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POR QUE IGNORAMOS O DEBATE SOBRE OS GASTOS TRIBUTÁRIOS?

26 de junho de 2019

Em 1967, o então Secretário adjunto do Tesouro americano para política fiscal, Stanley Surrey, em uma palestra proferida para investidores, forjou o termo “gasto tributário”, para definir os gastos indiretos do governo com a concessão de incentivos e favores fiscais vinculados ao imposto de renda. Naquele momento, nos Estados Unidos, não havia qualquer controle de tais valores.

As demandas de acertos orçamentários resultavam ou em redução de despesas, ou no aumento de tributos. O escrutínio público e técnico dos valores não arrecadados em razão de benefícios tributários simplesmente não existia e, assim, sequer era considerado como uma opção de ajuste fiscal. A partir de 1969, tal controle começou a ser feito.

O conhecimento detalhado dos benefícios fiscais, seja em relação à sua participação no orçamento, seja quanto aos retornos efetivos à sociedade, é fundamental para avaliar a legitimidade de sua manutenção.

Deve-se ter claro que o incentivo tributário, a despeito de não representar uma despesa direta do Estado, resulta em investimento (indireto) de disponibilidades financeiras em áreas e setores específicos. Trata-se, portanto, de item relevante do orçamento.

No Brasil, o artigo 165, parágrafo 6º, da Constituição prevê que o projeto de lei orçamentária será acompanhado de “demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia”. Em relação aos benefícios tributários, esse papel tem sido exercido pela Secretaria da Receita Federal do Brasil desde 1989.

Segundo o demonstrativo que acompanhou o projeto de lei orçamentária anual de 2019, para este exercício, teremos R$ 306,39 bilhões em gastos tributários. Nesse valor, incluem-se o regime do Simples Nacional e os benefícios da Zona Franca de Manaus. Excluem-se, de outro lado, as mudanças e reduções de alíquotas do imposto sobre produtos industrializados, o IPI.

A despeito das críticas que podem ser suscitadas à luz dos critérios para contemplar, ou não, determinadas medidas como renúncia de receitas, ou gastos tributários, não há dúvidas de que os números são vultosos.

Não é novidade que o país enfrenta uma crise financeira severa, com acúmulo de déficits primários – para 2019, a previsão da lei de diretrizes orçamentárias é de R$ 139 bilhões de déficit. A medida até agora pensada para conter o rombo financeiro tem sido a redução de despesas. A criação do teto de gastos pela Emenda Constitucional nº 95/2016 é exemplar dessa providência. O aumento da carga tributária sequer é cogitado, pois não há dúvidas de o espaço para o aumento de tributos é muito limitado no presente contexto econômico.

Recentemente, a reforma tributária juntou-se à da previdência como prioridade das autoridades, sob o argumento de que as mudanças seriam fundamentais para construir um cenário de melhora capaz de conduzir à superação da crise fiscal. Não há, contudo, soluções mágicas. Reformas estruturais não são panaceia e seu enorme custo político nos convida a olhar com atenção para medidas mais modestas mas que podem ser, também, eficazes.

Conforme já mencionei em outros textos nesta coluna, mudanças na legislação processual tributária seriam muito bem vindas para racionalizar o processo de cobrança e discussão do crédito tributário, com a possibilidade de aumento da arrecadação. Ao lado disso, há a questão dos gastos tributários.

Stanley Surrey, ao tratar dos caminhos possíveis para a reforma tributária, parece endereçar seus pensamentos à situação atual do Brasil: nas ocasiões em que o poder público está buscando soluções para crises orçamentárias, é frequente o estabelecimento de teto de gastos, aumento de tributos o contingenciamento de despesas. Contudo, o controle racional dos subsídios fiscais é ignorado.

Devemos ser capazes de responder se os diversos benefícios fiscais existentes fazem sentido diante das necessidades orçamentárias atuais. Essa avaliação passa por uma reflexão crítica quanto a quem eles se dirigem e o tipo de retorno que trazem à sociedade.

A desconsideração desses dados como integrantes efetivos do orçamento faz com que a discussão sobre mudanças no sistema tributário não considerem o cenário completo no qual a obtenção de receitas públicas se insere.

FONTE: Valor Econômico – Por Tathiane Piscitelli

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