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EMPRESAS USARAM R$ 292BI EM CRÉDITOS DA ‘TESE DO SÉCULO’

9 de janeiro de 2024

Valor, levantado pela Receita, é referente ao período de janeiro de 2019 a agosto de 2023

A Receita Federal estima que R$ 292 bilhões em créditos tributários oriundos da “tese do século” tenham sido utilizados pelas empresas de 2019 a agosto do ano passado para abater tributos devidos. O valor tem sido usado como argumento pelo Ministério da Fazenda para limitar o uso de créditos gerados por meio de decisões judiciais em compensações, medida que tem gerado críticas de tributaristas, que preveem judicialização pela “restrição de um direito”.

A estimativa consta em um relatório de dezembro de um grupo de trabalho da Receita. O documento traz que R$ 324,7 bilhões de tributos devidos foram compensados por meio de   créditos tributários oriundos de decisões judiciais de janeiro de 2019 a agosto de 2023, em valores nominais, sendo que a estimativa é de que 90% do valor seja referente à “tese do século”, que retirou o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins.

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) é de 2017 e foi modulada em 2021. Algumas empresas vêm usando esses créditos desde a decisão, mas a maior parte esperou pela modulação dos efeitos, segundo tributaristas. Com isso, de acordo com a Receita, as compensações por decisão judicial, que não chegavam nem a R$ 20 bilhões por ano, cresceram exponencialmente, ultrapassando a marca de R$ 50 bilhões por ano.

“A partir do ano de 2019, os créditos judiciais têm representado 38% dos créditos utilizados em compensação. No período de 2005 a 2018 esse percentual era de 5%”, diz a Receita Federal.

De janeiro a agosto deste ano, R$ 59,3 bilhões já foram compensados em virtude de decisão judicial. A Receita não tem estimativa por tese tributária, mas afirma que 90% seriam da “tese do século”. O Fisco não explicou como chegou a esse percentual.

O contribuinte sempre poderá acessar a via dos precatórios” — Felipe Salto

Apesar de a decisão do STF ter mais de seis anos, o Ministério da Fazenda alega “surpresa” com o volume de créditos compensados, que estariam reduzindo a arrecadação federal na mesma proporção. Foi, então, editada uma medida provisória (MP) no último dia útil do ano limitando o uso de créditos tributários oriundos de compensação por decisão judicial. A regulamentação foi publicada na sexta-feira passada e o teto já está em vigor para créditos a partir de R$ 10 milhões.

Os valores expressivos da tese do século, contudo, não são novidade. O próprio governo previu impacto de R$ 229 bilhões no Anexo de Riscos Fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) de 2020 enviada ao Congresso. A Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão de monitoramento das contas públicas ligado ao Senado Federal, também calculou um impacto de R$ 275,1 bilhões para os cinco anos contados a partir de 2021, mais R$ 72,4 bilhões de créditos a serem concedidos referentes ao período de 2017 a 2020. Já o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) estimou impacto de R$ 358,1 bilhões, sendo que cerca de R$ 93,4 bilhões já teriam sido compensados entre 2017 e 2020.

A Receita não divulga quanto acredita que as empresas ainda têm a abater de créditos da tese do século. Pela nova regra imposta pelo ministério, os créditos a partir de R$ 10 milhões não poderão ser usados imediatamente pelas empresas, que deverão respeitar um prazo mínimo de 12 a 60 meses para utilização integral.

A limitação vem sendo criticada por especialistas. De acordo com Alberto Medeiros, sócio da área tributária do Carneiros Advogados e presidente da Comissão de Assuntos Tributários da OAB-DF, o governo realmente só tem efetiva previsibilidade dos valores que serão objeto de compensação no momento em que o contribuinte apresenta o pedido administrativo. Mas, segundo o tributarista, essa realidade não pode tolher o direito do contribuinte de receber os valores por meio desse instrumento, já que seu crédito foi gerado em razão de pagamento indevido, seja porque o valor deveria ser menor, seja porque o tributo não poderia jamais ser dele exigido.

“Não faz qualquer sentido punir o contribuinte que pagou indevidamente um tributo, limitando seu direito à utilização do crédito. O expediente é, em verdade, uma forma de o Estado seguir se beneficiando de um valor que não poderia ser por ele usufruído”, afirma Medeiros.

Segundo o advogado, a “tese do século” gerou significativo estoque de créditos aos contribuintes, pois o ICMS é um importante componente do preço das mercadorias e o PIS e a Cofins têm ampla base de incidência, representando, por isso, valores muito significativos.

Já Felipe Salto, economista-chefe e sócio da Warren Investimentos, avalia que o direito ao crédito do contribuinte não está sendo abalado. “O contribuinte que desejar receber o recurso, e não usar o mecanismo da compensação, sempre poderá acessar a via dos precatórios, como ocorre para toda dívida do Estado com terceiros, em geral.”

Conforme mostrou o Valor, há vantagens para o governo caso a empresa opte pelos precatórios. Se o limite anual de quitação de precatórios previsto no Orçamento for excedido, há a possibilidade de pagar por crédito extraordinário, fora do limite do novo arcabouço e da meta fiscal, até 2026. Os precatórios também são inscritos em um ano para serem pagos no seguinte. Ou seja, na prática, o governo ganha pelo menos um ano de planejamento.

O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, nega que o limite tenha sido estabelecido visando pagamento fora da meta fiscal, mas defende que a melhor alternativa para o Estado é o pagamento via precatórios, ao invés do abatimento de créditos tributários por decisão judicial. “O direito líquido e certo é de usar o rito constitucional, que é o precatório”, afirma.

Ele também negou que o limite seja um “calote” ou “empréstimo compulsório”. “Existe uma decisão judicial de bilhões, você quebra o Estado porque a empresa tem que receber? Os dados mostram que a compensação vai virar via prioritária (das empresas), o que atrapalha o planejamento do Estado”, diz.

FONTE:VALOR ECONOMICO – POR JÉSSICA SANT’ANA E BEATRIZ OLIVON — DE BRASÍLIA

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