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JUSTIÇA CONDENA SEGURADORAS A COBRIR MENSALIDADE ESCOLAR E FINANCIAMENTO

11 de maio de 2021

Decisões contemplam profissionais liberais que tiveram queda de renda na pandemia

Profissionais liberais que tiveram queda de renda em decorrência da pandemia têm obtido decisões judiciais para obrigar seguradoras a pagar mensalidades escolares ou prestações de financiamentos, coberturas previstas nos seguros educacionais e nos chamados prestamistas. Os juízes entenderam que os sinistros foram comprovados e as apólices não deixavam claro que apenas os segurados com carteira assinada teriam direito à cobertura.

As seguradoras alegam nos processos que as apólices preveem pagamento por perda de renda por desemprego involuntário, o que exigiria vínculo de emprego. Nas decisões, porém, os juízes destacam que as companhias sabiam, desde o início, que os segurados trabalham por conta própria e não poderiam, depois de receberem por meses o pagamento dos prêmios, negar os pedidos.

Durante a pandemia, foram emitidos R$ 18,45 bilhões em apólices de seguros prestamistas – que asseguram o pagamento ou a amortização de um financiamento. No mesmo período, foram R$ 3,12 bilhões em valores de sinistros, segundo dados fornecidos pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), a pedido do Valor.

Um dos casos julgados é de um médico, que adquiriu um seguro para garantir os estudos de sua filha. Ele obteve decisão favorável na 30ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). O relator, desembargador José Roberto Lino Machado, entendeu que ficou demonstrada a ocorrência do sinistro, em razão da perda de clientes do médico, por conta da pandemia de covid-19 (apelação cível nº 1004662- 59.2020.8.26.0011).

O profissional, que é clínico geral, teve sua renda praticamente zerada entre março e outubro porque muitos pacientes cancelaram ou não marcaram consultas, com receio de se infectarem, segundo o advogado Tiago Moraes Gonçalves, diretor do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS) e sócio de Ernesto Tzirulnik Advocacia, que o representa no processo.

A Bradesco Saúde alega no processo que não haveria sinistro indenizável, uma vez que o seguro contratado somente prevê cobertura, por perda de renda, em caso de desemprego. Porém, na decisão, o desembargador José Roberto Lino Machado afirma que a seguradora sabia, desde o início, que o autor era médico e que trabalhava por conta própria, sem vínculo empregatício com terceiro.

“Logo, não pode ela [a seguradora] agora, depois de mais de um ano recebendo o pagamento dos prêmios, arguir que não se há de falar em cobertura”, diz o relator em seu voto. Com a decisão, a seguradora terá que pagar, diretamente à instituição de ensino, as mensalidades escolares vencidas entre os meses de maio e outubro de 2020.

Outros dois casos, também acompanhados pelo advogado, envolvem motoristas autônomos de vans. Ambos conseguiram sentenças favoráveis na Vara do Juizado Especial Cível de Jundiaí (SP). Os dois adquiriram veículos por meio de financiamentos com alienação fiduciária e pagaram os seguros. Nas apólices, havia a cobertura para “desemprego involuntário”, com capital segurado limitado a R$ 5 mil.

A seguradora Zurich Santander alegou nos processos que a cobertura seria exclusiva para empregados com carteira assinada (celetista). Contudo, o juiz Fernando Bonfietti Izidoro destacou nas decisões que ela foi “efetivamente ofertada e contratada”, apesar de serem motoristas autônomos.

“Ao oferecer a cobertura de seguro para a hipótese de desemprego, sabendo da condição de autônomo do outro contratante, a seguradora assume o risco de pagar a indenização, embora a parte não tenha emprego com vínculo empregatício”, afirma o juiz nas sentenças.

Numa delas, que favorece uma segurada, o juiz determinou que a seguradora pague R$ 3,9 mil, valor da prestação de setembro de 2020. Ele negou, porém, indenização referente a uma parte da mensalidade de outubro, por entender que não houve prova de queda de renda naquele mês (processo nº 101 2827-74.2020.8.26.0309).

O mesmo ocorreu com o outro segurado. O magistrado garantiu R$ 2,7 mil, referente a setembro de 2020, mas negou pagamento de prestação do mês de outubro (processo nº 101 3575-09.2020.8.26.0309).

De acordo com o advogado Tiago Moraes Gonçalves, não estava claro nas propostas aceitas que a cobertura por desemprego somente abrangeria os empregados com carteira assinada. “As seguradoras sabiam que eram profissionais liberais e todas as informações importantes têm que estar na proposta. Até porque, dessa forma, não interessaria para eles a contratação de uma cobertura que não poderiam usar”, diz.

Para a advogada Aline Braghini, do CM Advogados, as decisões prestigiam os princípios da boa-fé objetiva e da informação. “No caso o seguro deveria ter informado que profissional liberal não poderia contratar, já que não poderia estar na condição de desempregado”, afirma.

Especialista na área de seguros, o advogado Sandro Raymundo, SRSH Advogados, diz que a Justiça tem concedido as indenizações porque houve falta de informação prestada pelas seguradoras aos segurados. Ele ressalta que, de acordo com o artigo 46 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), os contratos não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo.

Raymundo destaca que, se tivessem oferecido o seguro correto aos profissionais liberais, a cobertura por perda de renda desses contratos só estaria vinculada a afastamento por acidente ou doença. “Nesse caso, só teriam direito a indenização caso tivessem covid-19, por exemplo, e tivessem que ficar afastados.”

Apesar das apólices de seguros excluírem indenização em caso de pandemia, ano passado, as seguradoras informaram que iriam cobrir a de covid-19. “Elas fizeram os cálculos notariais e perceberam que isso não traria desequilíbrio nas suas contas e poderia gerar novas contratações, o que de fato ocorreu. A pandemia aflorou o medo da morte”, diz.

Procuradas pelo Valor, a Zurich Santander informou que não se manifesta em casos sub judice. A Bradesco Seguros também preferiu não se manifestar

Fonte: Valor Econômico – Por Adriana Aguiar — De São Paulo

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