Os reflexos da reforma sobre os benefícios demandam mais do que conformidade: exigem estratégia fiscal, jurídica e de gestão de pessoas.
A reforma tributária avança no Brasil com promessas de simplificação, eficiência e justiça fiscal. Mas entre os muitos efeitos esperados, um aspecto vem sendo tratado com menos atenção do que merece: o impacto nos benefícios concedidos pelas empresas aos seus trabalhadores. Ainda que focada na tributação sobre o consumo, a reforma pode desorganizar práticas consolidadas de gestão trabalhista e comprometer incentivos estratégicos, com reflexos transversais sobre a dinâmica das relações laborais e sobre políticas corporativas estruturadas ao longo do tempo, como instrumentos de valorização, reconhecimento e fidelização de talentos em ambientes organizacionais cada vez mais exigente e competitivos.
Ao longo dos anos, diversas formas de remuneração indireta foram incorporadas pelas empresas, como vale-alimentação, auxílio-creche, plano de saúde, educação corporativa, premiações por desempenho, entre outras. Além de servirem como atrativos na retenção de talentos, muitos desses benefícios têm sido desenhados estrategicamente para otimizar custos, inclusive custos tributários.
Hoje, boa parte desses incentivos é desonerada de contribuições previdenciárias e de impostos sobre a folha – quando oferecidos dentro dos limites legais. Importante destacar, no entanto, que a reforma tributária aprovada não altera diretamente a tributação sobre a folha de pagamentos, que permanece regida pelas atuais contribuições previdenciárias e encargos. Ainda assim, esse cenário pode sofrer impactos indiretos.
Com a criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) – que substituem tributos federais, estaduais e municipais sobre o consumo – surge um novo paradigma: a ampliação da base de incidência tributária no âmbito do consumo de bens e serviços.
Embora a reforma não alcance diretamente os benefícios na relação trabalhista, ela afetará os setores econômicos que fornecem esses serviços – como operadoras de vale-alimentação, planos de saúde, transporte, educação corporativa, entre outros -, que passarão a suportar uma carga tributária potencialmente maior, considerando a alíquota combinada estimada entre 25% e 27,5%.
Na prática, isso pode gerar aumento dos custos dos benefícios para as empresas contratantes. Um exemplo emblemático é o vale-alimentação, cujo fornecimento via empresas especializadas passará a se submeter integralmente à nova tributação, o que tende a encarecer esse benefício, ainda que ele, na relação empregador empregado, permaneça isento de encargos sobre a folha.
Adicionalmente, a adoção do modelo de crédito financeiro amplo traz um ponto relevante: despesas com benefícios poderiam, em tese, gerar créditos de CBS e IBS, desde que sejam consideradas insumos necessários à atividade da empresa – ponto que dependerá da definição na legislação complementar.
Na prática, as empresas podem ser obrigadas a rever suas políticas de remuneração indireta, avaliando: o custo adicional decorrente da tributação sobre fornecedores de benefícios, a possibilidade de discussões administrativas e judiciais sobre o conceito de insumo e direito a crédito tributário e o impacto no clima organizacional e no poder de compra dos trabalhadores caso benefícios sejam reduzidos ou eliminados.
Em segmentos intensivos em mão de obra, como logística, aviação, saúde e varejo, essa reavaliação será inevitável – com possíveis efeitos colaterais na produtividade e na competitividade.
Diante desse novo cenário, é essencial que as organizações mapeiem todos os benefícios atualmente concedidos, incluindo os regimes fiscais aplicáveis aos fornecedores desses serviços, simulem cenários de impacto com as novas alíquotas da CBS e IBS, considerando tanto custos diretos quanto eventuais créditos tributários, redesenhem políticas internas, priorizando modelos sustentáveis e juridicamente seguros, e participem do debate público, contribuindo com sugestões nas audiências sobre a regulamentação da reforma.
É importante frisar que a reforma tributária aprovada não incide diretamente sobre a folha de pagamentos, tampouco altera o regime de contribuições previdenciárias. Contudo, seus impactos indiretos, especialmente pelo possível aumento da carga sobre prestadores de serviços e fornecedores de benefícios, exigirão das empresas uma revisão atenta de seus modelos de remuneração indireta. Além disso, permanece no radar político a possibilidade de uma futura reforma voltada especificamente à desoneração da folha.
A reforma tributária não é apenas um rearranjo de tributos. Ela redefine, de maneira estrutural, a relação entre empresas, Estado e trabalhadores no campo da tributação sobre consumo. Seus reflexos sobre os benefícios demandam mais do que conformidade: exigem estratégia fiscal, jurídica e de gestão de pessoas. Ignorar seus efeitos, ainda que indiretos, sobre o contrato psicológico entre empregador e empregado pode custar caro – em impostos e em confiança.
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FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR CÁSSIA LOPES BAIARDI E PAULO SCHMIDT PIMENTEL