Operações sobre o risco sacado passam a ser oneradas, pelo IOF, à alíquota de 0,0082% ao dia.
Na noite de quarta-feira, foi apresentado o novo pacote tributário do governo federal, como tentativa de contornar a crise política que se estabeleceu por conta do aumento do IOF. A solução se apresentou em dois instrumentos normativos: o Decreto nº 12.499/2025, que se concentra nas alterações ao IOF, e na Medida Provisória nº 1.303/2025, que traz providências relacionadas ao aumento de tributação das bets e das fintechs.
Neste texto, vou me concentrar em um ponto específico do Decreto nº 12.499/2025: a tributação das operações sobre o risco sacado, que passam a ser oneradas, pelo IOF, à alíquota de 0,0082% ao dia. A ideia original do governo, veiculada pelo Decreto nº 12.466/2025, era a tributação fixa de 0,95%, mais alíquota diária de 0,0082%. Com a limitação à incidência diária, haverá, segundo o Ministério da Fazenda, redução de 80% na tributação do risco sacado, de modo a atender a pleitos de diferentes setores produtivos e financeiros.
O elemento central do debate, contudo, é compreender se as operações de risco sacado em si podem ser objeto de tributação pelo imposto, especialmente à luz da controvérsia existente em torno de serem qualificadas, ou não, como operações de crédito. Em poucas palavras, trata-se de operação que se realiza entre uma instituição financeira ou de pagamento e outra pessoa jurídica, que pretende ver antecipado o recebimento de valores decorrentes da venda de mercadorias ou prestação de serviços.
O debate não é novo e há pelo menos uma década a Receita Federal se posiciona pela não tributação nos casos de cessão de direito creditório sem coobrigação – faço referência, aqui, à Solução de Consulta Cosit 25/2014, que afasta a qualificação dessas operações como “operação de crédito”. Trata-se, pois, de hipótese de não incidência do IOF. Nesse sentido, o próprio Banco Central do Brasil esclarece a diferença entre antecipação de recebíveis e um empréstimo: o lojista usa a própria receita em vez de tomar emprestado certa quantia que não lhe pertence.
Disso decorre a possibilidade de questionamento do Decreto nº 12.499/2025, por determinar a incidência do imposto sobre fatos que escapam à competência tributária da União. Como destacado em reportagem deste Valor, há, nesse caso, nítida ofensa ao princípio da legalidade e interpretação demasiadamente ampla do artigo 153, inciso V da Constituição.
Ao lado dessa questão, há uma outra, igualmente relevante: seria razoável cogitar do dever de as instituições de pagamento sujeitarem-se ao IOF nessas mesmas operações? Explica-se melhor.
Nos termos da Resolução BCB nº 80/2021 as instituições de pagamento podem ser classificadas nas seguintes modalidades: (i) emissor de moeda eletrônica; (ii) emissor de instrumento de pagamento pós-pago; (iii) credenciador que, sem gerenciar conta de pagamento, habilita recebedores para aceitação de instrumento de pagamento e participa de processo de liquidação das transações de pagamento; e (iv) iniciador de transação de pagamento, sem gerenciar conta de pagamento e sem deter, em momento algum, os fundos transferidos na prestação do serviço.
Tais instituições, a despeito de serem reguladas e fiscalizadas pelo Banco Central do Brasil, não integram o Sistema Financeiro Nacional. Em razão disso, não podem realizar atividades privativas das instituições financeiras, como a concessão de empréstimos (i.e., operações de crédito) e financiamentos – nesse sentido é a redação do artigo 6º, parágrafo 2º da Lei nº 12.865/2013.
Disso decorre, pois, que, ainda que se considere constitucional a incidência do IOF sobre as operações de risco sacado, as instituições de pagamento jamais poderiam estar sujeitas a ela, especialmente em razão do fato de que não são sequer autorizadas a realizar o que a norma (inconstitucionalmente) qualificou como “operação de crédito”. A despeito de aparentemente óbvio, este ponto precisa ser esclarecido pelas autoridades tributárias, sob pena de gerar contencioso e insegurança desnecessária em torno do tema.
Como um todo, tais questões suscitadas pelo Decreto nº 12.499/2025 precisam ser revistas. A pretexto de assegurar receitas para o cumprimento do arcabouço fiscal, não é possível admitir a relativização do princípio da legalidade em matéria tributária, nem sequer contradição normativa com o arcabouço regulatório de competência do Bacen. A busca por receitas tributárias adicionais que sejam capazes de equilibrar as contas públicas deve ser realizada nos estritos limites da Constituição, sob pena de aumento da insegurança jurídica e fragilização, ainda maior, dos investimentos no país.
FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR TATHIANE PISCITELLI — SÃO PAULO