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TRIBUTAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES DE PAGAMENTO: IMPACTOS DA MP 1.303/2025 E DA REFORMA TRIBUTÁRIA

12 de agosto de 2025

Desde a criação de seu regime jurídico com a Lei nº 12.865/2013, a figura das instituições de pagamento (IP) gerou relevante controvérsia a respeito de sua natureza, em especial por conta de discussões a respeito de seu potencial enquadramento como instituição financeira, com impactos diretos na tributação de suas operações.

Embora o rol de atividades permitidas às IP seja relativamente amplo, na prática essas entidades concentram-se na oferta de serviços de processamento de pagamentos — tais como transações via QR code, terminais de captura (maquininhas), emissão de boletos, códigos para Pix, entre outros, bem como no credenciamento de estabelecimentos para aceitação de instrumentos de pagamento.

Apesar da semelhança funcional com serviços tradicionalmente prestados por bancos (como transferências financeiras, emissão de boletos, código para Pix, etc.), as IPs não podem conceder empréstimos ou financiamentos a seus clientes, limitando-se a serviços de gestão e controle de pagamentos.

O que são as instituições de pagamento

De acordo com o Banco Central, instituição de pagamento é “a pessoa jurídica que viabiliza serviços de compra e venda e de movimentação de recursos, no âmbito de um arranjo de pagamento, sem a possibilidade de conceder empréstimos e financiamentos a seus clientes”.

Em complemento, atualmente, o BC expressamente exclui as instituições de pagamento do enquadramento como instituições financeiras, asseverando que estas “não podem realizar atividades privativas destas instituições, como empréstimos e financiamentos. Ainda assim, estão sujeitas à supervisão do Banco Central”. Ou seja, as IPs não compõem o Sistema Financeiro Nacional, mas são reguladas e fiscalizadas pelo BC, conforme diretrizes estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional.

No cenário fiscal vigente, as instituições de pagamento não sofrem a mesma carga tributária das instituições financeiras, que, historicamente, se depararam com intensos debates e controvérsias a respeito da composição de suas receitas. A despeito disso, as instituições de pagamento não estão dispensadas de apresentar determinadas obrigações acessórias específicas do setor, como “E-Financeira”.

Sem adentrar em outras controvérsias e os impactos arrecadatórios trazidos por outros pontos da medida provisória 1.303/2025, esta norma trouxe, de forma mais imediata, importante majoração na tributação voltada às instituições de pagamento.

Carga tributária mais alta em relação a outros setores

A tributação das instituições financeiras reflete uma carga mais elevada em comparação a outros setores, em virtude da majoração da alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro (CSL) implementada em 2008. A Medida Provisória nº 1.303/2025 introduz um importante desdobramento nesse cenário ao estender esse tratamento fiscal mais gravoso a outros entes, incluindo as instituições de pagamento e promovendo, assim, uma aproximação tributária que até então não existia.

Dentre as medidas de elevação da alíquota trazidas pela referida norma, há o considerável aumento da CSL de 9% para 15%, que deve passar a valer a partir de outubro deste ano.

Em um primeiro momento, o principal reflexo da MP 1.303/2025, portanto, parece residir na diminuição da assimetria tributária que historicamente beneficiava fintechs e IP em relação aos grandes bancos.

Ainda que o impacto imediato sobre os bancos seja limitado — uma vez que muitos detêm controladas que operam como IP, cujos resultados têm efeito moderado em seus balanços consolidados —, a medida tem o efeito de reduzir a vantagem tributária de que gozavam as fintechs e IP em relação aos bancos tradicionais.

Com isso, observa-se um possível redesenho do cenário concorrencial, com ganho de competitividade para as grandes instituições financeiras, sobretudo nos segmentos de crédito e de pagamentos.

Regime específico para tributar serviços financeiros

Além das medidas advindas da MP, a reforma tributária, consubstanciada na Emenda Constitucional 132/2023, e posteriormente regulamentada pela Lei Complementar 214/2025, reforça essa tendência ao instituir um regime específico para a tributação de serviços financeiros, aplicável tanto à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) quanto ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

Ao contrário da situação atual, em que as instituições financeiras são tratadas de maneira diferenciada, sob o texto atual da Lei, a IP passará a ser tributada da mesma forma que as instituições financeiras.

A Emenda Constitucional 132/2023 estabeleceu que os serviços financeiros estarão sujeitos a regime específico de tributação e delegou competência ao legislador complementar para dispor sobre regras diferenciadas a respeito de alíquota, base de cálculo, não-cumulatividade, creditamento etc.

A Lei Complementar 214/2025, por sua vez, determinou, em rol taxativo, que diversas atividades estarão sujeitas ao regime específico, incluindo, entre elas, os arranjos de pagamento, incluídas as operações dos instituidores e das instituições de pagamentos e a liquidação antecipada de recebíveis.

Diferença entre bancos e IPs

Além da diferenciação de alíquota, o regime tributário atualmente aplicável a tais instituições apresenta uma segmentação relevante: enquanto bancos comerciais e seguradoras estão obrigatoriamente submetidas ao regime cumulativo de apuração das contribuições ao PIS e à Cofins, as IP e gestoras de recursos operam sob o regime não cumulativo. Essa distinção implica tratamentos fiscais diferenciados para atividades concorrentes, modelando a carga para cada contribuinte.

Partindo-se desta equiparação de tratamento entre instituições financeiras e instituições de pagamento trazida pela Reforma, além da mudança na carga tributária do setor, o modelo de tributação também será profundamente alterado.

O regime específico de tributação dos serviços financeiros previsto na reforma estabelece, por exemplo, que a incidência da CBS e do IBS no spread das instituições financeiras gere crédito para a empresa tomadora do serviço.

Como se vê, a reforma tributária visa a amplificar o rol de atividades econômicas e contribuintes sujeitos a regime diferenciado. A intenção do legislador fica evidente a partir dos artigos 182 e 183, que abarcam no rol de fornecedores sujeitos ao regime específico de incidência da IBS e da CBS, entidades que não estejam sob supervisão do Sistema Financeiro Nacional quando da prestação de qualquer atividade considerada “serviço financeiro”.

Assimetrias tributárias

Em uma análise conjunta das novas normas que foram publicadas, nota-se um movimento jurídico de reconfiguração do tratamento fiscal das IP, aproximando-as do regime aplicado às instituições financeiras tradicionais.

A reestruturação de assimetrias tributárias que favoreciam as IP pode ser vista, em um primeiro momento, como reflexo do objetivo do legislador de promover tratamento isonômico no setor, especialmente marcado pela disrupção tecnológica e pelo ingresso de novos investidores no mercado financeiro.

No entanto, essa aproximação tributária exige uma análise crítica do cenário econômico do setor de pagamentos, sob pena de comprometer sua dinâmica concorrencial. A extensão de encargos fiscais mais gravosos às IP não pode prescindir da consideração de que essas entidades — especialmente as fintechs e instituições de pagamento autônomas, que operam de forma independente de conglomerados financeiros — não compartilham da mesma estrutura ou acesso a fontes de financiamento que caracterizam os bancos.

Hoje, sua carga tributária mais amena se justifica como instrumento de estímulo à competitividade e à inovação, neste mercado já tão dominado pelas grandes instituições. O risco, portanto, é que a equiparação indiscriminada ao regime tributário dos grandes bancos acabe por sufocar justamente os agentes que promovem maior diversidade no sistema financeiro.

FONTE: CONSULTOR JURÍDICO – POR JOÃO VICTOR GUEDES E CAMILA CAÇADOR XAVIER

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