Nos termos do artigo 174, parágrafo único, I, do CTN, a data do despacho do juiz que determina a citação, proferido dentro do prazo prescricional, é o marco temporal que interrompe a prescrição da cobrança dos créditos tributários. Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.120.295 na sistemática dos recursos repetitivos, decidiu, com base no artigo 219, parágrafo 1º, do CPC, que o dies ad quem da prescrição tributária seria a data do ajuizamento da ação de execução fiscal.
A decisão gera polêmica, pois o artigo 146, III, “b”, da CF/88, é expresso ao dispor que somente lei complementar tem competência para disciplinar sobre normas gerais de matéria tributária, dentre elas a prescrição, conforme já pacificado pelo Supremo Tribunal Federal. Logo, aplicar o dispositivo do CPC, em detrimento do CTN, representaria evidente inobservância ao que dispõe o texto constitucional.
Com o objetivo de elucidar o assunto, em prol da segurança jurídica, e discutir sobre a aplicabilidade do CPC nas execuções de créditos tributários, o Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV Direito SP realizou, no dia 28 de maio, o evento “Segurança Jurídica e aplicação do CPC na execução do crédito tributário”. O seminário contou com a participação de Roberto Lopes Becho (juiz federal do TRF-3); bem como de advogados representando o clube de patrocinadores do NEF/FGV Direito SP (FCR Law; Machado Associados; Machado Meyer Advogados; Mannrich & Vasconcelos Advogados; Neves & Battendieri Advogados; Salusse & Marangoni Advogados; e Schneider Pugliese Advogados).
Renato Lopes Becho (TRF3) traçou panorama histórico das normas de prescrição, destacando as mudanças sofridas pela sucessão de Códigos de Processo Civil. Com a edição do CPC/1973, o dispositivo que rege a interrupção da prescrição recebeu redação mais apurada, esclarecendo que caso a citação não ocorra em até 100 ou 105 dias, a interrupção prescrição só ocorrerá no dia da efetiva citação, sem possibilidade de retroagir à data da propositura da ação.
Em 1994, com a edição da Lei 8.952/1994, o artigo 219 do CPC/73 ganha nova redação, estabelecendo que a parte deverá promover a citação do réu nos 10 dias subsequentes ao despacho que a ordenar, prorrogável por 90 dias, não ficando prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário.
Ao assim dispor, o legislador incumbe à parte o dever de promover a citação, sob pena de não ser interrompida a prescrição e tampouco retroagir à data da propositura da ação. Trata-se de um subsistema processual de interrupção da prescrição: não basta o protocolo da petição inicial, é preciso que a parte promova a citação. No entanto, o conceito de “demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário” não é definido pelo legislador.
A Súmula 106 do STJ, editada em 2009, também não esclareceu este conceito, pois tratou de repetir o comando constante do artigo 219, sem especificar o que seria o “atraso imputável exclusivamente ao serviço judiciário”. Além de não esclarecer, promove mais incerteza e confere ao autor da ação uma espécie de “cheque em branco”, pois basta alegar que a demora na citação foi culpa exclusiva da máquina Judiciária para afastar a prescrição ou decadência.
Por sua vez, a Lei de Execução Fiscal, anterior à citada Lei 8.952/1994, em seu artigo 8º, parágrafo 2º, dispõe que “o despacho do juiz, que ordenar a citação, interrompe a prescrição”. Questiona-se se este dispositivo deve ser interpretado isoladamente ou dentro do subsistema criado pelo CPC, uma vez que o legislador processual civil estabeleceu o dever da parte e o prazo para fazê-lo, além de identificar a diferença entre os conceitos de propositura, distribuição, despacho judicial e a efetivação, enquanto a LEF é omissa sobre tais conceitos e também sobre quem deve promover a citação e em qual prazo.
O julgamento do REsp 1.120.295/SP é o primeiro na história dos tribunais superiores em que se decidiu que lei ordinária (CPC) poderia tratar de prescrição tributária, sob o argumento de que a lei complementar (CTN) é incoerente. Trata-se de julgado per incuriam, pois, além de contrário ao artigo 146 da CF/88, que instituiu competência para lei complementar disciplinar sobre prescrição em matéria tributária, é fundamentado somente no caput e parágrafo 1º do artigo 219 do CPC/1973, restando ignorados seus demais parágrafos.
O REsp 1.120.295 foi superado após 10 meses por um julgado da Corte Especial do STJ no AI no AG 1.037.765/SP, em que se estabeleceu que “tanto no regime constitucional atual (art. 146, III, b, CF/88), quanto no regime constitucional anterior (art. 18, 1º da EC 01/69), as normas sobre prescrição e decadência de crédito tributário estão sob reserva de lei complementar”. Contudo, continua sendo invocado pelas procuradorias, gerando divergências entre Fisco e contribuintes.
Para Becho, a ineficiência da administração tributária é o motivo pelo qual ainda se discute, em esfera federal, decadência e prescrição. Se a Receita Federal cumprisse o prazo de 90 dias, contado da caracterização da mora, para o envio dos processos administrativos para Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, para fins de inscrição do débito em dívida ativa e propositura da respectiva ação de execução fiscal, não existiriam grande parte dessas discussões.
Becho relatou a demora média, no ano de 2010, de 11 meses entre o protocolo da petição inicial e a distribuição da ação. Da subida dos autos até o despacho determinando a citação, o tempo, conforme relata, é uma incógnita, pois dependerá de cada vara e juiz. Do despacho determinando a citação até sua efetivação pode demorar até 25 anos. O sujeito passivo é obrigado por lei a conservar documentos fiscais por no máximo seis anos. Contudo, devido à demora do sistema, o contribuinte é forçado a conservá-los até a posteridade.
Neste contexto, há apenas uma forma de promover segurança jurídica: considerar que apenas a efetiva citação do devedor interrompe a prescrição.
O Núcleo de Estudos Fiscais conclui que seria importante, de acordo com o CPC/ 2015 e as melhores práticas processuais, que o próprio STJ fosse instado a se manifestar sobre a matéria.
Em nosso entendimento, o disposto no CTN e na LEF deveria prevalecer em detrimento do que estabelece o CPC. Em primeiro lugar, a matéria da prescrição tributária é reservada à lei complementar (CTN). Além disso, CTN e LEF são mais específicos que o CPC e determinam expressamente que o despacho de citação é o marco interruptivo da prescrição (artigo 174, parágrafo único, I, do CTN e artigo 8º, parágrafo 2º da LEF).
Entendemos que o STJ também se equivoca ao aplicar a Súmula 106/STJ de 1994, que trata da prescrição na hipótese de demora na citação, sob égide da antiga redação do artigo 174, I, CTN. Após edição da LC 118/2005, a demora na citação pessoal do devedor não mais interfere na interrupção do prazo prescricional dos fatos geradores posteriores à LC 118/2005.
Ademais, as regras de prescrição devem ser interpretadas em sua literalidade, pois estabelecem termos objetivos nas relações e conferem segurança jurídica para as partes. O estabelecimento pela lei de marcos temporais claros é uma imposição da segurança jurídica na delimitação do fato jurídico.
Com efeito, o precedente faz confusão entre as regras aplicáveis à consumação do direito de ação relativamente aos créditos não tributários, no âmbito do CPC, e, de outro lado, à interrupção da prescrição de créditos tributários, no âmbito da Lei 6.830/1980 (LEF) e do CTN.
Foi elaborado relatório de pesquisa pelos pesquisadores do NEF/FGV Direito SP, cujo objetivo é estruturar os principais pontos abordados pelos debatedores que compuseram a mesa do seminário, permitindo que as colocações e debates travados no âmbito do evento sirvam de material de pesquisa para aqueles que se interessam pela temática da prescrição no Direito Tributário.
FONTE: Conjur – Por Eurico Marcos Diniz de Santi, Lina Santin Cooke, Gabriel Franchito Cypriano e Júlia Mendes