Acordo para o pagamento de R$ 27,7 milhões foi firmado com a Procuradoria Geral do Estado do Amazonas.
A Procuradoria Geral do Estado do Amazonas (PGE-AM) fechou a maior transação tributária individual já feita no Estado e a primeira com uma empresa em recuperação judicial. Foi com a Gradiente, no valor de R$ 27,7 milhões (R$ 30,8 milhões considerando as custas processuais). O pagamento foi feito à vista no fim de março, com desconto máximo de multa e juros de 65%, o que reduziu em 46% o montante original do passivo, de cerca de R$ 56 milhões – não é possível atingir o valor principal do tributo devido. A correção monetária foi mantida, pelo IPCA.
Com o acordo, a Gradiente finaliza de vez o processo de reestruturação na 12ª Vara Cível de Manaus, iniciado em 2018, com dívida de R$ 976,5 milhões. O juiz do caso já havia homologado o encerramento da recuperação em 2023, mas com a ressalva de que a companhia precisava regularizar seus débitos tributários. Por isso, deixou bloqueados imóveis como garantia, que agora podem ser levantados. É a última pendência de tributos declarados e não pagos, segundo representantes da Gradiente.
A transação tributária foi criada no Amazonas em 2023, por meio ad Lei Estadual nº 6.289, que foi regulamentada pelo Decreto nº 48.971/2024 e pela Portaria nº 033/2024, da PGE. O acordo com a Gradiente representa quase o valor total negociado até então pelo Estado por meio de transações, que somaram R$ 37 milhões. Foram 86 acordos fechados, sendo o primeiro individual realizado há cinco meses com uma empresa de calçados. Ainda existem R$ 11,3 bilhões de créditos inscritos em dívida ativa.
Segundo o procurador-geral do Amazonas, Giordano Bruno Costa da Cruz, as negociações com a Gradiente duraram cerca de um ano e a dívida é substancialmente de ICMS não pago entre os anos de 2000 e 2010. “Conseguimos dar os descontos máximos de juros e multa para que coubesse no fluxo de caixa da empresa”, afirma.
Cruz explica que o fator caixa é um dos principais aspectos a serem levados em consideração pelo órgão para firmar um acordo, além da análise do grau de recuperabilidade do crédito. “Cada empresa tem um fluxo de caixa específico, então não adianta celebrar uma transação tributária que não vai encaixar no fluxo de caixa daquela empresa, porque ela pode inadimplir dali a alguns meses”, diz. “A principal finalidade é manter a atividade empresarial.”
“A Gradiente adotou soluções responsáveis, como a recuperação judicial” — Ricardo Staub
Na visão dele, as transações privilegiam o bom pagador, ao contrário dos antigos parcelamentos, do tipo Refis, que “acabavam sendo indutores de sonegação”. “O contribuinte sonegador tinha plena certeza que em breve se lançaria um novo Refis”, afirma. “Agora com a transação, se beneficia o contribuinte sério e que eventualmente está devendo tributo porque sofreu algum revés na atividade econômica, mas que não é um sonegador contumaz.”
De acordo com o diretor-presidente da Gradiente, Ricardo Emile Staub, a crise na companhia começou entre 2008 e 2009, com a mudança da tecnologia e a entrada de concorrentes como LG e Samsung no país. “Por muitos anos, nossa capacidade de manter os compromissos fiscais em dia ficou comprometida”, diz.
Mas a empresa adotou soluções responsáveis, como entrar com o pedido de recuperação judicial em 2018, acrescenta. “Foi uma recuperação muito bem sucedida, com a quitação integral das obrigações extraconcursais e concursais e, posteriormente, endereçando os débitos tributários”, diz. Com a aplicação de deságios médios de 85% previstos no plano de reestruturação, a dívida de mais de R$ 900 milhões caiu para R$ 138,8 milhões.
Uma primeira transação foi feita com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), de R$ 600 milhões. Depois, com o município de Manaus, no valor de R$ 23,2 milhões e com o Estado de São Paulo, no ano passado, no âmbito do Acordo Paulista, em que foram pagos R$ 4,73 milhões (66% a menos que a dívida original, de R$ 14 milhões). “Cada uma levou um tempo diferente, mas essa [com o Amazonas] foi a última em aberto e, com isso, resolvemos todos os débitos tributários”, diz Staub.
Todas as certidões de dívida ativa (CDAs) foram incluídas na transação com o Amazonas. Segundo o tributarista Igor Mauler Santiago, que mediou o acordo, em algumas execuções fiscais havia decisões favoráveis à Gradiente. “Tínhamos tese de prescrição intercorrente em diversas delas e decisões favoráveis em algumas, mas a empresa buscava uma solução integral e abriu mão dessa tese para pagar tudo na transação tributária”, afirma.
Santiago diz que no Amazonas, diferentemente de outros Estados, a correção monetária foi mantida – algo que é dispensado em outras regiões que aplicam a Selic, que tem embutido os juros e a correção. “Foi um esforço de pagamento relevante”, afirma.
A opção de não parcelar e pagar à vista levou em conta os acréscimos, como a taxa de juros sobre as prestações de quase 15%. “Não queríamos criar um parcelamento e estender a dívida”, diz Staub.
Com o último acordo, a empresa encerra esse capítulo de crise financeira após a recuperação judicial e busca novos investimentos estratégicos, segundo o diretor presidente. Como mostrou o Valor, a empresa entrou para o setor de energia solar no ano passado, com investimentos de R$ 50 milhões. A outra parte do faturamento vem do aluguel de galpões em Manaus e dos royalties com a marca Gradiente.
A transação foi paga à vista tanto com a receita desses negócios quanto da própria recuperação judicial. Com a venda de imóveis e créditos tributários de IPI, a empresa arrecadou cerca de R$ 234 milhões, sendo uma parte usada para quitar os credores. “Agora estamos em uma situação confortável de readequação do modelo de negócios com novos investimentos, mas sempre cautelosos”, acrescenta Staub.
A PGE-AM recuperou R$ 106 milhões da dívida ativa em 2024. A meta do procurador geral é reaver esse mesmo valor neste ano apenas com transações tributárias. Para isso, o órgão vai lançar três editais por adesão até maio, para regularizar dívidas de IPVA, de ICMS de até R$ 30 mil e outro apenas para empresas em recuperação judicial ou extrajudicial. A negociação será on-line, por meio do portal do contribuinte, que será lançado nas próximas semanas.
As transações individuais no Estado podem ser usadas para o pagamento de débitos acima de R$ 3 milhões ou de R$ 500 mil – na segunda hipótese, desde que com a exigibilidade suspensa por decisão judicial. Os acordos preveem parcelamento de até 120 meses.
FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR MARCELA VILLAR — DE SÃO PAULO