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INDEFINIÇÃO SOBRE FASE DE TESTES DA REFORMA TRIBUTÁRIA PÕE EMPRESAS EM ALERTA

19 de fevereiro de 2025

A dez meses do início das experiências, falta de informação sobre sistemas e ausência de comitê gestor são motivo de preocupação. 

A dez meses do início da fase de testes da reforma tributária, a ansiedade tomou conta das empresas, contam especialistas. Faltam informações para o desenvolvimento de sistemas que serão utilizados para apurar os novos tributos, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), algo que demandará pelo menos seis meses de trabalho. Esse é apontado como o maior gargalo no curto prazo. A Receita afirma que o cronograma está em finalização e deve ser divulgado em breve.

Além disso, o Comitê Gestor do IBS ainda não está instalado. Caberá a ele emitir as regulamentações infralegais que detalharão o funcionamento do novo tributo. A Receita Federal fará o mesmo em relação à CBS.

Nos bastidores do governo, a ordem é fazer o possível para que tudo esteja pronto até o fim deste ano. Porém, se for necessário, existe a possibilidade de implementar gradualmente os “testes” ao longo de 2026, apurou o Valor.

Segundo o fisco informou em nota, estão sendo realizadas reuniões preparatórias com associações de empresas de software e conselhos de classe para compreender as necessidades dos contribuintes e dos prestadores de serviços de informática e contabilidade, além de mencionar a publicação de notas técnicas orientativas.

“O grande desafio no momento está nas empresas que desenvolvem os nossos ERPs [Enterprise Resource Planning]”, disse o presidente-executivo da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), Pablo Cesário. Os sistemas precisarão ser adaptados às novas regras, mas faltam detalhamentos a serem informados pelo Serpro, estatal de processamento de dados.

“Muita gente não percebe que a reforma tributária não é só aprovar a lei no Congresso” — José Tostes.

Consultado, o Serpro informou que é prestador de serviços e não divulga informações sobre projetos de clientes sem autorização. O cliente, no caso, é a Receita Federal.

“Eu diria que a parte de sistemas é mais urgente para este ano”, concordou Daniel Loria, do escritório Loria Advogados. “Sinto que tem bastante ansiedade das empresas, especialmente da área técnica operacional tributária, tax compliance mesmo, que querem ter certeza de que os sistemas estão rodando direitinho para 2026.”

A preocupação existe porque já no ano que vem será necessário apurar e declarar os novos tributos. Cumprindo essas obrigações acessórias, a empresa é dispensada de pagar a alíquota de 1% cobrada no período de teste.

Loria foi diretor da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária (Sert) até o dia 6 de janeiro passado. Abriu seu escritório após consulta na Comissão de Ética Pública, que o autorizou a atuar como consultor, parecerista e a atuar na preparação das empresas para o novo sistema. Está, porém, proibido de defender interesses privados perante o Ministério da Fazenda pelo prazo de seis meses.

Do outro lado do balcão, ele apontou para três frentes de atenção. Além do desenvolvimento de sistemas, avaliou que ainda falta engajamento da alta administração com as mudanças que estão por vir. “Eu acho que essa tem sido uma demanda das áreas técnicas das empresas.”

Uma terceira frente envolve o detalhamento da legislação, uma tarefa que será cumprida pelo Comitê Gestor do IBS e pela Receita Federal. “Também tem gerado bastante ansiedade nas empresas com relação a esses regulamentos, como é que vão ser interpretados alguns temas.”

Um exemplo foi apontado pelo advogado Luiz Bichara, do Bichara Advogados. “Ficou confusa a parte da sanção”, comentou, referindo-se às punições pela falta de apresentação de declarações já em 2026. Há uma multa de 50% do IBS devido, mas também outra multa por documento não emitido, no valor de 30% da operação, mas que, no período de teste, ficará limitada a 1%. Essa multa por falta de documento é aplicada por alguns Estados, mas há litígio a respeito, disse.

Outro ponto que tem chamado a atenção de empresas e tributaristas é como será o relacionamento entre o IBS e os tributos que vai substituir, o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto sobre Serviços (ISS) no período de transição. Como mostrou o Valor na semana passada, escritórios especializados apontam para possível judicialização pelo fato de o IBS integrar temporariamente a base de cálculo do ICMS e do ISS.

O tema também entrou no radar das empresas, segundo informou Pablo Cesario. Era tema de reuniões na última quinta-feira.

Há pelo menos uma iniciativa na Câmara dos Deputados que pretende atacar esse ponto: o Projeto de Lei Complementar (PLP) 16/2025, do deputado Gilson Marques (Novo-SC). A proposta exclui o IBS e a Contribuição de Bens e Serviços (CBS) da base de cálculo dos demais tributos.

“O IBS e a CBS são impostos calculados por fora, ou seja, não integram a base da operação”, explicou Adriano Subirá, auditor da Receita Federal atualmente cedido à Câmara dos Deputados. “O ICMS incide sobre o valor da operação, então nós teremos dois conceitos de operação distintos, quando a lei não faz essa distinção.”  Na visão dele, esse é apenas um dos pontos com potencial de gerar questionamentos na Justiça.

Na área técnica do governo, avalia-se que essa forma de apuração está correta. Do contrário, Estados e prefeituras teriam perda de arrecadação. Esse ponto promete gerar debate no Legislativo.

A Câmara dos Deputados ainda analisa o PLP que regula o funcionamento do Comitê Gestor do IBS. Como essa demora era prevista, o grupo ganhou uma autorização temporária para funcionar em 2025, incluída na Lei Complementar 214/25, a que detalhou os novos tributos. Porém, só deverá ser instalado em maio.  No momento, tem operado provisoriamente, no que é chamado de pré-comitê.

“Se for instalado em maio, não terá os cem funcionários no dia seguinte”, comentou o ex-secretário da Receita Federal José Tostes. Estados e municípios vão ceder pessoas para integrar esse grupo e, supostamente, serão seus melhores quadros técnicos, dada a importância da tarefa. Isso, comentou, não será fácil de concretizar.

“Depois que ele [comitê] conseguir se tornar operacional, vai poder fazer as licitações, os contratos, toda essa parafernália de medidas que são necessárias para que os sistemas, os controles, as declarações, os documentos fiscais possam ser 19/02/2025, 11:12 Indefinição sobre fase de testes da reforma tributária põe empresas em alerta desenvolvidos, testados e disponibilizados”, listou. “O prazo, na minha opinião, é inviável para tudo isso.”

Tostes vê também possíveis embaraços no plano político para a entrada em vigor da reforma. Até agora, o Executivo não enviou ao Congresso Nacional os projetos de lei que regulamentarão os fundos associados à reforma tributária. Entre eles, o que permitirá aos Estados seguir pagando às empresas os incentivos fiscais do ICMS, eliminado na reforma. “Você acha que a reforma vai entrar em vigor sem isso?”, questionou o ex-secretário.

São discussões difíceis que ainda estão fora do radar do Congresso. Por exemplo, a reforma criou o Fundo de Diversificação Econômica da Amazônia, mas não estabeleceu o valor dele. Nos bastidores, o governo acena com algo na casa de R$ 2 bilhões a R$ 3 bilhões, quando a Amazônia espera pelo menos R$ 8 bilhões.  Também não há definição sobre o valor do fundo de desenvolvimento da Amazônia Ocidental e do Amapá – Estado do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União).

“Vai ter uma guerra total”, avaliou Tostes. “É um altíssimo potencial explosivo do ponto de vista político.”

A reforma trará profundas transformações na operação das empresas, comentou Loria. Cálculos realizados por sua equipe mostram, por exemplo, não ser necessariamente verdade que empresas prestadoras de serviços ou as agroexportadoras são prejudicadas pela reforma. Na análise caso a caso, linha a linha de produto, emergem os ganhos decorrentes do novo sistema de débitos e créditos. “É impressionante”, comentou.

Os fluxos de caixa também serão transformados, pois os prazos de vencimento dos impostos e a apropriação dos créditos tributários vão mudar. “Pode haver impacto para o bem ou para o mal no fluxo de caixa, precisa analisar.”

Outra mudança que será sentida ao longo dos próximos anos é a reformatação das cadeias logísticas da empresa, o que deverá elevar a produtividade.

As transformações chegam até à área de recursos humanos, pois a reforma mudou o tratamento para benefícios como vale-refeição de planos de saúde. Em tese, as empresas terão potencial vantagem na concessão, porque poderão se creditar desses itens.

Há, porém, uma longa preparação a ser feita, em prazo curto. “Muita gente não percebe que a reforma tributária não é só aprovar a lei no Congresso”, comentou Tostes. “Vai ter muito trabalho pela frente.

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR LU AIKO OTTA E GUILHERME PIMENTA — DE BRASÍLIA

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