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REINF E AFINS: O MANICÔMIO TRIBUTÁRIO INSTALADO

5 de fevereiro de 2024

O modelo focado unicamente no aumento da arrecadação de nosso sistema fiscal exige cada vez mais do contribuinte.

Em 1989, o jurista Alfredo Augusto Becker cunhou a expressão “carnaval tributário” para refletir sobre os paradoxos do sistema fiscal brasileiro. De lá para cá, já se vão quase 35 anos e, infelizmente, a definição segue pertinente.

Um exemplo dessa complexidade que insiste em persistir envolve a EFD-Reinf, módulo criado em 2018 para supostamente tornar mais célere o envio para o Fisco de informações relacionadas com pagamentos de serviços sobre os quais incidem retenções tributárias (IR, receita bruta e dados de contribuição social não relacionados ao trabalho).

Essa celeridade, no entanto, se perde de vista quando uma série de mudanças vêm sendo implementadas na Reinf desde seu surgimento. A Reinf é mais uma obrigação fiscal que se coloca no panorama tributário de empresas que, antes, tinham o tratamento mais simplificado, incluindo empresas do próprio Simples Nacional.

Uma prova desse movimento se reflete no último dos pacotes de alteração. A informação dos lucros distribuídos passou a ser exigida de forma trimestral e os dados de cartões de crédito passaram a ser de responsabilidade das operadoras, isentando as empresas dessa obrigação. As demais informações continuam sendo requeridas e informadas mensalmente.

Outro entrave é o prazo, haja vista que a entrega da Reinf deve ser realizada até o dia 15 do mês subsequente à escrituração contábil – período que torna praticamente inviável o envio, dado o volume expressivo de informações a serem disponibilizadas.

Isso fica claro quando pensamos nas retenções das notas fiscais de serviços tomados, uma vez que tais serviços podem ser contratados de empresas de qualquer município e não existe uma padronização. E como a coleta desses dados não é feita de uma base única, na prática, as empresas terão de investir em uma infraestrutura tecnológica robusta, contratação de mais mão de obra ou pagamento de honorários para a coleta, tratamento e registro dos dados exigidos dentro do prazo curto.

Isso eleva o custo operacional de empresas que, nem sempre, têm uma estrutura financeira compatível com a realidade fiscal do país. Assim, pouco adianta falar em racionalização a partir da reforma tributária quando a entrega de obrigações acessórias continua sendo uma dor de cabeça que tira tempo e recursos das empresas, além de aumentar ainda mais a complexidade do trabalho dos escritórios contábeis do país.

É fato que o modelo tecnocrata, complexo, de viés punitivista e focado unicamente no aumento da arrecadação de nosso sistema fiscal exige cada vez mais do contribuinte, ao passo que o Estado não cumpre seu papel de criar caminhos para o crescimento econômico.

Um dado que comprova tal complexidade envolve o número de horas que se gasta no Brasil apenas para o cálculo, pagamento e apuração de impostos: segundo relatório do Banco Mundial, estamos falando de mais de 1,5 mil horas.

Em estudo do IBPT, esse tempo se traduz em um impacto financeiro na casa de R$ 60 bilhões para o ambiente de negócios do país. Além disso, a velocidade das mudanças fiscais no país impressiona: também segundo o IBPT, o Brasil cria, em média, 46 novas regras tributárias a cada dia útil; dado que se reflete nas próprias novas obrigações da Reinf.

Ainda em relação à EFD-Reinf, além de toda complexidade, a empresa ainda fica sujeita a penalidades. Segundo a Instrução Normativa RFB n° 2.043/2021, os contribuintes que não entregarem as informações no prazo estabelecido ou que apresentarem dados incorretos ou omitidos estarão sujeitos a multas, que podem chegar a 2% ao mês ou fração sobre o valor dos tributos informados, limitada a 20%; R$ 20,00 para cada conjunto de 10 informações erradas ou omitidas; e uma multa mínima estabelecida.

Uma possibilidade mais efetiva para minimizar esses impactos se daria por meio do aproveitamento de outras obrigações já entregues com o SPED-Contribuições e PED-ECD. Ou seja: utilizar dados já coletados em vez de novas exigências.

Todavia, precisamos acompanhar o desenlace da reforma tributária aprovada no ano passado e que aguarda o envio de projetos de lei entre março e junho. Aliás, as propostas não trazem inovações concretas, mantém obrigações não cabíveis às empresas, e impactarão na forma de apuração dos impostos com uma nova dinâmica contábil – e complexa.

Ainda no escopo da reforma e do número de obrigações que transformam o Brasil em um manicômio tributário, há de se considerar as novas obrigações trabalhistas, declarações e a própria EFD-Reinf que atingem inclusive os MEIs.

Não se pode também falar em racionalidade tributária quando empresas do lucro presumido – via de regra, organizações do “middle market” – têm um conjunto de demandas e obrigações em linha com grandes companhias optantes pelo lucro real.

Sim, estamos falando de negócios com portes e capacidade financeira distintos, mas que enfrentam o mesmo nível de preocupações e de risco fiscal.

Para mudar esse cenário, além da unificação de impostos, o país precisa de um sistema fiscal que busque construir uma cultura de maior previsibilidade, ao invés de complicar as rotas já obtusas de nosso ambiente tributário – caro, complexo e que impacta negativamente o dia a dia de empresas e escritórios contábeis.

Assim, poderemos sair de um manicômio que desacelera nossa competitividade, comprometendo o futuro de empresas e de nossa economia.

José Maria Chapina Alcazar é sócio-fundador e presidente da Seteco Consultoria Contábil.

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR JOSÉ MARIA CHAPINA ALCAZAR

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