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O ITCMD SOBRE O USUFRUTO NO CONTEXTO DA REFORMA TRIBUTÁRIA

17 de junho de 2025

Embora a reforma tributária tenha sido focada para uma reestruturação do sistema tributário com relação aos tributos sobre o consumo, com a instituição da CBS, IBS e do IS, o alcance reformista foi maior, reformulando estruturas jurídicas tributárias de serventia para todo o sistema tributário nacional, além de trazer inovações normativas com relação a outros tributos.

Uma dessas alterações que extrapolam a reformulação dos tributos sobre o consumo foi direcionada ao Imposto sobre Transmissão Causa Motis e Doação de Quaisquer Bens e Direitos (ITCMD) previsto no artigo 155, I, da CF, imposto incidente sobre o patrimônio e de competência estadual. O PLP nº 108/2024, que será transformado em lei complementar, dedicou o Livro II para dispor sobre a matéria nos artigos 159 a 186, inserindo importantes alterações no regramento deste imposto, entre as quais a imposição da progressividade [1] das alíquotas em razão do valor transferido, regra esta já constitucionalizada pela EC nº 132/2023 (artigo 155, § 1º, VI da CF).

Nas reflexões deste artigo, faz-se um recorte para a análise da tributação do ITCMD nas operações de transmissão do direito ao usufruto, tema sempre polêmico quando se investiga a materialidade da incidência deste imposto.

Antes de seguir na análise do tema proposto, necessário lembrar dos elementos essenciais da matriz de incidência deste tributo. O evento jurídico que materializa fato gerador do ITCMD é a transmissão dos bens ou direitos de uma pessoa para outra. É também da essência da incidência deste imposto que esta transmissão ocorra de forma não onerosa, ou por sucessão na herança, ou por doação. O terceiro elemento a permitir a exigência do imposto é a possibilidade de se atribuir valor econômico ao bem ou ao direito transmitido, que servirá de parâmetro para a determinação da base de cálculo.

Com suporte nestas premissas de incidência vamos examinar a estrutura jurídica do usufruto como objetivo de identificar a sua habilidade para configurar o fato gerador deste imposto.

O usufruto é um direito real passível de tributação pelo ITCMD, visto que o imposto incide sobre quaisquer bens e direitos transmitidos.

Instituição do usufruto

Mas a questão a ser examinada em cada caso é a ocorrência efetiva da transmissão desse direito, requisito indispensável para o aperfeiçoamento do fato gerador.

Neste contexto de análise visualizamos duas estruturas jurídicas de instituição do usufruto: o primeiro é decorrente de sua instituição a favor de uma terceira pessoa, que não é o nu-proprietário da transmissão dos bens gravados pelo usufruto. Melhor explicando: o pai doa o bem para o filho, mas institui o usufruto para uma terceira pessoa. Nesta estruturação jurídica há duas transmissões: uma pela doação do bem ao nu-proprietário e outra pela instituição do usufruto, gravando o ônus do direito real sobre o bem. Portanto, o ITCMD incidirá sobre a transmissão do bem e do usufruto. Esta forma de outorga de usufruto não é tão usual nas doações, mas tem aplicação em casos específicos.

Se há incidência sobre a instituição deste usufruto, é natural admitir também a incidência sobre a sua extinção, quando ocorre a transmissão do direito para o nu-proprietário, que passa a ter a propriedade plena do bem, sem o ônus do direito real.

Mas queremos aqui enfocar uma segunda forma de instituição do usufruto, a mais usual no mundo prático, que é o ponto de maior importância relacionado à sua tributação, e que ao nosso ver, não foi solucionada pela reforma tributária. Estamos nos referindo ao usufruto que é instituído sem transmissão do direito, mas por meio da preservação deste direito no domínio do doador. É o que ocorre quando o doador transfere o bem para o donatário, mas preserva para ele o usufruto, transmitindo apenas a nu-propriedade.

Note que um dos elementos essenciais do fato gerador do ITCMD é a transmissão do bem ou direito. Quando se preserva o usufruto não há qualquer transmissão deste direito. O direito ao usufruto já era do doador e com ele permanece, sem nenhum movimento jurídico que possa caracterizar uma transmissão. Portanto, no nosso entender, nesta estruturação do usufruto, em que este direito não é instituído para alguém através de uma efetiva transmissão, mas é apenas reservado para o doador, falta um dos elementos basilares para a configuração do fato gerador do imposto.

Recorrendo ao Direito Civil, a propriedade se constitui no direito legal de usar, gozar, dispor e reivindicar um bem ou objeto. A propriedade plena contém o usufruto. Ao se fazer a doação com a reserva do usufruto, somente ocorre a transmissão do bem doado, não do direito ao usufruto, que permanece inalterado sob o domínio do doador. Não há que falar em incidência do ITCMD na ausência de transmissão do usufruto. Neste caso, a instituição é um ato de mera reserva.

Não obstante essa clareza interpretativa da norma definidora da hipótese de incidência deste imposto, alguns estados preveem na sua legislação ordinária a exigência do ITCMD, tanto na instituição como na extinção do usufruto, sem fazer a distinção que aqui sugerimos.

Premissa equivocada

E qual é o avanço da reforma tributária com relação a este ponto específico da tributação do ITCMD?

A única referência feita é a declaração da não incidência do ITCMD na extinção do usufruto, nos termos do artigo 163, do PLP nº 108/2024, ainda não transformada em lei complementar no fechamento deste artigo.

Art. 163.  O ITCMD não incide na extinção de usufruto ou de qualquer outro direito real que resulte na consolidação da propriedade plena sob titularidade do instituidor do direito.”

A rigor, não devia ser necessário a lei complementar tratar deste tema; a questão poderia ser resolvida com uma boa interpretação, aplicando a incidência somente nos casos em que a instituição e a extinção do usufruto resultassem em transmissão deste direito.

Todavia, o PLP nº 108/2024, ao prever a não incidência somente na extinção do usufruto, sem nenhuma distinção, não levando em consideração a necessidade de uma transmissão deste direito, revela um comando que permite presumir a incidência do ITCMD em todas as formas de instituição do usufruto.

A não incidência somente sobre a extinção desse direito de uso parte de uma premissa equivocada de que toda a instituição seria tributada. A nova legislação da reforma tributária, na verdade, estará legitimando a cobrança do ITCMD sobre todas as formas de instituição do usufruto, violando frontalmente a Constituição que condiciona a hipótese de incidência à efetiva transmissão do direito.

A reforma tributária ainda está em construção, com o debate em andamento sobre as matérias que serão reguladas pelas inúmeras leis complementares que comporão a estrutura normativa do novo sistema tributário.

Neste momento, o PLP nº 108/2024 está em discussão junto à sociedade, com envolvimento das autoridades tributárias competentes e juristas, para que se promovam as adequações necessárias para que a projeto reformista atinja aos seus objetivos. Esperamos que o ponto aqui levantado mereça a atenção dos analistas para a devida correção e não permitir a cobrança do ITCMD sobre eventos jurídicos não previstos constitucionalmente como fato gerador deste imposto.

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[1] A progressividade representa a manifestação concreta do princípio da capacidade contributiva prevista no art. § 1º, do art. 145, da Constituição Federal, segundo o qual, § 1º “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”

FONTE: CONSULTOR JURÍDICO – POR DEONÍSIO KOCH

 

 

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