Taxação de papéis sobe de 15% para 25%, segundo tributarista.
Sem nenhum alarde, o governo aumentou a taxação sobre debêntures incentivadas de infraestrutura para uma alíquota significativamente mais alta do que aquela anunciada pela própria equipe econômica. A mudança “invisível” gerou incerteza e questionamentos nas empresas do setor.
Em vez de um aumento de 15% para 17,5% do Imposto de Renda para pessoas jurídicas que adquirem esses papéis, conforme havia sido divulgado, a redação final da Medida Provisória (MP) 1.303 passou a alíquota para 25%.
A alteração foi notada inicialmente pelo tributarista Márcio Alabarce, especialista em infraestrutura, que alerta para os impactos sobre o mercado de capitais e o financiamento de obras de infraestrutura no país.
Executivos do setor ouvidos pela CNN reforçaram a interpretação, que também foi confirmada reservadamente por técnicos do Ministério da Fazenda. Procurada, a assessoria da pasta não se pronunciou.
Segundo o especialista, a elevação da alíquota vem acompanhada do fim do regime exclusivo de tributação na fonte — mudança que não aparece de forma clara na MP.
Com isso, os rendimentos das debêntures emitidas ou integralizadas a partir de primeiro de janeiro de 2026 passam a compor o lucro tributável das empresas investidoras.
Isso significa que, em vez dos 15% recolhidos antecipadamente, os ganhos estarão sujeitos à alíquota cheia do IRPJ (de 25%) mais CSLL, que é de 9% para as empresas em geral, e 20% para as instituições financeiras investidores nestes títulos. O resultado é um aumento expressivo da carga tributária para investidores institucionais.
“É o tipo de situação em que o leigo vê os 17,5% e pensa que está tudo bem, mas precisa entender o conjunto das mudanças. Não é só uma alta de dez pontos percentuais.
O imposto, na prática, quase dobra”, afirma Alabarce.
Para ele, “o regime ficou mais pernicioso e oneroso” para o investidor institucional, que agora perde a previsibilidade e o incentivo tributário.
De janeiro a maio, as ofertas de debêntures incentivadas somaram R$ 62,5 bilhões — um salto de 39,3% em relação ao mesmo período de 2024, conforme dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
O prazo médio dos papéis é de 13,2 anos, bem acima da média geral de mercado, sinalizando o perfil de financiamento de longo prazo. Só no mês de maio, foram R$ 8,9 bilhões captados em 19 séries, com destaque para os setores de energia elétrica e transporte e logística.
“O mercado estava aquecido e resiliente mesmo diante de juros altos. Essa medida joga contra o que conseguimos construir ao longo de mais de uma década”, critica Ronei Glanzmann, CEO da MoveInfra.
“O governo está mirando a metralhadora para o lado errado. Onerar o financiamento de infraestrutura é penalizar o futuro do país. Estamos falando de rodovias, saneamento, mobilidade, aeroportos regionais. Todos esses projetos precisam de funding”, diz Glanzmann.
O executivo lembra que, em 2024, foram emitidos R$ 132 bilhões em debêntures incentivadas e que apenas 8% foram adquiridas por pessoas físicas. “A maioria absoluta é pessoa jurídica. Com essa nova regra, essa base passa a pagar 25%. É um choque tributário. A captação vai minguar”, pontuou.
Segundo a Anbima, entre os emissores, os setores mais ativos no ano são transporte e logística (36,7%) e energia elétrica (35,3%), seguidos por saneamento (11,6%) e telecomunicações (9%).
No mercado secundário, as negociações com debêntures incentivadas somaram R$ 133,9 bilhões até maio, alta de 37% sobre o mesmo período do ano anterior.
A participação dos fundos de investimento também aumentou de 23,6% para 38,4%, indicando uma maior institucionalização e diversificação do mercado.
Para Alabarce, além do impacto direto sobre a atratividade das novas emissões, a redação da MP também levanta dúvidas sobre sua aplicação em papéis já emitidos, mas ainda não integralizados.
“É essencial que operações já contratadas não sejam atingidas. Aplicar a nova regra a debêntures pendentes de integralização aumenta o custo de financiamento e compromete projetos em andamento”, disse.
O especialista defende que mudanças como essa venham acompanhadas de um debate mais amplo. “A reforma tributária, apesar dos desafios, teve começo, meio e fim.
Esses ajustes fiscais fragmentados, com medidas que surgem e voltam atrás — como no caso recente do IOF e a própria MP —, criam um ambiente de instabilidade”, destacou.
Glanzmann concorda. “Não se discute a necessidade de ajuste fiscal. Mas fazer isso só pela via do aumento de imposto é um caminho ruim — ainda mais quando se tributa o investimento em infraestrutura. O Brasil até aguenta discutir aumento sobre cigarro, bebida, apostas. Mas infraestrutura? Vai parar tudo”, lamentou.
No Congresso, parlamentares já apresentaram emendas sugerindo a reinclusão da incidência do regime “exclusivamente na fonte” no caso de debêntures incentivadas adquiridas por pessoas jurídicas.
Há expectativa de que o ponto seja ajustado durante a tramitação, sobretudo pela sensibilidade do tema para o financiamento de longo prazo no país.
FONTE: CNN BRASIL – CRISTIANE NOBERTO – BRASÍLIA