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FUNRURAL: TERRA DE NINGUÉM

20 de março de 2019

O Funrural tem se constituído em matéria que ilustra à perfeição a nocividade de um sistema tributário altamente complexo.

No fim de 2017, mediante o julgamento do RE nº 718.874 RS, o Supremo Tribunal Federal (STF) pôs fim à discussão em torno da constitucionalidade do Funrural frente aos produtores rurais pessoas físicas. Em seguida, editou-se a Lei nº 13.606, de 2018, a estabelecer o “novo” Funrural, trazendo ao ordenamento novas alíquotas, regras e o programa de parcelamento de passivos eventualmente acumulados. A edição da nova lei, entretanto, não se prestou a encerrar as dúvidas e a insegurança jurídica que pairam em torno desta contribuição. Até ao contrário, podemos dizer que permanecem ou foram acrescidas certas complexidades ao tema.

Sem entrarmos nos pormenores, vale destacarmos alguns tópicos que ainda gravitam em torno desta polêmica exação: (i) a Lei nº 13.606, de 2018, manteve tratamento diverso à atividade rural exercida por pessoa física ou jurídica, sujeitando o produtor a alíquotas e sistemáticas diversas, pelo simples fato de organizar idêntica atividade em torno de uma sociedade ou não; (ii) permanece a figura do produtor rural pessoa jurídica que se caracterizaria como agroindústria, tal como posta no artigo 22A da Lei nº 8.212, de 1991, figura jurídica sui generis e cuja caracterização é etérea (para se dizer o mínimo), à qual ainda se aplicam os preceitos da sistemática anterior à Lei nº. 13.606, de 2018; (iii) permanecem a serem julgados os recursos extraordinários que tratam da legalidade do Funrural frente à pessoa jurídica (RE 700.922 RS) e à agroindústria (RE 611.601 RS); e (iv) finalmente, mencione-se a faculdade que se conferiu aos produtores rurais (exceto àqueles que se caracterizem como agroindústria) de escolha pela contribuição sobre a folha salarial ou sobre a receita bruta da comercialização, questão regulamentada pela Instrução Normativa nº 1.867, publicada em 28 de janeiro deste ano.

Destaque-se, ainda, a discussão (praticamente superada) em torno da Resolução nº 15, de 12 de setembro de 2017, editada pelo Senado Federal, que tardiamente e com fulcro na decisão proferida pelo STF no âmbito do RE 363.852 (de fevereiro de 2010), determinou a suspensão do artigo 12, VII, da Lei nº 8.212, de 1991, e de parte do artigo 1º da Lei nº 8.540, de 1992. Em resumo, entenderam alguns que dita resolução teria por consequência a suspensão da obrigatoriedade do recolhimento do Funrural pelas entidades adquirentes de produtos rurais (conforme o artigo 30 da Lei nº 8.212, de 1991).

O Funrural tem se constituído em matéria que ilustra à perfeição a nocividade de um sistema tributário altamente complexo.

Tal leitura, entretanto, não levou em consideração a edição da Lei nº 10.256, de 2001, esta sim levada em conta pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 718.874 RS. Ao que tudo indica, ao menos este ponto já se encontraria debelado pelo Judiciário, pois em maio de 2018 o Supremo Tribunal Federal decidiu a questão em sede de embargos de declaração opostos ao próprio acórdão do RE nº 718.874 RS.

Entre os tópicos indicados acima, parece-nos merecer especial atenção o futuro julgamento do RE 700.922 RS, que diz respeito à constitucionalidade do Funrural devido pela pessoa jurídica. Embora tal recurso extraordinário diga respeito ao arcabouço legal anterior, os desdobramentos poderão ter profundo impacto sobre a legalidade da exação. Isto porque a legislação de regência da matéria é a Lei nº 8.870, de 1994, alterada pela Lei nº 13.606, de 2018, apenas no que diz respeito à alíquota, composição da base de cálculo e opção de tributação sobre a folha salarial.

Os fundamentos legais não se alteraram, portanto, e nos parece particularmente relevante lembrarmos que quando do julgamento do RE 363.852 (que versava sobre o Funrural do produtor rural pessoa física), um dos principais argumentos adotados pelo STF para o afastamento da exação foi o bis in idem da tributação, consubstanciado na tributação pela Cofins e pelo Funrural. Tal premissa, embora estivesse incorreta em sede da discussão da legalidade do Funrural aplicável ao produtor pessoa física (porquanto não seja contribuinte da Cofins, tal qual futuramente se esclareceu no RE 596.177), volta a fazer sentido ao questionarmos a legalidade do Funrural aplicável ao produtor rural pessoa jurídica, este sim contribuinte do Funrural e da Cofins.

Finalmente, destaque-se que a edição da Instrução Normativa RFB nº 1.867, de 2019, adicionou certa dose de caos à questão. Entre outros pontos controvertidos, tal norma estabeleceu que o produtor pessoa física optante pela contribuição ao Funrural sobre a folha, deveria arcar também com a contribuição ao Senar à alíquota de 2,5%. Este ponto implicaria em instituição de tributo sem respaldo legal, porquanto a contribuição ao Senar (pela pessoa física) encontre fundamento no artigo 6º da Lei nº 9.528 de 1997, que estabelece a alíquota de 0,2% sobre a receita bruta da comercialização.

Diante do patente equívoco, em 13 de fevereiro foi publicada retificação à dita instrução normativa, extirpando-se tal exigência. Na prática, até a retificação da norma, ocorreu o seguinte: os adquirentes de produtos agrícolas (responsáveis tributários) retiveram a contribuição ao Senar na alíquota definida em lei e, ao mesmo tempo, os produtores rurais tiveram que se submeter à contribuição também sobre a folha.

Em resumo, parece-nos que o tema Funrural tem se constituído em matéria que ilustra à perfeição a nocividade de um sistema tributário altamente complexo, que desnecessariamente confere tratamento específico à atividade rural e, dentro desta, às diversas formas de organização do produtor (pessoa física, jurídica, agroindústria e consórcio de produtores, entre outros). A surrealidade do sistema se destaca ao levarmos em conta os dados preliminares do Censo Agropecuário de 2017, que revela que o índice de analfabetismo entre os produtores rurais beira os 25%. O tema, complexo mesmo aos olhos de especialistas, apresenta-se absolutamente inadequado aos contribuintes a que se dirige.

FONTE: Valor Econômico – Por Bem-Hur Cabrera Filho

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