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STJ RECONHECE FRAUDE À EXECUÇÃO EM DOAÇÃO DE IMÓVEL ENTRE FAMILIARES

18 de fevereiro de 2025

Ministros da 2ª Seção entenderam que, no caso, não era necessário como prova o registro de penhora na matrícula do bem.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que não é necessário o registro de penhora na matrícula do imóvel para reconhecimento de fraude à execução, em caso de doação do bem entre familiares. A decisão, unânime, foi dada em recente julgamento da 2ª Seção, que uniformiza o entendimento da 3ª e 4ª Turmas.

Os ministros, no caso, não aplicaram a Súmula 375, de 2009, nem um julgamento de 2015, em recurso repetitivo (REsp 956943). O entendimento firmado, nos precedentes, é o de que o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.

De acordo com especialistas, o caso era diferente do tratado na súmula. Envolvia uma suposta situação de fraude entre familiares, sem participação de um terceiro. A questão, porém foi analisada depois de o autor do recurso alegar que havia um acórdão divergente na 4ª Turma – que foi aceito pelos ministros, apesar de advogados afirmarem que, nesse caso, não foi analisado o mérito.

Com a nova decisão, o STJ julgou que a própria doação de bens, capaz de reduzir o devedor à insolvência, é suficiente para caracterizar a má-fé. Para advogados, isso é positivo para credores que queiram fazer cumprir sentenças em seu favor e impedir práticas fraudulentas de transferência de patrimônio em contexto familiar.

O caso analisado pelos ministros trata da doação de um imóvel feita por uma mãe aos filhos em 2005, após se separar do marido. Ambos eram sócios de uma empresa com dívida reconhecida por sentença desde 1996. A Justiça, durante o processo, admitiu a desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ) para atingir os bens dos devedores.

Inicialmente, apenas o pai da família estava no polo passivo da demanda – a mãe foi incluída em 2008. O credor alega que houve fraude à execução, por conta da transferência do apartamento para os filhos, com a manutenção do usufruto. Já a mãe alega, nos autos, que a doação foi feita antes de ser inserida na ação de cobrança e que os filhos não teriam como saber da execução.

A dívida se refere a uma indenização devida a um funcionário que sofreu um acidente de trabalho em 1993 na empresa. A companhia foi obrigada a custear o valor de uma prótese mecânica, inclusive honorários de especialistas e despesas decorrentes de viagens, além de pensão mensal de 1,455 salários mínimos até o trabalhador completar 65 anos e 100 salários mínimos por danos morais.

No julgamento, o relator do caso, ministro João Otávio de Noronha, entendeu que houve fraude à execução e que não é necessária a averbação da penhora na matrícula do imóvel para o reconhecimento da fraude. “O registro da penhora na matrícula do imóvel é dispensável para o conhecimento da fraude de execução em hipótese de doação entre ascendente e descendente configurar blindagem patrimonial em detrimento dos credores”, afirmou ele, durante a sessão.

O ministro completou o voto dizendo que “a constatação de ma-fé em doações familiares pode decorrer do vínculo familiar e do contexto fático que demonstre a intenção de frustrar a execução” (EREsp 1896456).

O caso chegou na Justiça por meio de uma ação movida pelos filhos para conseguir anular a penhora e preservar a propriedade, alegando ausência de fraude, o que foi reconhecido por sentença. A primeira instância, inclusive, aplicou a Súmula 375 do STJ, entendendo que havia a necessidade de ter sido gravado na matrícula do imóvel a penhora ou que fosse comprovada a má-fé. Mas o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) reformou a decisão.

O especialista em processo civil Rodrigo Forlani Lopes, sócio do Machado Associados Lopes, explica que a súmula não se aplicaria ao caso porque é uma situação de fraude entre familiares. “Não tem adquirente de boa-fé. A súmula protege a pessoa que fez a pesquisa para saber se o imóvel tinha penhora. Aqui os ministros tiraram a proteção porque tem um conluio e uma blindagem patrimonial”, afirma.

“A Súmula 375 é um indicativo contra a hipótese de fraude à execução” -— Gabriel Bragança

A fraude, segundo ele, ficou evidente pelo fato de a mãe ter doado o imóvel para os filhos e conservado o uso da propriedade. “Aqui não é uma presunção de má-fé, mas uma constatação de má-fé, porque a mãe se desfez do seu patrimônio para fraudar o devedor. Então, não precisa gravar a penhora no registro do imóvel, porque no simples ato de disposição do patrimônio em favor de familiares já está constatada a má-fé”, diz.

Para Lopes, a decisão é positiva, pois facilita o cumprimento de sentenças. “É muito comum hoje em ações de execução a frase do ‘ganhou, mas não levou’, porque os devedores se livram do patrimônio para não pagar”, afirma. “Esse tipo de decisão traz um alívio para quem está buscando saldar um crédito, porque traz mais ferramentas para ser caracterizada uma fraude à execução”, completa.

O advogado Gabriel de Orleans e Bragança, sócio do SOB Advogados, diz que a Súmula 375 é apenas um indicativo contra a hipótese de fraude à execução se não houver antes da venda do bem o registro da medida constritiva. “Se há prova de que o terceiro adquirente sabia que a venda do bem impediria a garantia ao processo de execução, essa prova elide a boa-fé do terceiro, de maneira que deve ser reconhecida a hipótese de fraude.”

Ele acredita que o voto do ministro Noronha deu uma interpretação correta do enunciado ao caso. “Sendo uma decisão em sede de embargos de divergência, tende a facilitar o cumprimento de sentença, em termos de segurança jurídica, porque os tribunais estaduais e federais seguirão com mais facilidade o precedente”, completa.

Da decisão, cabe recurso e somente após seu trânsito em julgado o imóvel vai a leilão para que a dívida seja paga. Os advogados da devedora, José Luís Nóbrega, do Nóbrega Advocacia, foi procurado pelo Valor, mas não deu retorno até o fechamento desta edição. O VVM Advogados, escritório que representa o credor, disse não foi intimado do acórdão e que não teria autorização para comentar o caso.

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR MARCELA VILLAR — DE SÃO PAULO

 

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