Governo admite risco de atraso na reforma com disputa entre entidades das prefeituras.
Estrutura fundamental para o funcionamento da reforma tributária, o Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) deverá ser instalado na sexta-feira de forma incompleta, sem os representantes dos municípios. A falha decorre de uma disputa entre entidades representativas das prefeituras, que foi judicializada e que tem sido um obstáculo aos preparativos para a entrada em funcionamento do novo sistema, em janeiro próximo.
O Valor apurou que a área econômica do governo federal já admite risco de atraso em pontos básicos, como a aprovação do regulamento do IBS e a implantação dos sistemas informatizados para cobrança. O problema pode ser contornado, na visão de fonte, se os Estados obtiverem autorização da Justiça para deliberar provisoriamente sem os municípios.
Essa alternativa está em estudo e o Comitê de Secretários de Fazenda dos Estados (Comsefaz) já informou às duas entidades representativas dos municípios, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e a Frente Nacional de Prefeitos (FNP), por meio de ofício, que não descarta buscá-la.
O Comitê Gestor vai administrar o IBS, imposto partilhado por Estados e municípios que deverá movimentar perto de R$ 1 trilhão ao ano, quando a reforma estiver plena. Será comandado por um Conselho Superior formado por 54 membros: 27 dos Estados e 27 dos municípios. Os representantes dos Estados são os secretários de Fazenda. Os dos municípios deveriam ter sido eleitos até o dia 16 de abril passado, o que não ocorreu.
Assim, há muitas dúvidas sobre o funcionamento do Comitê. Fonte a par dos preparativos disse que a instalação do colegiado ocorre automaticamente na sexta-feira e os representantes dos Estados, os secretários, estarão empossados. Mas com a formação incompleta não se sabe exatamente o que poderá ser deliberado pelo colegiado.
O ponto mais urgente, pelo que se diz nos bastidores, é a eleição do presidente do Conselho Superior. Caberá a ele informar ao Ministério da Fazenda o número da conta bancária do Comitê Gestor para que, até meados de junho, seja feito um primeiro depósito de R$ 50 milhões, com o qual serão tomadas providências básicas, como a contratação dos sistemas de cobrança do novo imposto.
Já está acertado que o primeiro presidente do Conselho será um representante dos Estados. No entanto, não se sabe se a eleição poderá ser feita sem a participação dos municípios.
Quando a reforma estiver implementada, o Comitê Gestor terá orçamento de aproximadamente R$ 5 bilhões por ano, recurso que virá da própria arrecadação do IBS. Para essa fase inicial, porém, a União concordou em fazer um empréstimo.
Para 2025, estão previstos R$ 50 milhões por mês, começando pelo mês seguinte ao da instalação do colegiado. Para 2026, a previsão é aportar R$ 800 milhões. Em 2027 e 2028, no máximo R$ 1,2 bilhão por ano.
Estados e municípios devolverão os recursos a partir de 2029. As parcelas serão corrigidas pela taxa Selic, de modo que não haverá impacto primário para a União.
Caso haja apoio da Justiça para o Comitê funcionar só com os Estados, seria possível avançar em alguns temas. Mas, avalia fonte envolvida no tema, seria temerário votar pontos essenciais, como o regulamento do IBS.
Apesar do impasse em torno do Conselho Superior, Estados e municípios já estão desde o final de 2024 trabalhando conjuntamente nos preparativos da reforma, no chamado “pré-Comitê Gestor”. Assim, já há um conjunto de discussões feitas, que poderá evoluir rapidamente quando a questão formal for decidida. Por outro lado, não está definido sequer onde ficará a sede física do colegiado.
Como mostrou o Valor no dia 15 de abril, a 11ª Vara Cível de Brasília suspendeu naquele dia a eleição de representantes dos municípios para o Conselho Superior do Comitê Gestor, atendendo a pedido da FNP. A liminar segue em vigor.
Gilberto Perre, secretário-executivo da FNP, disse ao Valor que a eleição precisa ser realizada eletronicamente, mas de forma segura o suficiente para as decisões do Comitê Gestor não serem posteriormente questionadas. FNP e CNM não se entendem quanto à operacionalização do pleito.
Paulo Ziulkoski, presidente do CMN, acusa a FNP de tentar inviabilizar as eleições porque os critérios não a favoreceriam. A Constituição e a Lei Complementar nº 214, de 2025, estabelecem que os 27 representantes serão escolhidos da seguinte forma: 14 em uma votação em que cada município representa um voto e 13 numa apuração que levaria em conta a população de cada município.
Por contar com uma base de associados maior, a Confederação Nacional dos Municípios seria a única a preencher os requisitos para apresentar chapa para o grupo de 14 representantes. Pela população representada por sua base, a entidade também poderia propor chapa para o grupo de 13 representantes, afirmou Ziulkoski.
Isso contraria expectativa da FNP, que representa grandes cidades e pretende controlar o segundo grupo. Ela alega que um acordo feito na época em que a reforma foi votada estabeleceu esses dois grupos justamente para contemplar as duas entidades. Porém, não está escrito em lugar algum, admite Perre. A CNM afirma que a eleição deve seguir a lei.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, patrocinou uma reunião com as duas entidades de prefeitos e o relator da reforma tributária no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM). Ziulkoski propôs, no encontro, que a FNP indicasse oito do grupo de 13 representantes. Não houve acordo.
O Comitê Gestor começa a operar este ano, mas as regras para seu funcionamento ainda estão em discussão no Projeto de Lei Complementar nº 108/2024, em análise no Senado. Nesta terça-feira, uma audiência pública tentará buscar um acordo, disse Perre. Ziulkoski teme que a nova lei reserve o grupo de 13 representantes para a FNP.
“Esse litígio era fácil de prever, a probabilidade de se concretizar era próxima de 100%”, afirmou o ex-secretário da Receita Federal José Tostes. Ele vinha alertando sobre os potenciais dificuldades na implementação e funcionamento do Comitê Gestor.
“Espero muito que os entes federados se acertem com relação à composição do Comitê Gestor, pois ele é peça fundamental da reforma tributária”, comentou Daniel Loria, ex-diretor da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária. “Ao integrar Estados e municípios, serve como interface única para os contribuintes e traz como ganhos a apuração centralizada, empoçamento menor de créditos, menos fiscais na empresa ao mesmo tempo.”
FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR LU AIKO OTTA — DE BRASÍLIA