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CRÉDITO ACUMULADO DE ICMS E A REFORMA TRIBUTÁRIA (EC 132): A NECESSIDADE DE UMA TRANSIÇÃO JUSTA PARA OS CONTRIBUINTES

25 de junho de 2025

A transição do ICMS para o novo sistema tributário preocupa contribuintes, que podem perder créditos acumulados se não houver regulamentação justa e previsível.

A reforma tributária somente foi possível em razão de um importante pacto social. O abandono de um sistema tributário injusto, ineficaz e desarrazoadamente complexo é produto de concessões mútuas, realizadas pelos contribuintes e Poder Público, com o objetivo de construir uma tributação do consumo melhor para o país. 

O sistema tributário atual representa verdadeira situação de exceção na tributação do consumo. Os direitos básicos necessários à instituição de impostos sobre bens e serviços foram negados por décadas ao contribuinte brasileiro. A isonomia jamais existiu, em razão de bases de incidência fragmentadas entre diversas pessoas jurídicas de direito público, com cobranças diferentes entre industriais, comerciantes e prestadores de serviços. Até dentro de um mesmo segmento a tributação entre dois agentes ocorre, com frequência, de maneira totalmente diversa. Essas situações são o resultado de incontáveis regimes especiais e exceções às regras de incidência dos tributos existentes. 

A não cumulatividade plena também não foi alcançada. O Brasil conhece, no máximo, um sistema parcialmente cumulativo. As legislações do ICMS, IPI e PIS e COFINS surpreendem com a quantidade de restrições à tomada de crédito. Boa parte dos custos não são recuperados, e oneram a cadeia produtiva, o que é contrário aos pressupostos da tributação do consumo praticados em boa parte do mundo. 

Esse estado de exceção tributário será finalmente superado com a migração para o IBS e CBS. Mas o abandono desse período adverso exige uma transição adequada, atenta aos direitos dos contribuintes.  

Com relação à reforma tributária, nos interessa, especificamente, a disciplina do crédito acumulado de ICMS. 

O acúmulo de crédito do imposto estadual pode ocorrer quando as saídas estão sujeitas a alíquotas inferiores à aplicável nas aquisições. Também pode ocorrer na hipótese de a saída subsequente à aquisição não ser tributada, mas o contribuinte não ser obrigado a estornar os créditos. Essa situação é comum nos contribuintes exportadores, ou que usufruem de isenções, cujas legislações autorizam a manutenção do crédito. 

Esses créditos acumulados são verdadeiros ativos, pois representam direito à redução de obrigações tributária futuras, ou ressarcimento. São valores efetivamente suportados pelas empresas, e que compuseram os preços por ela desembolsados. Tratamento diverso implicaria considerar esses valores como Custo da Mercadoria Vendida, e afetariam o resultado da operação, e reduziriam o lucro líquido do exercício. 

Com a extinção progressiva do ICMS a partir de 2027 – definitiva em 2033 – é fundamental analisar o tratamento atribuído ao crédito acumulado do ICMS, para que este saldo não seja transformado em efetivo custo do contribuinte, em prejuízo à não cumulatividade e ao seu direito de propriedade. 

Neste ponto, identificamos pontos de preocupação na disciplina estabelecida pela EC 132/23, e na possível regulamentação pelo PLP 108, pendente de análise pelo Senado Federal. 

O art. 134, § 1°, do ADCT, com a redação estabelecida pela EC 132/23, prevê a sujeição do crédito acumulado de ICMS às regras de transição se (i) existentes no final de 2032; e (ii) sejam admitidos pela legislação em vigor em 31/12/2032. O art. 149, inciso II, do PLP 108 esclarece que essa legislação é a estabelecida pelos Estados ou Distrito Federal. 

De acordo com esses dispositivos, o contribuinte que apurou créditos a partir das regras vigentes no momento da emissão da documentação fiscal relativo à aquisição, não terá qualquer garantia de manutenção do seu direito após o período de transição. As normas reproduzidas acima condicionam ao que dispuser os Estados e o Distrito Federal, em legislações que ainda poderão ser editadas. São regras que esvaziam qualquer possibilidade de calculabilidade e previsibilidade pelos contribuintes das suas situações tributárias futuras. 

A permanente mudança do direito impede os particulares de conhecerem e preverem, com exatidão, as regras fiscais aplicáveis a fatos ainda não ocorridos. Mas a alteração do ordenamento jurídico deve preservar, em alguma medida, a capacidade de os particulares vislumbrarem essas mudanças e se prepararem para elas. 

O diferimento da fixação de critérios para aceitação dos créditos deixa os contribuintes vulneráveis às ações unilaterais dos Estados, que, pressionados pela necessidade sempre crescente de equilíbrio fiscal, poderão estabelecer restrições indevidas.  

Alguns Estados, a partir da interpretação equivocada do art. 23 da lei Kandir, defendem a necessidade de os créditos escriturados de ICMS serem aproveitados em até 5 (cinco) anos, sob pena de decadência do direito de utilizá-los. Essa interpretação é insustentável, já que o referido dispositivo impõe o prazo apenas para registro do crédito. Após a realização dessa providência, a utilização não estaria condicionada a qualquer prazo decadencial. 

A abertura prevista pelo art. 134, § 1°, do ADCT, e art. 149, inciso II, do PLP 108 poderá incentivar Estados a aprovarem legislações baseadas na interpretação equivocada do art. 23. Desde que aprovadas até 31/12/2032, servirão de critério para análise da validade do saldo acumulado. Este fato implicaria criação de um contencioso indesejado e improdutivo, com a capacidade de se estender por vários anos, e já na vigência do novo sistema. 

Outro ponto preocupante é o prazo para aproveitamento do saldo credor. Primeiro, os valores serão utilizados para compensação com débitos de ICMS, constituídos ou não. Em seguida, poderão ser compensados com o IBS. Para os créditos acumulados não relacionados à aquisição de ativos destinados à conta de “não circulante”, essa utilização ocorrerá em 240 parcelas mensais, iguais e sucessivas. Alternativamente às compensações, o contribuinte poderá obter o ressarcimento, o que também deverá ocorrer em 240 parcelas mensais, iguais e sucessivas (arts. 152 a 154 do PLP 108). 

O art. 155 do PLP 108 autoriza a transferência do saldo credor acumulado homologado. Mas nesse caso será vedado o ressarcimento dos valores. 

O cenário apresentado é, portanto, o seguinte: até 2032, os contribuintes permanecerão com esses valores, e, a depender da situação, poderão aumentá-los, em razão da redução progressiva das alíquotas do ICMS. Esse saldo, que não terá qualquer tratamento específico durante a transição, terá o seu aproveitamento condicionado ao que dispuser as legislações dos Estados e Distrito Federal editadas até 2032. Se estiverem em conformidade com o que estabelecer as possíveis novas regras, sofrerão uma moratória de 20 anos. 

Não parece uma reparação justa ao estado de exceção da tributação do consumo, responsável pela subjugação dos contribuintes por décadas. Essas regras anunciam, infelizmente, uma transição inconclusiva, prejudicial à pacificação tributária pretendida pela reforma. A proporção das restrições justifica, inclusive, o receio de a moratória transformar-se em verdadeiro calote. 

Espera-se que o legislador, a pretexto de regulamentar a utilização do crédito acumulado de ICMS, não elimine, por meio de bastonadas normativas, o legítimo direito dos contribuintes. Se assim ocorrer, assistiremos a mais um capítulo da litigiosidade tributária no Brasil.

FONTE: MIGALHAS – POR CRISTIANO ARAUJO LUZES E GABRIEL EUGÊNIO BARRETO MOREIRA

 

 

 

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