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REFORMA TRIBUTÁRIA PREVÊ CASHBACK PARA ARMAS E IMPOSTO SELETIVO PARA BARCO DE SUBSISTÊNCIA

23 de julho de 2024

Novo imposto, criado para ter foco em pautas ambientais e de saúde pública, está permeado de incoerências e não cumpre o que promete, dizem especialistas.

Fora do imposto seletivo, as armas e munições podem ter cashback com a regulamentação do texto da reforma tributária no Congresso Nacional. Ao mesmo tempo, com os automóveis taxados pelo imposto seletivo, até as embarcações destinadas à pesca de subsistência estarão sujeitas ao imposto. Especialistas ouvidos pelo Valor apontam as incoerências do novo tributo.

O imposto seletivo é para ser aplicado a produtos considerados nocivos à saúde. No entanto, no texto da reforma tributária, aprovado pela Câmara dos Deputados, deixou a arma de fogo e munições fora do alcance do novo tributo. Dessa forma, atualmente, as armas e munições estão sujeitas à seletividade do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que faz com que fiquem sujeitas a alíquota total de tributos sobre o consumo que ultrapassa 80% em alguns casos.

No novo modelo de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e Contribuição Social de Bens e Serviços (CBS), como haverá a aplicação de uma alíquota padrão, a tributação sobre armas e munições cairá significativamente, para 26,5%, explica a professora no Insper e advogada tributarista, Thais Veiga Shingai.

“Além dessa redução de carga tributária, há um efeito adverso preocupante: o cashback do IBS e da CBS é permitido para os bens e serviços não tributados pelo imposto seletivo, ou seja, se o texto continuar como está, poderá haver cashback para armas e munições”, afirma Shingai.

Para a advogada tributarista, as armas de fogo e munições deveriam ser tributadas pelo imposto seletivo porque podem causar prejuízos à saúde, homicídios, suicídios, atos de violência e acidentes, culminando no fim da própria vida. “Ao se tributar as armas e munições com o Imposto Seletivo, busca-se a tutela da segurança pública e, consequentemente, da vida, da liberdade, e da integridade física e psíquica do indivíduo”, diz.

Conforme dados do Ministério da Saúde no Brasil, 76% das mortes devem-se ao uso de arma de fogo, o que gera gasto anual superior a R$ 50 milhões apenas com internações hospitalares.

Segundo Thais Veiga Shingai, a experiência internacional suporta a cobrança do imposto seletivo sobre armas e munições. “No ano passado, por exemplo, a legislatura da Califórnia aprovou o AB 28, que cria um imposto seletivo estadual de 11% sobre todas as armas, munições e peças de armas vendidas por revendedores de armas licenciados no estado”, afirma.

Além de prejudicar a saúde e vida das pessoas, as armas e munições faz mal ao meio ambiente. Por essa razão, no início dos anos 1900, quando muitas espécies de vida selvagem estavam diminuindo em número ou desaparecendo, a indústria de armas de fogo e munição pediu ao Congresso norte-americano que impusesse um imposto sobre a venda desses produtos para ajudar a financiar a conservação da vida selvagem nos Estados Unidos.

“Desse contexto surgiu a Lei Pittman-Robertson de Restauração da Vida Selvagem, inicialmente promulgada em 1937 como Lei de Auxílio Federal na Restauração da Vida Selvagem, que fornece financiamento aos estados e territórios para apoiar a restauração da vida selvagem, a conservação e os programas de e programas de educação e segurança de caçadores. Os recursos para os programas Pittman-Robertson são provenientes justamente de um excise tax sobre armas de fogo, munição e equipamentos de arco e flecha”, afirma Thais Veiga Shingai.

A consultora internacional e pesquisadora do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV, Melina Rocha, compartilha a opinião de que o imposto seletivo poderia incidir sobre as armas, já que dentro do IBS e da CBS não é possível uma alíquota majorada.

“Do ponto de vista técnico me parece que há motivos para se ter uma tributação majorada para as armas em relação a outros produtos, como já acontece hoje. Entretanto, a decisão final da Câmara foi de não incluir as armas no seletivo”, diz Melina.

Em contrapartida de, sem imposto seletivo para armas, munições, a Câmara dos Deputado aprovou a cobrança do imposto seletivo para veículos no Brasil. “Parece-me desarrazoado instituir a cobrança do Imposto Seletivo sobre veículos no Brasil”, afirma a advogada e coordenadora do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV, Lina Santin, que enumera seis motivos para a cobrança considerada injusta.

Primeiramente, explica a advogada, não são os meios que poluem, mas sim o tipo e quantidade de combustível utilizado. “Dois consumidores podem ter o mesmo modelo de veículo, mas um deles só utiliza seu carro aos domingos, enquanto o outro é motorista de aplicativo. Assim, como o mesmo carro flex pode poluir mais ou menos a depender do tipo de combustível de preferência do seu proprietário que, muitas vezes, faz escolhas em razão do preço e não do impacto ambiental”, afirma.

Como segundo fator, Lina Santin avalia que o novo tributo pode desestimular a troca de veículos antigos, mais poluentes, por novos carros, que dispõem de tecnologias mais modernas causando menos emissões, conforme determinações do Programa de Controle de Emissões Veiculares (Proconve).

Em terceiro lugar, o projeto não tributa os caminhões pesados, que são grandes emissores de poluentes, o que demonstra o contra senso da medida, não obstante a legítima preocupação com o encarecimento do frete rodoviário.

Como quarto item, a coordenadora do NEF, lembra que até as embarcações destinadas à pesca de subsistência estarão sujeitas ao imposto. “O projeto também deixou de prever a não incidência do imposto seletivo quando referidos bens forem utilizados na consecução de atividade econômica do contribuinte”, diz.

Um quinto ponto, mencionado por Santin, é que o imposto seletivo pode gerar desestímulo para novos investimentos, comprometer o desenvolvimento da indústria e até acarretar redução nas vendas de automóveis no país, com reflexo direto nas vagas de emprego e no Produto Interno Bruto (PIB).

Para ela, o “novo” imposto seletivo busca atingir a mesma base do antigo IPI, como simples meio de substituir arrecadação. “A realidade do Brasil é outra: o país não possui todas as linhas necessárias de transporte público, ainda patina na implementação de uma política nacional de transição energética, os carros elétricos que estariam sujeitos a alíquotas menores são mais caros e menos acessíveis à população em geral”, diz.

Por último e sexto item, Lina Santin menciona que o Governo acabou de aprovar o Mobilidade Verde e Inovação (Mover), programa que prevê créditos financeiros para quem investir em pesquisas, desenvolvimento e produção tecnológica que contribuam para a descarbonização da frota de veículos. “A meu ver, tudo isso demonstra o frágil elo de nexo causal entre a tributação do meio e veículo, não do combustível, com a externalidade que se pretende atingir que é a poluição”, afirma a advogada.

O professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), José Maria Arruda de Andrade, também autor do livro “Imposto Seletivo e Pecado – Juízos Críticos sobre Tributação Saudável”, explica que cada bem ou serviço atingido pelo imposto seletivo pode responder de uma forma. “O imposto sobre automóveis pode induzir a uma compra que ajuste o modelo, tipo e acessórios. O minério pode ser substituído pelo fornecimento por outra fonte (até mesmo outro país)”, afirma.

Para Arruda de Andrade, um estudo profundo do debate das ideias permite dizer que pouca coisa do debate mais amplo desse tipo de intervenção estatal foi privilegiada no imposto seletivo brasileiro, fazendo com que as pautas ambientais e de saúde pública ficassem espremidas em uma regulação fiscal nada favorável. “Da forma como está, o “imposto seletivo pode ser questionado do ponto de vista político (objetividade e impessoalidade); econômico (regressividade, mecanismos de distorção de demanda de curto prazo e efeitos substituição indesejados) e jurídico (isonomia, concorrência livre, neutralidade e livre iniciativa)”, diz o professor de Direito.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

 

 

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