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COTAS DE SÓCIA DE ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA DEVEM SER CALCULADAS NA ARBITRAGEM

10 de março de 2025

Questão foi levada ao Judiciário após advogada não concordar com o valor proposto para as suas cotas.

A 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) reconheceu a competência do juízo arbitral para avaliar o montante devido a uma sócia (apuração de haveres) que se retirou de uma sociedade de advogados. O placar ficou apertado em três votos a dois.

A questão foi levada ao Judiciário depois de a advogada não concordar com o valor proposto para as suas cotas. Porém, os demais sócios defenderam que a questão deveria ser discutida na via arbitral, já que havia uma cláusula compromissória no contrato da sociedade (processo nº 5111777-37.2023.8.21.0001).

Na primeira instância, o juízo decidiu que, após a dissolução, o levantamento e divisão proporcional do patrimônio deveriam ocorrer pela via judicial, já que a ação já estava tramitando na Justiça. Os sócios, no entanto, argumentaram, em recurso, que deveria incidir a cláusula que obriga a resolução pela arbitragem.

No TJRS, a 5ª Câmara Cível acatou a argumentação. Segundo a desembargadora Cláudia Maria Hardt, que proferiu o voto vencedor, até mesmo o exame de competência, “assim como da invalidade da cláusula compromissória, cabe ao juízo arbitral”. “A intervenção do Poder Judiciário é relegada para momento posterior, em eventual ação anulatória promovida na forma do artigo 33 da Lei de Arbitragem, se caso”, afirma ela no voto.

Para a corrente que ficou vencida, do relator Mauro Caum Gonçalves, “a convenção de arbitragem não implica propriamente renúncia ao exercício do direito de ação, mas sim uma das formas de se solucionar litígios sem precisar-se recorrer à jurisdição estatal’.

Como prevaleceu a previsão de solução arbitral, o processo foi extinto sem resolução de mérito e a advogada foi condenada a pagar honorários de sucumbência.

Segundo o advogado da sociedade, Gabriel Minussi, especialista em direito empresarial, o precedente é relevante por ser inédito no TJRS. “Apesar de outras decisões do tribunal já terem reconhecido a aplicação de arbitragem para resolver conflitos entre sócios, nenhuma delas abordava especificamente a fase de apuração dos haveres, pois havia questões antecedentes sobre a dissolução da sociedade pendentes de análise”, afirma.

Ele sustenta que afastar a competência da câmara arbitral com base no fato de que a sócia já tinha se retirado fere a previsão da Lei nº 9.307/1996, a Lei da Arbitragem. “Mesmo que a sócia não mais integrasse o quadro social, a apuração dos haveres deveria observar o previsto no contrato, bem como a data da sua saída”, diz. “Até aquela data, ela ainda permanecia submetida às disposições do contrato”, acrescenta.

Marcelo Levitinas, sócio do Graça Couto Advogados, concorda e acrescenta que a decisão confirma a jurisprudência majoritária do Superior Tribunal de Justiça (STJ).  “Se as partes previram que a resolução de suas disputas se daria por arbitragem, o Judiciário não deve acolher pedidos que levem ao afastamento daquela legítima manifestação de vontade – o que é ainda mais relevante em disputas societárias, que envolvem dados sensíveis das partes”, afirma.

Há precedentes fartos do STJ quanto à competência do juízo arbitral. A 2ª Seção, no ano de 2020, por exemplo, já assentou que “cabe ao juízo arbitral decidir, com prioridade ao juiz togado, a respeito de sua competência para avaliar existência, validade e eficácia da cláusula compromissória celebrada entre as partes” (CC 159.162).

A 3ª Turma também deu decisão no mesmo sentido, quando entendeu, em 2022, que “a cláusula arbitral contratada pelas partes goza de força vinculante e caráter obrigatório, derrogando-se a jurisdição estatal” (AREsp 1.934.539). E a 4ª Turma reforçou o entendimento da Corte, no ano passado, para delimitar que “a constatação de previsão contratual de convenção de arbitragem enseja o reconhecimento da competência do juízo arbitral” (AREsp 2.343.376).

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) também já decidiu no mesmo sentido em muitos casos. Em um dos processos, contra uma empresa de fertilizantes, a 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial entendeu que a “submissão de eventuais conflitos envolvendo a avença à arbitragem impede a manifestação do Poder Judiciário sobre a demanda” (processo nº 2103720-22.2018.8.26.0000).

A 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial também tem precedente no mesmo sentido, envolvendo uma empresa de aluguel de cofres. O colegiado chancelou a validade da cláusula compromissória, por seu “caráter obrigatório previsto no estatuto social da companhia, em consonância com dispositivo de acordo de acionistas anterior” (processo nº 1130450-44.2019.8.26.0100).

Segundo Gabriel Minussi, os casos relativos a sociedades de advocacia são raros. Isso porque, para preservar o sigilo das operações, os sócios raramente recorrem ao Judiciário.

“O caráter confidencial do processo arbitral evita que dados e informações sigilosas das partes possam vir a público em processos judiciais”, afirma Minussi. “A fase de apuração de haveres envolve a análise de informações contábeis e econômicas bastante sensíveis para qualquer sociedade”, completa o advogado.

FONTE:  VALOR ECONÔMICO – POR LUIZA CALEGARI — DE SÃO PAULO

 

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