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STJ AUTORIZA O ENVIO DE OFÍCIOS ÀS CORRETORAS DE CRIPTOMOEDAS PARA VIABILIZAR A PENHORA

5 de junho de 2025

Em março de 2025, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial nº 2.127.038/SP, sob relatoria do ministro Humberto Martins, enfrentou relevante controvérsia jurídica: a possibilidade de expedição de ofícios a corretoras de criptoativos (Exchanges) com o intuito de viabilizar posterior penhora desses bens digitais.

Durante a análise do caso, a corte reformou a decisão do Tribunal do Estado de São Paulo, adotando um entendimento mais coerente com a realidade contemporânea. Referenciando a Instrução Normativa RFB nº 1.888/2019, que obriga as exchanges domiciliadas no Brasil a reportar à Receita Federal todas as transações realizadas em suas plataformas, o ministro relator destacou que os criptoativos são ativos financeiros passíveis de tributação, dotados de valor econômico e, portanto, suscetíveis à constrição judicial.

Sob tal premissa, o STJ invocou o artigo 789 do Código de Processo Civil, que estabelece que o devedor responde com todos os seus bens pelas obrigações inadimplidas, e determinou que era possível perseguir a penhora de criptoativos.

Assim, ainda que a controvérsia gire em torno da eficácia dos ofícios expedidos, a decisão representa um novo marco interpretativo em relação a como o Judiciário lida com os criptoativos. O STJ desloca o debate da alegada impossibilidade jurídica para o campo da superação de entraves técnicos, consolidando a compreensão de que tais ativos integram o patrimônio exequível e são compatíveis com as ferramentas da execução forçada.

O paradigma atual

Até a recente decisão do STJ, prevalecia, tanto na jurisprudência quanto na doutrina, um posicionamento conservador em relação à constrição patrimonial de criptoativos. Tal entendimento não negava sua penhorabilidade em tese, mas expressava forte hesitação quanto à viabilidade prática de localizar, identificar e efetivar medidas constritivas sobre esses ativos.

Não se trata, portanto, de uma negativa jurídica à constrição de criptoativos, mas de um recuo técnico-operacional, sustentado por fatores como a ausência de regulação normativa específica, o alto grau de anonimato proporcionado por tecnologias como blockchain, e a descentralização típica desses ativos.

Essa postura jurisprudencial fica evidente em precedentes como o do TJ-SP no Agravo de Instrumento nº 2202157-35.2017.8.26.0000, julgado pela 36ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP em 2017, que reconheceu em tese a possibilidade da penhora, mas indeferiu o pedido por não constarem “indícios de que os agravados tenham investimentos em bitcoins ou, de qualquer outra forma, sejam titulares de bens dessa natureza” [1].

Na mesma linha, o TJ-MT, no Processo nº 1010209-33.2020.8.11.0000, consignou que a determinação do bloqueio dos valores deve ser feita em moeda corrente, sendo impossível fazê-lo em criptoativos. Por fim, o TJ-DFT, no Processo nº 0716188- 60.2020.8.07.0000, destacou que seria improvável a exequibilidade da penhora de criptoativo.

No mencionado REsp, o tribunal de origem valeu-se exatamente destas premissas ao indeferir o pleito da exequente e decretar o envio de ofícios como uma medida ineficaz. Considerando estes aspectos, de fato, não haveria sentido determinar a expedição de ofícios às exchanges se, ao final, a penhora seria impossível, sob pena de violação ao princípio da eficiência do processo judicial.

Entretanto, é preciso destacar que tais julgados não chegaram a declarar a inviabilidade jurídica da penhora de criptoativos, pois limitaram a enfatizar sua complexidade prática. É justamente nesse ponto que a decisão do Superior Tribunal de Justiça revela uma inflexão paradigmática.

O voto-vista do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva reconhece expressamente os desafios técnicos envolvidos, mas ressalta que tais dificuldades não legitimam a inércia do Judiciário na busca pela satisfação do crédito. A descentralização, o anonimato e a carência regulatória não podem servir como subterfúgios para a inadimplência, devendo o Judiciário adotar postura proativa e evolutiva.

Em outras palavras, o novo entendimento não ignora os obstáculos existentes, mas impõe ao Poder Judiciário o dever de adaptar suas ferramentas e técnicas processuais à nova realidade digital, sem abdicar da efetividade da jurisdição.

Assim, a decisão deixa de tratar os criptoativos como uma exceção ao regime da penhorabilidade e os insere de forma definitiva no patrimônio exequível, estabelecendo um novo referencial: a constrição de ativos digitais não é mais uma hipótese de viabilidade remota, mas uma obrigação judicial a ser perseguida com os meios disponíveis.

A centralidade das exchanges no mercado de criptomoedas e a necessidade de um novo paradigma

Embora o cerne do julgamento tenha sido a admissibilidade da expedição de ofícios a exchanges, sua repercussão extrapola a simples autorização de medida processual. Ao deferir o REsp da exequente, a atenção agora se volta para as corretoras, que são a porta de entrada para a viabilidade da localização e da penhora destes ativos.

Com a consolidação dessas plataformas no ecossistema financeiro, as exchanges deixaram de ser meros intermediários comerciais, passando a exercer funções análogas às das instituições financeiras tradicionais. Atuando na intermediação da compra, venda, custódia e conversão de criptoativos em moeda corrente, estruturam-se com robustos mecanismos de compliance, rastreabilidade e armazenamento de dados.

Essa centralidade operacional revela-se crucial na perspectiva da execução civil, uma vez que essas plataformas concentram, em bases sistematizadas, informações sensíveis dos usuários: identificação, domicílio fiscal, volume de ativos, frequência e valores das operações [2]. A esse conjunto de dados é que o Poder Judiciário pode recorrer, de forma legítima, para a adoção de medidas constritivas eficazes, superando a alegada opacidade dos ativos digitais.

O protagonismo das exchanges é reforçado pela Instrução Normativa RFB nº 1.888/2019, que impõe às exchanges domiciliadas no Brasil a obrigação de reportar à Receita Federal todas as transações envolvendo criptoativos realizadas em suas plataformas. O conteúdo dos relatórios inclui a data, o tipo e o valor de cada operação, bem como a identificação do usuário titular, o que confere ao Fisco e, por extensão, ao Judiciário (mediante requisição), um instrumento poderoso de rastreabilidade patrimonial.

Além disso, as exchanges viabilizam não apenas a custódia, mas também a liquidez dos ativos digitais. Seus sistemas são equipados com ferramentas de negociação em tempo real, que permitem aos usuários emitirem ordens de compra e venda instantaneamente, com base em preços atualizados segundo a dinâmica do mercado.

Essa fluidez operacional evidencia que os criptoativos, embora intangíveis e desmaterializados, possuem valor de troca concreto, mensurável e realizável, o que reforça sua natureza de bem patrimonial apto à penhora.

Diante desse contexto, a expedição de ofícios diretamente às exchanges revela-se não apenas juridicamente possível, mas processualmente indispensável. Trata-se da via mais eficiente e proporcional para romper com a aparente invisibilidade digital dos criptoativos, permitindo que o processo executivo alcance também os bens do devedor armazenados em ambiente virtual.

Assim, a decisão do STJ deve ser celebrada como um verdadeiro avanço de paradigma: reconhece a natureza patrimonial dos criptoativos, admite sua penhorabilidade com base em fundamentos normativos já existentes, e impulsiona o Judiciário a adaptar-se à nova realidade econômica digital.

Trata-se de um passo decisivo para a modernização do processo executivo brasileiro, cuja adaptação à economia digital exige não apenas novas ferramentas, mas também novos posicionamentos jurídicos, como o consagrado no Recurso Especial nº2.127.038/SP.

Conclusão

A decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp nº 2.127.038/SP representa um marco paradigmático na consolidação da tutela jurisdicional sobre os criptoativos no ordenamento jurídico brasileiro.

Ao admitir a expedição de ofícios às exchanges como medida legítima e necessária para viabilizar a penhora desses ativos digitais, a Corte Superior rompeu com o posicionamento até então predominante, caracterizado por posturas de contenção institucional frente à complexidade técnica envolvida.

Mais do que autorizar uma medida processual específica, a corte reconhece expressamente a natureza patrimonial dos criptoativos e sua suscetibilidade à execução forçada, deslocando o debate da alegada impossibilidade jurídica para a construção de soluções práticas e jurídicas voltadas à sua efetivação.

Com isso, o julgamento projeta efeitos que transcendem o caso concreto, fornecendo diretrizes interpretativas para a modernização da execução civil e sinalizando a necessidade de adaptação técnica frente à ascensão dos ativos digitais.

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[1] ANTUNES, André Luiz Marcelino. A integralização do Capital Social com Criptoativos e os obstáculos encontrados. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao programa de LL.C. em Direito Empresarial do Insper – Instituto de Ensino e Pesquisa, como requisito para a obtenção do título de pós-graduado em Direito Empresarial. São Paulo. 2021.

[2] GOMES, Daniel de Paiva. Bitcoin: a tributação de Criptomoedas: Da taxonomia camaleônica à tributação de Criptoativos sem emissor identificado. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.

FONTE: CONSULTOR JURÍDICO – POR MANUELLA SABACK VINHAES

 

 

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