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‘NÃO PODEMOS DESCARTAR POSSIBILIDADE DE FRACASSO NA PREVIDÊNCIA’

15 de maio de 2019

O primeiro ano de governo de Jair Bolsonaro carrega a responsabilidade da aprovação da tão esperada reforma da Previdência. O debate em torno da medida está mais maduro e o começo do mandato é amparado por capital político. No entanto, o presidente ainda não conseguiu formar, efetivamente, uma coalizão em meio a um Congresso fragmentado e o risco de fracasso da empreitada reformista não pode ser descartado.

Essa é a avaliação de Shelly Shetty, diretora sênior de ratings soberanos da Fitch, que concedeu entrevista ao Valor

“Ter paciência no processo não é algo ruim, mas ao mesmo tempo este primeiro ano de governo é crítico para ver a reforma totalmente aprovada”, disse.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: O andamento da reforma da Previdência está mais devagar que o esperado?

Shelly Shetty: Nunca estivemos no grupo que esperava a aprovação nos primeiros 90 dias de governo, nem que seria um processo fácil ou rápido. Mas houve alguns atrasos e, desta vez, levou mais tempo para passar pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), quando você compara com o tempo de tramitação da proposta no governo passado.

Valor: Isso prejudica a expectativa de aprovação?

Shelly: Nosso entendimento é que haverá discussão na comissão especial e depois a medida vai para plenário da Câmara e para o Senado. Achamos que o cronograma inclui votações e, finalmente, aprovação ainda em 2019, no segundo semestre.  Ter paciência no processo não é algo ruim, mas ao mesmo tempo este primeiro ano de governo é crítico para ver a reforma totalmente aprovada.

Valor: Quais as dificuldades que a reforma tem enfrentado?

Shelly: Existem desafios para aprovar a reforma. Além de ser uma medida impopular, a administração de Jair Bolsonaro ainda não formou, efetivamente, uma coalizão para aprovar a agenda de reformas. A fragmentação no Congresso é um problema. Acho que, se a reforma não for tão ampla e decepcionar, vamos ter de nos concentrar no plano B do governo para melhorar o caminho da consolidação fiscal. A fragmentação no Congresso é um problema. Acho que, se a reforma não for tão ampla e decepcionar, vamos ter de nos concentrar no plano B do governo para melhorar o caminho da consolidação fiscal. Por causa das dificuldades, não podemos descartar o risco de fracasso na aprovação da reforma da Previdência.

Valor: Qual a probabilidade de um fracasso total?

Shelly: É difícil calcular a probabilidade desse cenário. Por exemplo, a reforma da Previdência estava muito próxima de ser votada no governo passado, do ex-presidente Michel Temer. Mas riscos idiossincráticos levaram ao fracasso. Mesmo que o debate sobre a reforma esteja mais maduro, entendemos que o governo está tentando formar uma coalizão e um consenso para aprovar a reforma. O fato é que riscos idiossincráticos podem contaminar o ambiente político e dificultar o avanço da reforma, mesmo desta vez.

Valor: Novos ruídos apareceram no noticiário político desta semana, com acusações contra Flavio Bolsonaro e Rodrigo Maia. Isso é ruim?

Shelly: Ainda é muito cedo para falar como os eventos recentes vão se desdobrar e impactar os atores políticos. Nos casos de ruídos políticos, queremos avaliar se isso desvia a atenção na política e trava o caminho das reformas ou se é apenas um ruído político mesmo, que não tem efeito significativo.

Valor: A expectativa de crescimento no mercado para 2019 tem sido revisada para baixo semana após semana. Como isso afeta a percepção da Fitch sobre o Brasil?

Shelly: O crescimento tem sido decepcionante há alguns anos no Brasil, apesar das perspectivas positivas para o país. Na média de cinco anos, o Brasil teve uma contração de cerca de 1% enquanto outros países com rating semelhante tiveram expansão de 4%.  Isso mostra o contraste no desempenho de crescimento. É claro que houve o efeito profundo e longo da recessão em 2015 e 2016, mas também reflete a fraca recuperação. Estamos revisando nossa projeção de crescimento para baixo, dado o desempenho até agora.  Agora, com certeza, nossa estimativa ficará abaixo de 2% em 2019 e também vamos mudar o número de 2020. Em março, nossa estimativa era de avanço de cerca de 2% para 2019 e 2,7% em 2020.

Valor: A Fitch também está revisando a projeção para dívida/PIB? Em março, a estimativa era de 81,1% em 2019 e 84,1% em 2020.

Shelly: Os números podem mudar, mas também estamos olhando alguns fatores que afetam a dinâmica da dívida. Queremos ver o que acontece com os pagamentos do BNDES para o Tesouro. Isso pode amenizar o ritmo de alta no peso do endividamento, mesmo com a revisão da expectativa de crescimento. Mas ainda achamos que a relação dívida/PIB deve ficar em cerca de 80% em 2019 e subir em 2020. O déficit fiscal ainda é elevado.
Valor: O Brasil pode retomar o grau de investimento durante este mandato presidencial ou no começo do próximo?

Shelly: É prematuro falar de grau de investimento do Brasil neste momento. O Brasil tem rating ‘BB-’, alguns degraus de distância para voltar para o grau de investimento. As condições hoje são muito diferentes de quando o Brasil obteve o grau de investimento. Não prevemos a retomada desse patamar no curto prazo.

FONTE: Valor Econômico – Lucas Hirata

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