Neutralidade tributária é essencial para evitar aumento de custos e perda de competitividade no setor
A aprovação da reforma tributária pela Emenda Constitucional 132/2023 representa um marco no ambiente de negócios brasileiro, introduzindo mudanças profundas que afetarão todos os setores da economia, inclusive aqueles de importância estratégica para o país, como o setor mineral.
A importância do setor mineral para a economia brasileira pode ser comprovada pelos dados divulgados pelo Ibram[1] para o 1º semestre de 2025. O faturamento total do setor foi de R$ 139,2 bilhões, crescimento de 7,5% ante o período anterior. Foram exportadas cerca de 192,5 milhões de toneladas de produtos minerais, volume 3,7% superior ao do 1º semestre de 2024. Em valor, a exportação de minério de ferro ficou em terceiro lugar na pauta de exportações do país, atrás somente da soja e do petróleo cru[2].
Os minerais críticos, cujo potencial de aproveitamento coloca o Brasil em posição de destaque internacional e pode nos situar entre os protagonistas da inovação tecnológica e transição energética, representaram apenas 15,5% do faturamento no 1º semestre. No entanto, houve um crescimento de 41,6% em relação ao mesmo período do ano anterior, o que evidencia o potencial de expansão da produção.
A expectativa do setor é que a demanda por cobre, lítio, níquel, cobalto, grafita e terras raras aumente em 80% até 2040. Somente até 2029, o mercado prevê investimentos na casa dos USD 18,45 bilhões.
Importante destacar que a EC 132/23 introduziu a defesa do meio ambiente como princípio norteador do Sistema Tributário Nacional. Já a necessidade de se manter regime fiscal privilegiado para o hidrogênio de baixa emissão de carbono foi expressamente incluída no art. 225 da CF.
Os minerais críticos são indispensáveis para possibilitar o atendimento a essas regras, pois viabilizam tecnologias de geração, armazenamento e uso eficiente de energia de baixo carbono, a produção de aerogeradores, eletrolisadores e painéis solares, além de serem os componentes principais de baterias e células de hidrogênio verde.
Por outro lado, como toda atividade extrativista, a mineração requer um intenso investimento de capital desde a pesquisa mineral, ao longo do desenvolvimento, durante toda a operação e até o fechamento da mina. Isto significa que qualquer alteração na margem de lucro pode comprometer a competitividade do setor e o potencial de investimentos no Brasil, a ponto de representar a inviabilização econômica de certos projetos marginais.
Ademais, muitas vezes não é possível repassar custos adicionais ao consumidor das commodities minerais, cujo preço de venda é definido internacionalmente, tornando a viabilidade econômica dos projetos ainda mais vulnerável a oscilações de margem.
Considerando sua relevância estratégica para o país, é fundamental que a implementação da reforma preserve a neutralidade para o setor mineral. Esse princípio, elevado a status constitucional pela EC 132/23 e reafirmado no art. 2º da Lei Complementar 214/2025, estabelece que o IBS/CBS deve evitar distorcer as decisões de consumo e de organização da atividade econômica.
CBS/IBS
Um dos principais objetivos da reforma é a simplificação, o que incluiu a extinção do PIS/Cofins, ICMS e ISS e sua substituição por dois tributos: a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), de competência federal, e o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), de competência compartilhada entre estados, municípios e DF. Para garantir a simplicidade, assegurou-se que ambos terão a mesma base de cálculo, fato gerador e hipóteses de incidência.
Ademais, diferentemente do que ocorria no sistema anterior, o IBS/CBS está sujeito a uma não cumulatividade ampla, garantindo-se aos contribuintes, com pouquíssimas exceções, direito a crédito do valor recolhido nas etapas anteriores.
Também foi assegurada a imunidade das exportações, mantendo-se os créditos decorrentes das operações anteriores.
Por outro lado, com o objetivo de eliminar a guerra fiscal e garantir justiça tributária, o IBS/CBS passarão a ser cobrados no destino, sendo vedada a concessão de benefícios não previstos na Constituição.
Houve, ainda, a ampliação das hipóteses de incidência e da base de cálculo dos tributos sobre o consumo. O IBS/CBS incidirá sobre operações com bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou com serviços. Dessa forma, operações até então sujeitas somente ao PIS/Cofins por não se enquadrarem no conceito de mercadorias ou serviços passarão a estar sujeitas tanto ao IBS/CBS.
Apesar de ainda não haver definição das alíquotas, a LC 214/25 estabeleceu que a alíquota combinada de IBS/CBS será de no máximo 26,5%[3], o que coloca o país no topo da lista das maiores alíquotas de IVA do mundo. A vedação aos benefícios fiscais, combinada com o alargamento das hipóteses de incidência, pode resultar em aumento de custo caso a não cumulatividade não seja efetivamente assegurada.
Por ser um setor altamente exportador, os tributos pagos nas etapas anteriores podem gerar créditos acumulados se não forem criados mecanismos eficazes de ressarcimento, situação já vivenciada hoje por muitas empresas em relação ao ICMS e, em alguns casos, ao PIS/Cofins.
Destaca-se que a LC 214/24 prevê que os contribuintes que apurarem saldo credor de IBS/CBS ao final do período de apuração poderão solicitar seu ressarcimento. Os prazos para apreciação do pedido variam de 30 a 180 dias, com possibilidade de atualização pela Selic em determinadas hipóteses.
A não cumulatividade ampla, a previsão na própria LC 214/25 de prazos para apreciação dos pedidos de ressarcimento e a atualização dos saldos credores pela Selic representam um avanço em relação ao sistema atual. Caso sejam de fato observados, esses mecanismos podem garantir a neutralidade do novo arcabouço fiscal, mitigando eventuais impactos negativos da reforma para o setor.
Outra questão que merece destaque é a preservação dos regimes aduaneiros e dos regimes especiais aplicáveis a bens de capital. Foram mantidos, por exemplo, o regime de admissão temporária, as zonas de processamento de exportação e o Reidi.
Em relação à aquisição de bens de capital, a LC 214/25 assegurou crédito integral e imediato de IBS/CBS nessas aquisições. No entanto, poderão ser definidas, via regulamento, hipóteses em que aquisições de bens de capital serão realizadas com suspensão do pagamento dos tributos.
Considerando os vultuosos investimentos necessários para o aproveitamento de recursos minerais, é essencial que tal regulamentação seja editada. O pagamento antecipado dos tributos, mesmo com crédito imediato, implica desembolso de caixa que pode comprometer a saúde financeira dos contribuintes, sobretudo de empresas exportadoras que acumularão créditos e terão de aguardar os prazos legais para seu efetivo ressarcimento.
Imposto Seletivo
Os efeitos da reforma tributária podem ser ainda mais significativos para o setor mineral em razão da criação do Imposto Seletivo, incidente sobre a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. A LC 214/25 definiu como bens minerais sujeitos ao IS o minério de ferro, o petróleo cru e o gás natural.
A LC 214/25 limitou a alíquota incidente sobre extração dos bens minerais a 0,25%, inferior a máxima prevista na CF (1%). No entanto, diferentemente do que ocorre com o IBS/CBS, o IS é cumulativo, sendo vedado qualquer aproveitamento de crédito com operações anteriores ou geração de créditos para operações posteriores.
Ademais, em que pesem os argumentos em sentido contrário, o Poder Executivo vetou o dispositivo da LC 214/25[4] que afastava a incidência do IS nas exportações de bens minerais, sob o argumento de que a CF autorizaria sua exigência ao prever que a cobrança na extração independe da destinação. O veto ainda será apreciado pelo Congresso Nacional.
Ainda que a alíquota do IS seja reduzida em comparação à alíquota do IBS/CBS, o minério de ferro é atualmente o produto com maior presença representativa no setor mineral. Segundo dados do Ibram relativos ao 1º semestre, o minério de ferro respondeu por 52,8% do faturamento total e a 63% das exportações. Portanto, não é possível afirmar que não haverá impacto ao setor, especialmente se o veto acima mencionado não for rejeitado.
Também não se pode esquecer que o aproveitamento de recursos minerais já está sujeito à cobrança de CFEM na forma do art. 20, §1º, da CF. Embora não seja um tributo, a CFEM onera a produção mineral de forma cumulativa, inclusive sobre exportações. Combinado com a CFEM, o IS representa mais um custo a onerar a produção brasileira e reduzir sua competitividade.
Ainda a propósito da reforma e sua relação com a CFEM, vale também observar que, atualmente, o cálculo de CFEM comporta certas deduções, como, nos casos de venda do produto mineral, a dedução dos tributos incidentes sobre a sua comercialização. Espera-se que, com a regulamentação da reforma tributária, aquelas deduções outrora admitidas para ICMS, PIS e Cofins sejam replicadas para o IBS/CBS.
Considerações finais
A reforma traz avanços em simplificação, transparência e justiça tributária, mas impõe desafios relevantes ao setor mineral. A observância da neutralidade tributária é essencial para evitar aumento de custos e perda de competitividade, especialmente considerando a importância estratégica do setor para a evolução tecnológica e transição energética.
A efetividade dos mecanismos de ressarcimento de créditos, a suspensão do pagamento dos tributos na aquisição de bens de capital e a rejeição ao veto do inciso I do art. 413 da LC 214/25 são algumas das medidas capazes de evitar uma oneração desproporcional do setor.
A regulamentação da reforma tributária deverá, ainda, disciplinar como se dará a interação entre a CFEM e os novos tributos IBS e CBS, bem como trazer elementos concretos que tragam efetividade para a neutralidade da reforma no que diz respeito ao setor mineral.
________________________________________
[1] https://ibram.org.br/noticia/mineracao-amplia-contribuicao-para-saldo-positivo-da-balanca-comercial-de-41-para-53-no-1o-semestre/
[2] https://balanca.economia.gov.br/balanca/pg_principal_bc/principais_resultados.html
[3] De acordo com o artigo 475, §11, da LC 214/25, “caso a soma das alíquotas de referência estimadas de que trata o § 10 resulte em percentual superior a 26,5% (vinte e seis inteiros e cinco décimos por cento), o Poder Executivo da União, ouvido o Comitê Gestor do IBS, deverá encaminhar ao Congresso Nacional projeto de lei complementar propondo medidas que reduzam o percentual a patamar igual ou inferior a 26,5% (vinte e seis inteiros e cinco décimos por cento)”.
[4] O artigo 413, I, da LC 214/2025, que foi vetado pelo Poder Executivo, previa que o IS não as exportações para o exterior de bens e serviços
FONTE: JOTA – POR ADRIANO DRUMMOND TRINDADE E THAIS RODRIGUES