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O PERSE ORIGINAL É INALTERÁVEL

10 de janeiro de 2023

Sem querer, o governo, com a Portaria ME nº 7.163/2021, avalizou as defesas dos contribuintes nas demandas judiciais

Após a derrubada do veto ao artigo 4º da Lei nº 14.148/2022, em 18 de março de 2022, passaram a emergir questionamentos em relação à correta aplicação do referido dispositivo. Cite-se a discussão sobre a ilegalidade da exigência de inscrição no Cadastur, prevista no parágrafo 2º do artigo 1º da Portaria ME 7.163/2021, que regulamentou alguns pontos da Lei nº 14.148/2021, tentando excluir do benefício aqueles que, apesar de elegíveis ao cadastramento no Ministério do Turismo, não o fizeram por ser opcional, o que acarretou na distinção ilegal e inconstitucional entre contribuintes em situações idênticas.

Ademais, embora o parágrafo 1º do artigo 2º da lei seja literal no sentido de que as pessoas jurídicas que indiretamente exercem as atividades econômicas listadas nos incisos do mesmo parágrafo estão abarcadas pelas disposições da referida lei, a Portaria ME nº 7.163/2021 deixou de fora diversas atividades indiretas, de maneira inconstitucional e ilegal, em afronta ao princípio da legalidade e da isonomia tributária. Indo além, a intenção do legislador leva ao mesmo entendimento, uma vez que a palavra “indiretamente” foi inserida no referido dispositivo após a aprovação da Emenda nº 15 do Senado Federal – cuja exposição de motivos é cristalina com relação ao objetivo de que as disposições da Lei nº 14.148/2021 abarquem toda a cadeia econômica dos setores indicados nos incisos do parágrafo 1º do artigo 2º da referida lei.

Finalmente, embora a redação do artigo 4º da Lei nº 14.148/2021 seja absolutamente clara no sentido de que o benefício fiscal da alíquota zero de PIS/Cofins/IRPJ/CSLL se aplica ao “resultado auferido pelas pessoas jurídicas pertencentes ao setor de eventos”, a Instrução Normativa RFB nº 2.114/2022, em afronta ao inciso II do artigo 111 do CTN – que impõem a interpretação literal aos benefícios fiscais -, dispôs que a referida alíquota zero se aplica somente em relação às receitas e aos resultados das atividades relacionadas na Portaria ME nº 7.163/2021.

Cabe dizer, por outro lado, que a Portaria ME nº 7.163/2021 poderia ter sido mais explícita no sentido de que os CNAEs listados em seus anexos deveriam guardar relação ativa, devidamente comprovada, com os setores econômicos dispostos nos incisos do parágrafo 1º do artigo 2º da Lei nº 14.148/2021.

Contudo, ao invés de somente corrigir o descuido acima da referida portaria, o Poder Executivo editou recentemente a Medida Provisória nº 1.147/2022 tentando transferir ao Ministério da Economia o poder de editar uma nova lista mais restritiva de atividades beneficiadas pelas alíquotas zero de PIS/Cofins/IRPJ/CSLL.

Adicionalmente, a referida MP incluiu o parágrafo 1º ao artigo 4º para dizer que a referida alíquota zero “será aplicada sobre as receitas e os resultados das atividades do setor de eventos de que trata este artigo”.

Na exposição de motivos da referida MP é usado um texto dúbio que ora justifica a norma para esclarecer dúvidas de interpretação, ora para restringir o escopo do benefício visando proteger o orçamento da União.

Ao contrário do que afirma a exposição de motivos da referida MP, a inclusão do parágrafo 1º ao artigo 4º não tem finalidade interpretativa, mas sim de criação de uma restrição antes não prevista. Uma MP que inclui um parágrafo novo que contradiz o caput original não pode retroagir. O projeto de lei que culminou na Lei nº 14.148/2021 previa, em sua redação original, que a alíquota zero de PIS/Cofins/IRPJ/CSLL se aplicava às receitas de eventos. Intencionalmente, o Congresso Nacional alterou o referido projeto de lei, de forma que a referida alíquota zero fosse aplicada para a pessoa jurídica como um todo, passando a ser um benefício fiscal de caráter subjetivo. Ou seja, não havia dúvidas de interpretação que demandassem a inclusão, agora, de um parágrafo ao artigo 4º. Trata-se, simplesmente, de uma tentativa do governo de restringir um benefício fiscal de maneira retroativa.

Em consequência da edição da referida MP, no dia 2 foi publicada a Portaria ME nº 11.266 trazendo a lista de CNAEs que podem usufruir da alíquota zero de PIS/Cofins/IRPJ/CSLL. A referida portaria retirou 50 CNAEs que constavam da Portaria ME nº 7.163/2021. Foram retirados CNAEs totalmente inseridos nos setores visados pela Lei nº 14.148/2021, tais como discotecas e serviços de bufê, o que demonstra que a tentativa do governo é somente reduzir o benefício fiscal, em total descompasso com a finalidade para a qual o mesmo foi instituído.

Independente do caráter não interpretativo da referida MP, de acordo com a Súmula nº 544 do STF e o artigo 178 do CTN, um benefício fiscal somente pode ser revogado ou modificado se não tiver prazo certo e não tiver sido concedido sob condição onerosa. O benefício fiscal dura 5 anos e vem compensar o ônus incontestável trazido pela maior pandemia dos últimos tempos. Dessa forma, o benefício fiscal trazido pelo artigo 4º da Lei nº 14.148/2021 não pode ser alterado.

Assim, o benefício concedido pelo artigo 4º da Lei 14.148 deve ser mantido intacto até março de 2027 para todas as receitas e resultados das empresas que exercem habitualmente, mesmo que secundariamente, direta ou indiretamente, as atividades previstas nos incisos do parágrafo 1º do artigo 2º da Lei.

A edição da MP nº 1.147/22 somente confirmou a correta interpretação literal no sentido de que a alíquota zero de PIS/Cofins/IRPJ/CSLL se aplica à empresa como um todo. Ainda, assentiu com as atividades diretas fixadas pela Portaria ME nº 7.163/2021, na medida em que o governo, ao justificar a referida MP, disse que essas alterações vieram também como uma “redução de seu escopo”. Sem querer, o governo avalizou as defesas dos contribuintes nas diversas demandas judiciais em curso.

Resta ao governo revogar a Medida Provisória nº 1.147/2022, revogar a IN RFB nº 2.114/2022, revogar a Portaria ME nº 11.266/2022 e ajustar a Portaria ME nº 7.163/2021, de maneira a complementar as atividades indiretas faltantes, tomando o cuidado de deixar claro que é necessário comprovar a relação com as atividades econômicas previstas nos incisos do parágrafo 1º do artigo 2º da Lei nº 14.148/2021.

FONTE: Valor Econômico – Por Ilan Gorin e Alexandre Christof Gorin

 

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