O ano de 2025 mal começou e já trouxe importantes novidades a serem consideradas para quem deseja organizar seu patrimônio ou eventualmente antecipar os termos da sua sucessão.
Isso porque a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, em acórdão de relatoria do ministro Flávio Dino (AgRg no RE 1.439.539), negou provimento a recurso interposto pela União (Fazenda) e confirmou acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, mantendo o afastamento da incidência do IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física) sobre ganho de capital em doações efetuadas em adiantamento de legítima [1].
Em suma, a pretensão fazendária no caso concreto era a de que houvesse a incidência do tributo sobre doações realizadas por determinado contribuinte aos seus três filhos. Na ocasião, o contribuinte havia atribuído ao patrimônio doado o seu respectivo valor de mercado, conforme permitido pela legislação aplicável. Segundo a União, contudo, neste caso, a doação deveria ser tributada, uma vez que haveria uma diferença econômica entre o valor do patrimônio doado, tal como constante da declaração de bens do doador junto ao seu IR, e o valor atribuído por ele na transferência aos donatários, caracterizando, pois, um “acréscimo patrimonial” — analogamente ao que ocorre, por exemplo, quando há uma alienação entre particulares.
O contribuinte, por sua vez, alegava a inocorrência de fato gerador do tributo, eis que, ao contrário do que argumentava o Fisco, não houve qualquer tipo de ganho com a doação. Além disso, o contribuinte se defendeu alegando que sobre a doação já incidiria um tributo específico e constitucionalmente previsto, qual seja, o ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação), de modo que a cobrança do IRPF ensejaria uma indevida bitributação.
A questão de fundo posta no julgamento remonta a dispositivos das Leis nº 7.713/88 e 9.532/97 que determinam, respectivamente, que a doação é sujeita à apuração de ganho de capital; e que, em operações desse tipo, o doador pode, a seu critério, optar entre dois regimes distintos para atribuir valor ao patrimônio doado: o valor de mercado ou aquele já constante de sua declaração de bens. Em optando por realizar a transferência a valor de mercado, a diferença a maior entre esse e o valor pelo qual o patrimônio constava da declaração de bens do doador, sujeita-se à incidência do IRPF à alíquota progressiva de 15% a 22,5%, nos termos do artigo 153 do Anexo ao Decreto nº 9.580/18.
Decisões do STF
O embate entre União e contribuinte foi levado a julgamento pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal em outubro de 2024. E por unanimidade, entendeu que, de fato, não incide o IRPF nessas situações. Ao decidir, o Tribunal entendeu que, em verdade, e sob a óptica do doador, existe decréscimo patrimonial no ato da doação (na medida em que ele se desfaz de seu patrimônio), o que afastaria o fundamento jurídico para a tributação sobre a renda. Além disso, o Tribunal também destacou o risco de bitributação pela incidência simultânea do IRPF e do ITCMD, exatamente tal como argumentado pelo contribuinte.
A relevância de tal discussão, por si só, já seria patente pela sua abrangência e recorrência na vida de muitos brasileiros. Entretanto, há um fator que a torna ainda mais peculiar: em recente caso análogo, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal aplicou entendimento diametralmente oposto. No julgamento do AgRg no RE 1.425.609, ocorrido em maio de 2024 sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes, a 2ª Turma decidiu, por maioria de votos (vencidos os ministros Dias Toffoli e André Mendonça), que haveria acréscimo patrimonial em favor do doador e que não haveria bitributação, tornando, portanto, devido o recolhimento do tributo.
Esse julgado da 2ª Turma foi, inclusive, mencionado por ocasião do julgamento havido na 1ª Turma a partir de esclarecimento solicitado pela representante da Fazenda Nacional, que visava a harmonizar ambos os pronunciamentos em seu favor. Em resposta, contudo, o ministro relator Flávio Dino ressaltou que, mesmo havendo a opção legal pelos dois regimes, o acréscimo patrimonial seria do donatário e não do doador, razão pela qual não poderia o doador ser tributado.
Insegurança jurídica
Independentemente da tese prevalecente, parece desnecessário dizer que a existência de acórdãos das duas turmas do Supremo em sentidos diametralmente opostos gera uma enorme insegurança jurídica, que, aliás, repercute nas instâncias inferiores. Basta verificar, exemplificativamente, que o Tribunal Regional da 3ª Região possui recente julgado a favor do contribuinte nesta matéria (Apelação nº 5019855-82.2023.4.03.6100, Rel. Des. Fed. Nery Da Costa Junior, j. em 30/01/2025); ao passo que o Tribunal Regional da 2ª Região possui entendimento em favor do Fisco (Remessa Necessária nº 5071615-87.2023.4.02.5101, Rel. Des. Fed. William Douglas Resinente Dos Santos, j. em 14/10/2024).
Nesse contexto de incerteza, é fundamental que o Supremo Tribunal Federal reconheça a repercussão geral da matéria e estabeleça um entendimento definitivo sobre essa questão, eliminando a divergência existente e trazendo estabilidade e segurança jurídica à atribuição de valores nas doações.
Seja como for, aqueles que pretendem organizar seu patrimônio devem estar atentos a essas questões até que o Supremo consolide definitivamente seu entendimento sobre essa questão. Até lá, cautela e planejamento jurídico adequado seguem sendo essenciais, pois, ao menos por ora, atribuir um valor superior ao bem doado sem o recolhimento do imposto, infelizmente, ainda representa um risco ao contribuinte.
FONTE: CONSULTOR JURÍDICO – POR DANIEL LUIZ YARSHELL E DANIEL ZARENCZANSKY