Telefone: (11) 3578-8624

NÃO RETROCEDER NO MEIO AMBIENTE

25 de junho de 2019

O Brasil tem de diminuir o buraco que impede que a regulação do saneamento e do descarte do lixo seja implementada.

O Brasil enfrentou muitas crises econômicas em sua história e Octávio Bulhões, ex-ministro da Fazenda na década de 60, sempre dizia: “apesar de tudo, o Brasil é maior do que o buraco”. Se Bulhões estivesse vivo hoje poderia rever sua celebre frase, ao menos no que toca a dois problemas ambientais: saneamento básico e descarte do lixo.

É sabido que o meio ambiente possui extensa proteção legal nos ordenamentos dos variados países. Basicamente, os regimes jurídicos contemporâneos da tutela do meio ambiente contam com as constituições (i.e., Brasil, África do Sul, Índia, Nigéria) e a regulação infraconstitucional ativa, demandando ações do Estado (i.e., Estados Unidos) ou passiva, proibindo certas condutas (estratégia end of the tube).

Contudo, mesmo a previsão constitucional não é suficiente para efetivar a tutela ambiental: há um gap de implementação nos quatro países já mencionados e, no Brasil, há, ainda, o perigo de retrocesso, como a MP 884, que dispensa prazo para proprietários de terras realizarem o Cadastro Ambiental Rural (CAR). No País, em que 50% da população não tem acesso a políticas de saneamento básico (IBGE, 2018) – direito humano consagrado pela ONU -, meio ambiente é assunto de primeira e última hora.

O Brasil tem de diminuir o buraco que impede que a regulação do saneamento e do descarte do lixo seja implementada.

Contrariando a máxima de Bulhões, parece que o buraco para a implementação das leis é maior do que o Brasil. Poucos são aqueles que conhecem a existência das Leis 11.445/07 e 12.305, (Política Nacional de Resíduos Sólidos, PNRS).

A Lei nº 11.445/07 estabeleceu as diretrizes gerais para o saneamento básico. O objetivo era alçar o país a um novo patamar no abastecimento de água, tratamento do esgoto, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos e drenagem de águas pluviais urbanas. A lei definiu como metas a universalização do abastecimento de água até 2023 e o atendimento de 92% da população com rede de esgoto até 2033. Infelizmente, estas metas não devem ser atingidas e o pior é o que o país deixa de usufruir os benefícios de uma boa infraestrutura básica de saneamento, com prejuízo à vida, ao desenvolvimento e ao próprio meio ambiente (que o digam os surtos de doenças provocadas pelo aedes aegypit, para ficar apenas nos últimos anos).

A PNRS tramitou por quase 20 anos no Congresso. Ela é um marco por tratar da responsabilidade compartilhada de sociedade, empresas Estado na gestão de resíduos sólidos (qualquer material, substância, objeto ou bem descartado que precisa ser tratado ou reciclado – como latas, garrafas e sacolas plásticas). Fixou, também, procedimentos para a separação do lixo pela população onde houver coleta seletiva. Sinalizou a hipótese de logística reversa, e, também – e pode parecer incrível que uma lei venha tratar desse tema – vetou a importação de qualquer tipo de lixo. Um dos pontos mais importantes para tirar o Brasil de um padrão medieval do tratamento dos resíduos sólidos, proibiu a criação de “lixões”, estabelecendo prazo para que os depósitos existentes sejam extintos.

Contudo, como muita coisa no Brasil, tal prazo, vencido em 2014, foi prorrogado para 2019 e, agora, o Congresso discute nova prorrogação. O Brasil paroquial é maior que o Brasil que queremos: pesquisa do WWF, baseada em dados do Banco Mundial, indicou que entre os 15 países que mais geram lixo plástico no mundo, o Brasil é o que menos recicla.

A União Europeia vem liderando a agenda global com regulações e leis de vanguarda nas questões relacionadas ao meio ambiente. Dessa vez, a UE trata de frente o problema do descarte do plástico. Desde 1950 foram produzidas 6,3 bilhões de toneladas de plástico no mundo, porém apenas 9% foi reciclado e 12% foi incinerado.

Nesse contexto, a UE banirá uma série de produtos plásticos a partir de 2021. A medida proíbe o uso de plásticos descartáveis quando houver alternativas de outros materiais no mercado e, caso não existam, viabiliza a redução de seu consumo em nível nacional, aumentando a exigência em sua produção e rotulagem e criando novas obrigações para os produtores em relação à gestão e limpeza de resíduos.

A proposta também fixa o objetivo de reciclar 90% das garrafas PET até 2029, além de obrigar que sua composição se constitua de 25% de material reciclado até 2025 e 30% até 2030. O texto ainda força produtores a arcarem com os custos de limpeza, coleta e reciclagem desses artigos. No Brasil, algumas prefeituras já decretaram o fim do uso do canudo de plástico.

O Brasil tem de diminuir o buraco que impede que a regulação do saneamento e do descarte do lixo seja implementada. As gerações futuras clamam para que esta conta, ou buraco, não fique maior que o próprio Brasil ou o planeta. Não vale brincar com a vida digna dos nossos filhos e netos

Valor Econômico – Por Ricardo Esturaro e Marco Antonio da Costa Sabino

Receba nossas newsletters