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O TRATAMENTO DAS PLATAFORMAS DIGITAIS NO CONTEXTO DA REFORMA TRIBUTÁRIA

15 de agosto de 2025

Para empresas do setor, momento exige atenção, preparação e diálogo

A transformação digital tem redesenhado com intensidade os contornos da economia global. Plataformas digitais despontam como protagonistas desse novo cenário, intermediando com agilidade e escala inéditas a oferta e a demanda por bens e serviços.

Aplicativos de mobilidade, marketplaces, serviços de streaming, plataformas de hospedagem, redes de freelancers — todos operam num ambiente em que a presença física se torna irrelevante e os modelos tradicionais de tributação passam a ser insuficientes para capturar os fluxos econômicos contemporâneos.

Nesse contexto de aceleração digital, a reforma tributária surge como tentativa de reorganizar um sistema tributário anacrônico, marcado por complexidade excessiva, litigiosidade e distorções concorrenciais. Dentre as diversas inovações trazidas pela Emenda Constitucional 132/2023 e pela Lei Complementar 214/25, destaca-se a inclusão expressa das plataformas digitais como responsáveis pela arrecadação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).

A centralidade das plataformas digitais nas cadeias de valor justifica sua eleição como agentes estratégicos na nova lógica de arrecadação do IBS e da CBS. Trata-se de uma ruptura relevante: pela primeira vez, a reforma atribui às plataformas responsabilidade tributária direta pelas operações intermediadas por meio eletrônico ou não presencial, ainda que realizadas por terceiros, papel que até então lhes era reservado apenas em hipóteses pontuais.

A nova legislação busca reconhecer que, na prática, essas plataformas não apenas conectam fornecedores e consumidores, mas organizam, controlam e influenciam substancialmente as transações realizadas — exercendo, portanto, papel que se aproxima do de um agente econômico ativo.

Nos termos do artigo 22 da LC 214/2025, as plataformas digitais, inclusive as domiciliadas no exterior, serão responsáveis pelo recolhimento do IBS e da CBS nas hipóteses em que intermedeiem operações realizadas por fornecedores não inscritos nos cadastros dos referidos tributos, ou quando a operação ou importação é realizada por fornecedor domiciliado fora do país, nesse caso, a plataforma responde solidariamente com o adquirente ou destinatário e em substituição ao fornecedor estrangeiro.

A lógica por trás dessa atribuição é clara: assegurar a efetividade da arrecadação em um contexto de crescente digitalização da economia, no qual a atuação de fornecedores estrangeiros ou de contribuintes irregulares dificulta ou inviabiliza a atuação fiscalizatória direta do Estado. Ao posicionar a plataforma como responsável solidária — sobretudo quando exerce papel central no controle da transação — a legislação cria um elo fiscal seguro entre a operação econômica e a autoridade arrecadatória.

Para fins dessa responsabilidade, o conceito de plataforma digital é delimitado no §1º do artigo 22 como aquela que atua como intermediária em operações ou importações realizadas de forma não presencial ou por meio eletrônico e, que controla pelo menos um dos seguintes elementos essenciais à operação: cobrança, pagamento, definição de termos e condições ou entrega.

Por outro lado, o §2º do mesmo artigo exclui expressamente da definição atividades como o fornecimento de acesso à internet, serviços de pagamento prestados por instituições autorizadas pelo Banco Central, publicidade, e ferramentas de busca e comparação, desde que estas não sejam remuneradas com base nas vendas geradas.

Além da responsabilidade pelo pagamento dos tributos, as plataformas passam a assumir deveres formais relevantes. O §5º do artigo 22 impõe a obrigação de reportar informações detalhadas ao Comitê Gestor do IBS e à Receita Federal, inclusive aquelas necessárias sobre as operações e importações, complementadas com o modelo de arrecadação baseado no split payment[1], o qual prevê que, no momento da liquidação financeira da operação, a parcela correspondente ao imposto seja automaticamente segregada e direcionada ao fisco, reduzindo o risco de inadimplência e evasão.

Há, ainda, a exigência de inscrição das plataformas digitais nos cadastros do IBS e da CBS no regime regular, conforme o artigo 23. Essa obrigação formaliza sua posição como sujeito passivo indireto, com todas as implicações decorrentes: entrega de declarações periódicas, cumprimento de obrigações acessórias, sujeição a auditorias e fiscalizações.

Sob uma perspectiva crítica, o novo regime apresenta inegáveis avanços. O primeiro deles é a desejada simplificação. A economia digital, que já nasceu desmaterializada, sofre desde seu início com a fragmentação normativa do modelo atual, em que a classificação de um serviço como tributável pelo ISS ou pelo ICMS depende de critérios formais frágeis e frequentemente litigiosos.

Há casos emblemáticos de disputas entre estados e municípios pela titularidade da receita — como nos serviços de streaming ou nos marketplaces. Ao fundir ISS e ICMS em um tributo único sobre bens e serviços, com regras uniformes e competência compartilhada, a reforma reduz drasticamente a insegurança jurídica e o contencioso tributário.

Outro ponto sensível é a adoção do princípio da tributação no destino. As plataformas, que operam em âmbito nacional (e muitas vezes global), estarão obrigadas a identificar a localização do consumidor final para fins de repartição da receita, promovendo maior justiça fiscal e assegurando que o imposto arrecadado beneficie o ente federativo onde efetivamente ocorre o consumo, e não apenas a sede da empresa.

A base de incidência dos novos tributos também merece atenção. A lógica do IBS e da CBS rompe com o modelo exaustivo de listas taxativas, como a do ISS, ao tributar todas as operações com bens, serviços e direitos, eliminando, assim, brechas interpretativas que hoje permitem a não tributação de determinadas atividades digitais.

Embora isso possa elevar a carga fiscal de empresas que hoje operam à margem da tributação ou sob regimes favorecidos, esse aumento tende a ser compensado por três fatores: a neutralidade (todos pagarão os mesmos tributos, evitando distorções); o fim da cumulatividade (com crédito amplo ao longo da cadeia); e a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias.

É possível, por exemplo, que uma plataforma de cursos online, hoje sujeita a dúvidas sobre a incidência de ISS dependendo da sua estrutura jurídica, passe a recolher CBS e IBS com alíquota definida e direito a crédito integral, contribuindo para redução de custos e melhoria no ambiente de negócios.

Em suma, a reforma tributária busca alinhar o sistema tributário brasileiro às práticas internacionais e às dinâmicas da economia do século 21. O tratamento conferido às plataformas digitais é um reflexo desse movimento: reconhece sua importância sistêmica, mas também impõe responsabilidades condizentes com seu protagonismo.

A modernização das regras fiscais é imperativa num cenário em que a intermediação digital redefine não apenas os modelos de consumo, mas também as formas de produção, circulação e geração de valor.

Para as empresas do setor, o momento exige atenção, preparação e diálogo. Para os juristas, trata-se de um campo fértil para novas interpretações, análises e contribuições ao equilíbrio entre inovação e justiça fiscal.

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[1] Art. 22 § 6º Na hipótese em que o processo de pagamento da operação ou importação seja iniciado pela plataforma digital, esta deverá apresentar as informações necessárias para a segregação e o recolhimento dos valores do IBS e da CBS devidos pelo fornecedor na liquidação financeira da operação (split payment), quando disponível, inclusive no procedimento simplificado, nos termos dos arts. 31 a 35 desta Lei Complementar.

Art. 32. O procedimento padrão do split payment obedecerá ao disposto neste artigo.

1º O fornecedor é obrigado a incluir no documento fiscal eletrônico informações que permitam:

I – a vinculação das operações com a transação de pagamento; e

II – a identificação dos valores dos débitos do IBS e da CBS incidentes sobre as operações.

2º As informações previstas no § 1º deste artigo deverão ser transmitidas aos prestadores de serviço de pagamento:

I – pelo fornecedor;

II – pela plataforma digital, em relação às operações e importações realizadas por seu intermédio, nos termos do art. 22 desta Lei Complementar; ou

III – por outra pessoa ou entidade sem personalidade jurídica que receber o pagamento.

FONTE: JOTA – POR ALINE FERREIRA FONSECA E ALICE PARENTONI DE OLIVEIRA BRÊTTAS

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