Quando se trata de organizar a sucessão, ante a infinidade de possibilidades, é necessário conhecer as consequências de cada estrutura.
O planejamento sucessório assumiu papel relevante para famílias que desejam uma partilha eficiente e econômica. Delinear a sucessão envolve diferentes instrumentos e operações, dos mais simples aos mais sofisticados, como a elaboração de testamento, a constituição de holdings patrimoniais ou a doação em vida de bens, entre outros. Antes de tudo, é necessário ter em mente que o planejamento sucessório não pode se basear em fórmulas prontas, aplicadas acriticamente, sob pena de descumprir seus principais objetivos: eficiência e economicidade.
Instrumento que se tornou recorrente é a constituição de sociedades no exterior, por meio da qual famílias buscam a segurança de seus ativos. Recentes alterações legislativas e decisões judiciais sobre estruturas no exterior impactam o resultado do planejamento sucessório, inclusive com pagamento de impostos.
O primeiro aspecto relevante para o desenho de um planejamento sucessório diz respeito à jurisdição competente para processar o inventário. Ainda que as partes envolvidas sejam brasileiras e o local do falecimento seja o Brasil, recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) excluem do inventário processado no Brasil os bens localizados no exterior. Tal entendimento está fundado no fato de o Brasil adotar o princípio da pluralidade dos juízos sucessórios, ou seja, o inventário e partilha devem ser processados no lugar da situação dos bens deixados pelo falecido.
Além disso, o STJ afirma que a lei brasileira não é aplicável à sucessão de bens localizados no exterior, impactando diretamente o tratamento da herança. Isso significa que os bens de uma pessoa falecida são considerados de forma distinta conforme sua localização, sendo também distinto o direito que os rege para efeitos sucessórios.
No Brasil, quando o falecido deixa descendentes, ascendentes ou cônjuge, obrigatoriamente 50% dos bens da herança são destinados a esses herdeiros (parte legítima). Já a outra metade pode ser livremente atribuída pelo indivíduo por um testamento (parte disponível).
Acórdãos recentes do STJ indicam, ainda, não ser possível a compensação dos valores recebidos pelos herdeiros no exterior com aqueles recebidos no Brasil para a equiparação da parte legítima de cada herdeiro, apesar de existirem decisões antigas em sentido contrário.
Na nossa opinião, a decisão do STJ em não permitir a uniformização da legítima dos herdeiros está equivocada. A existência de múltiplos juízos sucessórios não altera o fato de a herança constituir uma universalidade de bens e direitos, independentemente de sua localização.
Outro aspecto relevante é o estudo da tributação incidente sobre os bens objeto da futura partilha. Enquanto as normas de sucessão de direito brasileiras se aplicam apenas aos bens situados em território nacional, o imposto de transmissão causa mortis e de doação (ITCMD) incide tanto sobre bens no Brasil como sobre aqueles existentes no exterior.
Em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) afirmou que os Estados não poderiam exigir ITCMD sobre bens no exterior sem a edição de lei complementar para regulamentar a cobrança do imposto, conforme exigido pelo artigo 155, parágrafo 1º, III, da Constituição Federal. Como essa decisão se deu no regime de repercussão geral, todos os tribunais do país foram obrigados a aplicá-la, e os Estados que não dispunham de completar sobre a matéria deixaram de exigir o imposto.
A reforma tributária, contudo, causou incerteza aos contribuintes, ao estabelecer no artigo 16 da Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023, a possibilidade de cobrança do ITCMD pelos Estados até que lei complementar seja editada. Exemplificando, a legislação sobre o ITCMD do Estado de São Paulo (Lei nº 10.705/2000) estabelece a cobrança, em seu artigo 4º, I, “b”. Por outro lado, contribuintes do Estado de São Paulo recentemente obtiveram decisões afastando o recolhimento do ITCMD sobre bens no exterior por conta da ausência de edição de lei complementar nos termos exigidos pelo texto constitucional, mesmo após a disposição introduzida pela reforma tributária.
O descompasso entre a legislação civil aplicada às sucessões e a sistemática tributária pode implicar resultados não imaginados por aquele que planejou sua sucessão. Para ilustrar, imaginemos uma família com quatro herdeiros necessários, cujo patrimônio no exterior é significativamente superior ao do Brasil. Na hipótese de apenas um desses herdeiros receber os bens no exterior, ainda assim terá direito a um quarto dos bens do Brasil.
Conforme o STJ, esse herdeiro, mesmo recebendo valor maior, não estará obrigado a compensar os valores recebidos no exterior para igualar a porção legítima dos demais. A depender de como o assunto foi tratado na família quando da elaboração do planejamento sucessório, isso poderá gerar uma longa e custosa disputa judicial.
Ainda no exemplo aqui ventilado, imaginemos que o herdeiro beneficiado não recolha o ITCMD sobre os bens que se encontravam do exterior. Conforme determina o artigo 16, III, da Emenda Constitucional nº 132/2023, o imposto seria exigido do sucessor do falecido, não importando se aquele sucessor recebeu bens do exterior. Isso quer dizer que os herdeiros ainda correm o risco de serem obrigados a recolher ITCMD sobre bens que sequer receberam.
Quando se trata de organizar a sucessão, ante a infinidade de possibilidades, é necessário conhecer as consequências de cada estrutura. Como disse Benjamin Franklin: “Nada é mais certo neste mundo do que a morte e os impostos”, então que se planeje corretamente tanto a morte como o pagamento dos impostos.
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FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR ANGELA DI FRANCO E MARCELA ASSEF