha Funke — Para o Valor, de São Paulo

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