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CONFISCO E O IMPACTO DAS MULTAS FORMAIS

29 de maio de 2024

Não é exagero dizer que as penalidades tributárias de ordem formal estão sendo utilizadas como indevido meio arrecadatório.

Enquanto a classe empresarial e a sociedade em geral focam nas leis complementares após a reforma tributária, nas mudanças do Regimento Interno do Carf e nas alterações na tributação do Imposto de Renda, um tema crítico tem sido negligenciado no debate jurídico nacional: as severas penalidades decorrentes de erros no preenchimento de arquivos digitais para apuração tributária.

É de notório conhecimento que o sistema tributário brasileiro, em seus três níveis federativos, impõe aos contribuintes uma série de obrigações formais com o objetivo de detalhar e consolidar as informações de interesse do Fisco, na apuração de cada tributo devido. São as EFDs/ECFs, com seus diversos registros, blocos e subblocos, DCTFs, GIAs etc., compreendendo uma miríade de informações detalhadas extraídas das operações realizadas por cada estabelecimento, as quais, por sua vez, devem estar parametrizadas com os softwares de gestão interna de cada contribuinte.

Não é demais supor que cada parte dessa meticulosa engrenagem pressupõe um elevado custo financeiro àquele interessado no cumprimento da respectiva obrigação acessória. E deve ser assim, pois, afora o dever de cumprimento das obrigações, surpreendentemente (ou nem tanto), as legislações tributárias de cada ente federado preveem multas pesadíssimas contra qualquer falha no preenchimento de tais arquivos. Essas multas, em sua esmagadora maioria, são quantificadas a partir de percentuais incidentes sobre as vendas ou movimentação de saídas dos contribuintes.

Inacreditavelmente, um simples erro no preenchimento de um registro, considerado irrelevante, em um arquivo digital, pode levar a consequências severas para os contribuintes. Mesmo sem afetar a apuração do tributo ou causar qualquer obstáculo à fiscalização, a magnitude da penalidade imposta depende do porte financeiro do contribuinte, expondo-o ao risco de enfrentar multas de valor milionário.

Essa realidade não surpreende, visto que o Brasil está entre os países com maior lentidão no pagamento de impostos, segundo o ranking do Banco Mundial. Um estudo da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados revela que as empresas brasileiras dedicam, em média, 1.501 horas anuais apenas para cumprir suas obrigações tributárias. Isso nos leva a questionar – sem intenção de provocar controvérsias – se a solução para aprimorar nosso sistema tributário estaria em reformas como as que estão em discussão na Câmara ou, talvez, na simplificação e na digitalização dos processos de fiscalização e apuração tributária.

Fazendo justiça à administração tributária, é bem verdade que providenciais medidas de ordem normativa vêm sendo adotadas nos últimos anos, no sentido de mitigar os estratosféricos impactos que um incauto erro de preenchimento de arquivos digitais pode gerar, por meio da concessão de oportunidade prévia para o contribuinte regularizar a obrigação formal sem a imposição de multa contra si.

A própria recém promulgada Lei nº 14.689/2023, na esteira do que já consta previsto na Portaria RFB nº 4.888/2020, prevê mecanismos de autorregularização espontânea do contribuinte, com base em inconsistências detectadas previamente pelo Fisco.

Nesse mesmo sentido, situam-se a Lei Complementar nº 1.320/2018 (Estado de São Paulo) e a Lei nº 2.657/96 (Estado do Rio de Janeiro), como exemplos de necessária condescendência corretiva da Fazenda para com o contribuinte.

Não obstante, os procedimentos previstos nas normas de autorregularização ainda carecem de efetividade por parte da fiscalização, que, em muitas vezes, de forma discricionária e, por que não, ilegal, deixam de adotar tal expediente em face do contribuinte. Em âmbito federal, atualmente, a graça da autorregularização espontânea é expediente reservado apenas aos chamados “grandes contribuintes”.

A discricionariedade na aplicação dos mecanismos de autorregularização se evidencia ainda mais na análise do veto ao artigo 6º da Lei nº 14.689/2023, que obrigava a administração federal à adoção desses procedimentos. Segundo as razões do veto, a imposição de canais de regularização espontânea violaria o interesse público e a segurança jurídica, quando, na verdade, parece justamente o contrário.

Por esse motivo, é salutar que o Supremo Tribunal Federal (STF) promova um desfecho equitativo ao julgamento do Tema 487, que trata do estabelecimento de critérios de aplicação e quantificação de multas isoladas por descumprimento de obrigações acessórias.

É incrível a facilidade com que os Fiscos detectam inconsistências no preenchimento das informações constantes de arquivos eletrônicos de apuração de tributos, através de avançados programadas de computação dedicados à atividade de fiscalização, não sendo constitucionalmente razoável e/ou proporcional que eventuais lapsos formais cometidos pelos contribuintes sejam apenados de maneira exorbitante e sem referibilidade com a conduta praticada.

Não é exagero dizer que as penalidades tributárias de ordem formal estão sendo utilizadas como indevido meio arrecadatório, deturpando a sua original natureza coercitiva e inibidora do cometimento da infração, o que deve ser prontamente coibido senão pelas ações concretas dos Fiscos, mas pela posição definitiva da Suprema Corte brasileira.

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR JOSÉ GUILHERME MISSAGIA E ANTONIO PAYÃO E JOÃO PEDRO TAVARES

 

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