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REFORMA TRIBUTÁRIA E PRODUÇÃO DE HIDROGÊNIO

7 de março de 2025

A reforma certamente desestimulará a produção do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono, uma vez que, se os benefícios fiscais previstos não alcançam toda a cadeia produtiva, tornam o investimento na produção substancialmente mais elevado ou inviável.

A reforma tributária, aprovada pela Emenda Constitucional (EC) nº 132/2023, que, em linhas gerais, substitui cinco tributos (ICMS, ISS, PIS /Pasep, Cofins e IPI) por três (Imposto sobre Bens e Serviços – IBS, Contribuição sobre Bens e Serviços – CBS e Imposto Seletivo – IS), cuja implantação será gradativa, a partir de 2026, estabelece que o sistema tributário nacional deve observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente.

Em cumprimento ao princípio de defesa do meio ambiente, a EC nº 132/2023 dispõe, ainda, que deve ser mantido regime fiscal favorecido para os biocombustíveis e para o Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (HBC), na forma de lei complementar (LC), a fim de assegurar-lhes tributação inferior à incidente sobre os combustíveis fósseis.

Por outro lado, embora haja previsão de base de incidência ampla, o IBS e a CBS não se sujeitarão às desonerações, salvo em determinadas hipóteses, como nas operações de aquisição de bens de capital, nos termos da LC.

Nesse sentido, a LC nº 214/2025 prevê a suspensão do pagamento do IBS e da CBS nas operações realizadas no âmbito do Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (Reidi), preservando as regras dispostas na Lei nº 11.488/2007, regulamentada pelo Decreto nº 6.144/2007.

Ocorre que, em 2 de agosto de 2024, foi publicada a Lei nº 14.948, conhecida como o “Marco legal do Hidrogênio”, que dispõe, dentre outros temas, sobre o Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (Rehidro), que tem por objetivo incentivar a descarbonização e a transição energética, em respeito às metas assumidas pelo Brasil no Acordo de Paris.

De acordo com a lei, o HBC terá sua cadeia produtiva beneficiada pelo Rehidro, extensão do Reidi, pelo prazo de cinco anos, a partir de janeiro deste ano, de modo que o pagamento das contribuições para o PIS/Pasep e a Cofins incidentes na aquisição, inclusive na importação, ou locação de máquinas, aparelhos, instrumentos e equipamentos novos, materiais de construção para a implementação da planta de produção do HBC, bem como na contratação de serviços, no Brasil e no exterior, destinados a tal obra, será suspenso, podendo ser convertido à alíquota zero quando utilizado ou incorporado na obra.

Ademais, para a obtenção do regime especial, poderão se habilitar as empresas produtoras do HBC, até mesmo aquelas instaladas em Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs), sem prejuízo dos benefícios que já usufrui, bem assim, como coabilitadas, as empresas que tenham por atividade o acondicionamento, armazenamento, transporte, distribuição ou comercialização de HBC; a geração de energia elétrica renovável para a produção de HBC; e a produção de biocombustíveis (etanol, biogás ou biometano) para a produção de HBC.

Porém, até o momento, não se tem notícias sobre o seu tratamento específico no contexto da reforma tributária, embora esta privilegie a defesa do meio ambiente e o regime fiscal favorecido para o HBC.

Com efeito, considerando a autorização constitucional de desoneração da aquisição onde bens de capital, sob a regulamentação de LC, e pelo fato de a LC nº 214/2025 dispor sobre o Reidi exatamente com as mesmas regras atualmente vigentes, é possível concluir que o Rehidro seria compatível com a reforma tributária, justamente porque os benefícios fiscais de que trata a Lei nº 11.488/2007 são aplicáveis a ele (Reidi).

Em contrapartida, não está garantido o direito de fruição dos benefícios fiscais pelos coabilitados, da forma como prescreve o Marco legal do Hidrogênio, porque, além de não ter previsão da figura do coabilitado na LC nº 214/2025 e na Lei nº 11.488/2007, o Decreto nº 6.144/2007, que regulamenta o Reidi, não é claro sobre as atividades autorizadas a coabilitação, gerando dúvida se apenas as empresas que executem obras de construção civil por empreitada é que estariam contempladas, dado serem as únicas que desenvolvem a atividade mencionada expressamente no texto legal.

Sem falar que o decreto, em outra passagem do texto, atribui a condição de coabilitado apenas àquelas empresas diretamente vinculadas ao projeto de titularidade do habilitado.

Tanto é assim que a Receita Federal do Brasil (RFB), por meio da Solução de Consulta Cosit nº 22/2024, esclareceu que os benefícios do Reidi alcançam apenas os bens e serviços utilizados ou incorporados em obras de infraestrutura destinadas ao ativo imobilizado e correspondentes a projeto habilitado, excluindo, assim, os serviços meramente auxiliares, restando evidenciado que a coabilitação é restritiva.

Em outras palavras, se não estão bem definidas as condições de enquadramento das empresas como coabilitadas no âmbito do Reidi pela reforma tributária e se o entendimento restritivo da RFB pode ser aplicado, a sua extensão ao Rehidro gerará insegurança jurídica às empresas que se dedicam às atividades que fazem parte da cadeia produtiva do HBC, comprometendo, assim, a sua produção.

Portanto, a despeito de o Rehidro ser um dos instrumentos de desenvolvimento do mercado nacional energético, conforme o Marco Legal do Hidrogênio, a reforma tributária certamente desestimulará a produção do HBC, uma vez que, se os benefícios fiscais previstos não alcançam toda a cadeia produtiva, tornam o investimento na produção substancialmente mais elevado ou inviável, violando o princípio da defesa do meio ambiente e afastando o Brasil das metas assumidas no Acordo de Paris.

Rafaela Calçada da Cruz é advogada tributarista, com pós-graduação em Direito Tributário pela FGV

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR RAFAELA CALÇADA DA CRUZ

 

 

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