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NOVA TRIBUTAÇÃO PARA BIG TECHS NO BRASIL: O QUE ESPERAR?

24 de setembro de 2024

Reformas devem buscar não apenas aumentar arrecadação, mas criar ambiente propício à inovação e ao crescimento

No último dia 5 de setembro, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado apresentou um requerimento ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, solicitando informações e esclarecimentos acerca de reportagem publicada na Folha de S.Paulo em 27 de agosto.

O texto menciona que o Ministério da Fazenda está preparando uma proposta de nova tributação sobre as grandes empresas de tecnologia – as chamadas big techs – a ser enviada ao Congresso Nacional ainda neste semestre, como parte de um acordo internacional para regulamentar a tributação desse setor.

De acordo com a matéria, “a Fazenda planeja enviar ainda neste semestre proposta para tributar big techs”, acrescentando que “a proposta não está relacionada à elaboração do PLOA (Projeto de Lei Orçamentária) de 2025, que será encaminhado ao Legislativo na próxima sexta-feira (30) pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas, se a taxação for aprovada ainda em 2024, pode ajudar a compor as receitas do governo no ano que vem. Nesse cenário, a Fazenda não espera mais do que R$ 4 bilhões a R$ 5 bilhões em arrecadação adicional, de acordo com um auxiliar do ministro Haddad”.

No requerimento, a CAE ressalta a necessidade de mais informações e esclarecimentos, especialmente considerando que o Congresso aprovou recentemente a reforma tributária após um longo e amplo debate. O documento destaca que a possibilidade de instituir um novo tributo ainda neste semestre é, no mínimo, surpreendente, uma vez que rumores sobre essa nova tributação podem gerar instabilidade econômica e afetar diretamente a vida dos brasileiros, dado que as plataformas digitais já integram o cotidiano da população.

Além disso, a CAE recorda que diversos Projetos de Lei estão em tramitação no Congresso visando regulamentar plataformas digitais e abordando temas como direitos autorais, remuneração jornalística e outras questões relacionadas, incluindo a imposição de tributos sobre esses agentes econômicos.

Nesse contexto, a CAE busca respostas para várias questões cruciais:

  • Quais foram os dados utilizados para que possa se afirmar que a estimativa de arrecadação seja em valor aproximado de R$ 5 bilhões com a criação da nova tributação?
  • Existe estudo que tenha por objeto a criação de novo tributo a ser exigido das plataformas digitais?
  • Qual seria o fato gerador do tributo que pretendem criar?
  • A alíquota, a base de cálculo, a destinação (financiar setores específicos da economia ou a atender a interesses públicos) já foram estudados e previstos?
  • Houve análise de impacto sobre preços e consumo?
  • Qual a justificativa para que haja criação de nova tributação a ser imposta tão somente às plataformas digitais?
  • A matéria cita que a Receita Federal estaria favorável a que a tributação se dê na modalidade Cide, está correta a informação? Se sim, quais são os motivos determinantes para a escolha desta espécie?

Essas e outras questões foram levantadas no requerimento.

Desde o início do ano, o governo federal tem defendido a tributação das grandes plataformas digitais como uma forma de financiar iniciativas públicas voltadas à inclusão digital. Em fevereiro, durante a Mobile World Congress (MWC 2024), o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, destacou essa agenda em reuniões com empresas como Amazon, Starlink, Ericsson e a Telebrasil (Associação Brasileira de Telecomunicações). Segundo o ministro, “essa é uma demanda que estamos liderando e que vamos levar adiante no Brasil”.

Em agosto, o ministro também se reuniu com representantes da GSMA, entidade que representa os interesses das operadoras de redes móveis em escala global, para discutir a nova tributação das big techs e o avanço da inclusão digital no país. Durante a reunião, Juscelino apresentou os programas já desenvolvidos pelo Ministério das Comunicações, como o Escolas Conectadas, destacando a meta de levar conectividade a 100% das escolas públicas de ensino básico do Brasil. A GSMA manifestou seu apoio e se colocou à disposição para auxiliar o Brasil, de modo que a inclusão digital alcance não apenas os estudantes, mas também todas as pessoas que necessitam de letramento digital.

No cenário internacional, em 2021, o Quadro Inclusivo sobre a Erosão da Base e Transferência de Lucros da OCDE/G20 alcançou um acordo sobre uma solução de dois pilares para enfrentar os desafios fiscais decorrentes da digitalização da economia. Representantes de 140 países participaram das negociações, e a solução foi apoiada por 136 países – incluindo o Brasil. A proposta aprovada estabelece os princípios gerais dessa nova tributação e inclui o compromisso de implementar um imposto corporativo mínimo global.

O Pilar 1 prevê a realocação de uma parte dos lucros de empresas multinacionais, de modo que sejam tributados nos países onde os bens ou serviços são efetivamente utilizados ou consumidos. Em contrapartida, os países se comprometem a eliminar os impostos digitais que tenham instituído unilateralmente (conhecidos como digital sales taxes) e a não instituir novos tributos dessa natureza.

O Pilar 2 visa fortalecer a capacidade dos países de tributar lucros que não tenham sido devidamente tributados por outros países, que possuem o direito primário de fazê-lo, ou que tributam a uma alíquota inferior a 15%.

Esses pilares são uma continuação do já conhecido e bastante discutido Projeto BEPS (Base Erosion and Profit Shifting). Especificamente, são uma expansão de seu “Action 1 – Tax Challenges Arising from Digitalisation”, que, dentre as 15 ações do projeto, é a que tem maior foco nos mercados digitais.

As soluções propostas são, em grande parte, uma resposta da OCDE à percepção de que as recomendações originais foram insuficientes para enfrentar os desafios tributários que surgiram nos mercados digitais e nas grandes empresas de tecnologia. O objetivo final da OCDE é restabelecer a estabilidade da estrutura tributária internacional e evitar a adoção de novas medidas tributárias unilaterais, que poderiam fragmentar o sistema. Afinal, a adoção de tributos de forma unilateral está no cerne dos abusos tributários que motivaram o Projeto BEPS.

O prazo para a ratificação do Pilar 1 era 30 de junho de 2024, mas não foi cumprido. As negociações continuam, mas a falta de consenso sobre questões técnicas e políticas, somada à resistência de alguns países, como os Estados Unidos, tem dificultado a implementação global do Pilar 1. Esse impasse tem levado alguns países a adotarem medidas unilaterais de tributação das grandes empresas de tecnologia, o que pode comprometer a coordenação internacional promovida pela OCDE.

Recentemente, o Canadá implementou um imposto local sobre as maiores empresas de tecnologia, enquanto a Nova Zelândia anunciou a criação de seu próprio imposto sobre serviços digitais, que entrará em vigor em 2025. Embora essas medidas visem garantir a tributação das receitas digitais, elas podem aumentar o risco de fragmentação tributária e dupla tributação, contrariando o objetivo do Pilar 1 da OCDE.

A Lei do Imposto sobre Serviços Digitais do Canadá, que entrou em vigor em 28 de junho de 2024, impõe um imposto de 3% sobre a receita de serviços digitais acima de C$ 20 milhões, com o primeiro pagamento previsto para 30 de junho de 2025. O imposto, que se aplica desde 1º de janeiro de 2024 com efeito retroativo até 1º de janeiro de 2022, visa garantir que a receita obtida por meio de serviços online no Canadá seja devidamente tributada em nível federal.

A abrangência desse imposto inclui tanto empresas nacionais quanto internacionais, com receita derivada de mercados online, publicidade digital, redes sociais e monetização de dados dos usuários. Empresas locais e estrangeiras com receita global acima de € 750 milhões estão sujeitas à tributação.

Essas iniciativas de tributação unilateral, como as já implementadas no Canadá e as previstas na Nova Zelândia, podem gerar incertezas e desafios para as grandes empresas de tecnologia, que precisarão lidar com códigos tributários inconsistentes em diferentes países.

A incerteza gerada por um ambiente tributário fragmentado, onde diferentes países implementam tributações unilaterais sobre a economia digital, pode criar um cenário desfavorável para investimentos. Empresas globais buscam estabilidade e previsibilidade para planejar seus investimentos a longo prazo, e, quando confrontadas com códigos tributários inconsistentes, como a crescente instituição de impostos sobre serviços digitais, essa confiança é abalada.

O Brasil, assim como outros países, enfrenta um dilema: seguir as diretrizes internacionais da OCDE, que promovem a harmonização tributária e a criação de um sistema mais justo para o mercado digital global, ou adotar soluções locais que, embora atendam a demandas imediatas de arrecadação, podem gerar fragmentação e insegurança jurídica.

A escolha de um caminho que priorize a segurança fiscal, reduza a complexidade e promova a competitividade econômica será decisiva para atrair e reter investimentos estrangeiros, e, consequentemente, impulsionar o crescimento econômico.

A história nos mostra que sistemas tributários complexos e imprevisíveis são grandes obstáculos ao desenvolvimento de negócios e à geração de riqueza. As reformas devem buscar não apenas aumentar a arrecadação, mas também criar um ambiente propício à inovação e ao crescimento.

Portanto, o futuro da tributação digital no Brasil e no mundo depende da capacidade dos governos de coordenar suas ações e criar um sistema fiscal que atenda às demandas da economia moderna, sem sobrecarregar as empresas com custos excessivos e insegurança jurídica. Afinal, há um limite de carga tributária a ser aplicada aos contribuintes.

É o momento de aproveitar as oportunidades de reforma para garantir que a economia digital floresça, gerando benefícios tanto para o Estado quanto para o setor privado.

FONTE: JOTA – POR FELIPE VASCONCELLOS

 

 

 

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