STF declara inconstitucional o ITCMD sobre PGBL e VGBL por morte, permitindo a restituição dos valores pagos indevidamente pelos beneficiários nos últimos cinco anos.
A previdência privada tem ganhado cada vez mais espaço como ferramenta de planejamento patrimonial e sucessório, especialmente diante das limitações do regime público de previdência social. Enquanto este é de caráter compulsório, gerido pelo INSS, a previdência privada é facultativa e subdivide-se em duas categorias: os planos fechados, mantidos por entidades fechadas de previdência complementar, geralmente vinculadas ao vínculo empregatício do participante; e os planos abertos, oferecidos por instituições financeiras e acessíveis ao público em geral, independentemente de vínculo laboral.
No âmbito dos planos abertos, destacam-se dois produtos amplamente utilizados: o PGBL – Plano Gerador de Benefício Livre e o VGBL – Vida Gerador de Benefício Livre. Ambos são contratados com o objetivo de formação de reserva a longo prazo, mas possuem regimes tributários e estruturas jurídicas distintas. O PGBL permite dedução das contribuições no imposto de renda até o limite de 12% da renda bruta tributável, sendo a tributação calculada sobre o montante total resgatado. Já o VGBL, por não permitir dedução fiscal, tem incidência tributária restrita aos rendimentos, funcionando, na prática, como um produto híbrido entre investimento e seguro de vida.
Apesar dessas distinções, tanto o PGBL quanto o VGBL compartilham uma característica essencial: a possibilidade de designação de beneficiários em caso de falecimento do titular, o que permite que os valores acumulados sejam pagos diretamente, sem necessidade de inventário. Essa peculiaridade levou muitos entes estaduais a entenderem que, diante da morte do titular, os valores pagos aos beneficiários configurariam transmissão causa mortis, sujeita à incidência do ITCMD – Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação.
A cobrança foi efetuada mesmo em estados que não possuíam legislação específica autorizando a tributação desses planos. Em alguns casos, a retenção do imposto foi feita diretamente pela seguradora, atuando como substituta tributária, com base na responsabilidade subsidiária pelo recolhimento. Ainda que o beneficiário não tenha sido informado ou não tenha concordado, os valores eram automaticamente deduzidos no momento do pagamento do benefício. Essa prática gerou diversas controvérsias jurídicas e levou o tema à judicialização em diversos tribunais estaduais.
O debate jurídico foi finalmente pacificado pelo STF, no julgamento do RE 1.363.013, sob o rito da repercussão geral (Tema 1214), concluído no final de 2024. O STF entendeu como inconstitucional a cobrança do ITCMD sobre valores e direitos relativos a planos de previdência privada aberta, tanto PGBL quanto VGBL, pagos aos beneficiários em razão do falecimento do titular. A Corte reconheceu que tais valores não representam transmissão patrimonial nos moldes definidos pela Constituição Federal, mas pagamento de contrato de natureza securitária, cujos beneficiários não são herdeiros, mas credores contratuais.
A Fazenda Pública do Estado do Rio de Janeiro, parte vencida no julgamento, opôs embargos de declaração com pedido de modulação de efeitos, a fim de restringir a aplicação da tese apenas aos casos futuros ou àqueles ainda não definitivamente julgados. No entanto, em decisão publicada em 1º de março de 2025, o STF rejeitou os embargos, afastando expressamente qualquer modulação de efeitos. Com isso, a Corte confirmou que a decisão possui eficácia plena e retroativa, autorizando a restituição dos valores indevidamente recolhidos nos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação.
A restituição pode ser pleiteada diretamente pelos beneficiários, que são os contribuintes do imposto. Em casos com múltiplos beneficiários, admite-se o litisconsórcio facultativo, sendo possível a propositura individual ou coletiva da demanda. A via judicial tem se mostrado mais célere e segura que o procedimento administrativo, especialmente nos juizados especiais fazendários, onde o valor envolvido não ultrapasse o teto de 40 salários-mínimos. Além disso, é possível ajuizar mandado de segurança preventivo para impedir retenções futuras, com fundamento na decisão do STF.
O impacto financeiro da decisão é significativo. Estima-se que cerca de R$ 15 bilhões tenham sido recolhidos indevidamente pelos Estados a título de ITCMD sobre previdência privada, conforme dados da FENASEG. Ainda segundo informações do setor, aproximadamente 67% dos Estados mantinham essa cobrança, com ou sem base legal específica, o que torna o público atingido consideravelmente amplo. Como esses recolhimentos foram feitos, em grande parte, de forma automática pelas seguradoras, é possível que muitos beneficiários sequer tenham conhecimento do direito à restituição.
Trata-se, portanto, de uma oportunidade concreta de reequilíbrio patrimonial para milhares de pessoas físicas que, na condição de beneficiárias de planos de previdência privada, suportaram tributação considerada inconstitucional. A atuação preventiva e contenciosa, nesse cenário, torna-se instrumento relevante não apenas para o exercício da cidadania fiscal, mas também para a efetivação de um planejamento sucessório mais eficiente e juridicamente protegido.
FONTE: MIGALHAS – POR FELIPE MARTINELLI BARBOSA