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STF DEFINIRÁ SE INCIDE IR NA DOAÇÃO ANTECIPADA A HERDEIROS

28 de abril de 2025

Definição será importante porque a jurisprudência sobre o tema não é pacífica.

O Supremo Tribunal Federal (STF) julgará, em repercussão geral, se é válida a cobrança do Imposto de Renda (IRPF) sobre ganho de capital na antecipação da transferência de bens a herdeiros. Essa definição será importante porque a jurisprudência sobre o tema não é pacífica, nem mesmo dentro do Supremo.

Nove ministros já votaram a favor dos contribuintes. Foram eles: Luís Roberto Barroso (ARE 1387761), Nunes Marques (RE 851242), Dias Toffoli, André Mendonça (RE 1425609) e os cinco integrantes da 1ª Turma — Flávio Dino, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luiz Fux e Cármen Lúcia — no mais recente julgamento da Corte, relatado por Dino, em outubro do ano passado (RE 1439539).

Mas não é possível dizer que há uma tendência de desfecho favorável aos herdeiros e donatários. Isso porque a 1ª Turma também já foi unânime a favor da União, em um caso julgado em agosto de 2023 (RE 1437588). Além disso, o relator é o ministro Gilmar Mendes, da 2ª Turma, onde as decisões têm sido, por maioria, a favor da Fazenda.

Para alguns advogados, o novo julgamento “zera o jogo”, pois a discussão, dessa vez, será mais profunda. Tributaristas dizem ainda que, independentemente da tese firmada, a decisão mudará a forma de planejamento patrimonial das famílias brasileiras. Se a cobrança do IR for admitida no adiantamento de legítima, esse instrumento deverá ser menos usado.

A repercussão da tese foi admitida em julgamento encerrado à meia-noite de quinta-feira, no Plenário Virtual. Todos acompanharam o relator, o ministro Gilmar Mendes. Ele entendeu que o tema tem “relevância jurídica, econômica e social”. Reconheceu a oscilação da jurisprudência, por isso, disse que ela precisa ser uniformizada.

A análise do mérito da controvérsia deve ocorrer em até um ano, conforme o artigo 1.035 do Código de Processo Civil (CPC), e o entendimento será aplicado a todos os casos na Judiciário. Além disso, advogados dizem que a tese também se aplicaria aos processos de sucessão após a morte.

Para os contribuintes, não deve haver a cobrança do IR do doador, pois a operação já é tributada pelos Estados, pelo ITCMD ou ITCD. Argumentam que quem doa se desfaz do bem, portanto, não tem acréscimo patrimonial, mas decréscimo. E que a União não é competente para tributar doação, só os governos estaduais.

Já a Fazenda Nacional entende que não se está tributando a herança, mas o ganho de capital do bem doado, conforme artigo 23 da Lei nº 9.532/1997, regulamentado pela Instrução Normativa nº 84/2001. A base de incidência seria a diferença entre o valor de mercado e o custo de aquisição do patrimônio. A União também defende que não há bitributação, pois as bases de cálculo, fatos geradores e os contribuintes que recolhem o tributo são diferentes (RE 1522312).

O caso afetado pelo STF trata da antecipação da herança feita de um pai para a filha. Doou um terreno de 1,7 mil m² localizado em Timbó (SC), adquirido por R$ 17,1 mil e cujo valor de mercado hoje é R$ 400 mil. Antes da doação, o patriarca atualizou o valor histórico que constava no IRPF. O ITCMD, de R$ 23,6 mil, foi pago ao Estado de Santa Catarina, mas a Receita Federal exigiu R$ 26,7 mil de IR, pelo ganho de capital.

O contribuinte entrou com a ação na Justiça e obteve sentença favorável, confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), com sede Porto Alegre. Desse acórdão, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) recorreu ao STF, alegando que a decisão violou os artigos 145 e 153 da Constituição.

Segundo advogados, a maioria das decisões dos tribunais regionais federais é contrária aos contribuintes. Túlio Parente, diz que a iniciativa do STF de analisar o tema em repercussão geral é “super positiva”. “O STF vai ter a oportunidade de encerrar uma instabilidade jurisprudencial que há anos compromete a segurança jurídica e a estrutura da sucessão patrimonial, gerando incerteza para os contribuintes”, afirma.

Na visão dele, a decisão de mérito, quando proferida, trará um impacto direto sobre os arranjos sucessórios das famílias brasileiras. “Independentemente da tese que venha a prevalecer, o julgamento fixará qual o alcance e limites da União no contexto de governança patrimonial e familiar”, completa.

Daniel Clarke, concorda. “A doação em adiantamento de legítima é um instrumento bastante utilizado para organizar a sucessão, reduzir conflitos e antecipar a partilha de bens. Se o STF reconhecer a constitucionalidade da cobrança de IR sobre o ganho de capital do doador, essa prática pode ser desestimulada”, diz.

Embora a tese tenha sido delimitada para os casos de antecipação de legítima, por conta do caso de Santa Catarina ter tratado disso, “é bem possível que as razões de decidir desse julgado devam ser aplicadas à sucessão”, segundo Nina Pencak.

“As decisões são bem conflituosas em ambas as turmas e a do Gilmar Mendes, que é o relator, é sempre contrária, mas como temos sempre a possibilidade de revisão de voto, não dá para saber o desfecho do julgamento”, afirma a tributarista Daniela Guedes de Bassi, que atua no caso a ser analisado pelo STF.

Daniela defende que ainda que, além de não ser possível a bitributação, há uma “incongruência” entre o Código Tributário Nacional e a Lei nº 7.713, de 1988. “A lei diz que o sujeito passivo tem que ser quem aufere aumento de capital, só que no caso da doação, não há acréscimo patrimonial de quem faz o ato”, diz.

Além disso, acrescenta, o artigo 22 da lei de 1988 garante a isenção dos donatários, que seriam quem teriam o aumento de capital. “Os artigos se contrapõem, porque a lei diz que o acréscimo patrimonial da doação configura a base de cálculo no artigo 23, mas, ao mesmo tempo, dá a isenção no artigo 22.”

Em nota ao Valor, a PGFN afirma que “o ganho de capital ocorre na medida em que o bem tem uma valorização de mercado (ágio) ainda na esfera patrimonial do doador”. “O que sucede é que a tributação desse ganho ocorrerá no momento da doação, e não antes. Trata-se de uma escolha temporal do legislador”, diz.

A PGFN defende ainda que não há bitributação, pois, o ITCMD e o IR têm fatos geradores e bases de cálculo distintos. “A incidência de tributos cuja base de cálculo está contida em outra base de cálculo é possível quando há previsão constitucional para tanto. Isso ocorre com o ITCMD e o IR: ambos são previstos constitucionalmente”, completa.

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR MARCELA VILLAR — SÃO PAULO

 

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