A reforma tributária é chance histórica de transformar o contencioso em um sistema mais cooperativo, eficiente e menos litigioso no Brasil.
A reforma tributária representa não apenas uma revolução no sistema de tributação sobre o consumo, mas também uma oportunidade histórica para repensar o contencioso tributário no Brasil. Em meio à transição para um novo modelo fiscal, surge a chance de construir um sistema mais eficiente, justo e, sobretudo, mais cooperativo e consensual.
Os conflitos tributários são um problema estrutural no país, fomentados pela complexidade legislativa e pelas frequentes divergências interpretativas. Esse cenário sobrecarrega o Judiciário, eleva os custos de conformidade e gestão tanto para a administração quanto para os contribuintes, e compromete a segurança jurídica.
O último relatório do Observatório do Contencioso Tributário do Insper, divulgado em 2022, estimou que os litígios tributários somavam R$ 5,69 trilhões em 2020 – o equivalente a 74,8% do PIB daquele ano. Esse montante inclui disputas nos âmbitos judicial e administrativo, em todas as esferas federativas.
Com a aprovação da LC 123/25, que estabeleceu as regras gerais do IBS e da CBS, o debate agora se volta à regulamentação do contencioso desses novos tributos.
O relatório recentemente divulgado pela Comissão de juristas do STJ, criada para contribuir com o PLP 108/25, que regulamenta o comitê gestor e define as regras do contencioso administrativo do novo modelo tributário, alertou sobre um risco concreto do aumento significativo de litígios nos próximos anos, especialmente por conta da tributação no destino, do compartilhamento da competência do IBS entre estados e municípios e da falta de uniformização da interpretação das regras da CBS e do IBS, entre União Federal, estados, municípios e comitê gestor.
Ainda, com a introdução de um novo sistema, certamente surgirão dúvidas e incertezas, o que pode desencadear disputas diversas, especialmente se não houver uma estrutura unificada e especializada para lidar com os conflitos emergentes.
Entre as propostas da Comissão, destacam-se a criação de uma justiça tributária especializada, a centralização da competência administrativa e judicial e a unificação do contencioso administrativo em instância recursal. Tais medidas visam garantir maior previsibilidade, eficiência e coerência nas decisões.
Contudo, um aspecto crucial parece estar esquecido: a promoção de um ambiente mais cooperativo e de consensualidade entre as Administrações tributárias e os contribuintes. Embora o PLP avance em diversos pontos, corre-se o risco de repetir os erros do passado se não forem incorporados mecanismos que incentive, de fato, o diálogo ágil e eficiente, a busca por uma conformidade mais cooperativa, além da resolução consensual de conflitos tributários.
Sem esses mecanismos, mesmo com um novo modelo tributário, o Brasil corre o risco de manter um sistema que litiga mais do que soluciona. A reforma precisa ser acompanhada de uma mudança cultural, que valorize a cooperação, o diálogo, a previsibilidade e a consensualidade.
Mais do que uma mudança no modelo de tributação do consumo, a reforma deve ser compreendida como uma oportunidade para redefinir a relação entre os Fiscos e os contribuintes. O PLP 108 precisa ir além da simples regulamentação do contencioso e incorporar mecanismos que efetivamente promovam uma cultura de conformidade cooperativa e de resolução consensual de conflitos. O objetivo deve ser transformar o contencioso tributário em uma ferramenta de justiça fiscal e não em um reflexo da desconfiança mútua que historicamente marca a relação jurídico tributária no Brasil.
FONTE: MIGALHAS – POR THAIS FOLGOSI FRANÇOSO