É urgente que se formalize, para se gerar segurança jurídica e tratamento isonômico, a não incidência do ITBI no divórcio quando há divisão igualitária da totalidade do patrimônio do casal.
De acordo com o artigo 156, II, da Constituição Federal, compete aos municípios instituir ITBI no caso de transferência onerosa de bens. Há municípios, todavia, que exigem o imposto mesmo em situações em que inexiste onerosidade, como ocorre em divórcios nos quais a partilha da totalidade do patrimônio do casal – não composto apenas por bens imóveis – é igualitária (50% para cada um).
É o caso do município de São Paulo que, embora replique o requisito constitucional da onerosidade (artigos 1º da Lei Municipal nº 11.154/91 e 1º do Decreto Municipal mº 55.196/14), no artigo 2º, VI, da Lei Municipal nº 11.154/91, contraditoriamente dispõe que incide ITBI se houver excesso de meação considerando apenas os bens imóveis constantes do patrimônio comum do casal.
Sucede que, na hipótese em que o casal possui bens móveis e imóveis, não é o conjunto de bens imóveis que deve ser considerado para a incidência ou não do ITBI, mas, sim, a totalidade do patrimônio comum do casal (a universalidade de bens).
Nesse caso, se a partilha do patrimônio é igualitária entre o casal, a transferência de parte dos imóveis com o único objetivo de justamente alcançar essa igualação de 50% ocorre a título não oneroso.
Na hipótese, por mais que eventualmente tenha havido excesso de meação da totalidade dos bens imóveis, em não tendo havido excesso de meação da totalidade do patrimônio, não há que se falar na incidência do ITBI, pois a transferência do imóvel para o outro ocorreu como mero ato de equalização.
É, pois, um ato simbólico, não oneroso, uma transferência sem ônus financeiro apenas com a finalidade de igualar a partilha, isto é, mera recomposição patrimonial por conveniência das partes.
Imagine-se o seguinte exemplo: um casal possui dois bens imóveis, sendo um de R$ 40.000,00 e um outro de R$ 60.000,00, e, ainda, aplicações financeiras de R$ 100.000,00, perfazendo um patrimônio de R$ 200.000,00.
Por mera conveniência, o casal acorda que os dois imóveis ficarão com um deles e as aplicações financeiras com o outro. Nesse caso, há partilha igualitária (R$ 100.000,00 para cada um), ainda que os bens imóveis fiquem com apenas um deles.
Sublinhe-se que, se houvesse excesso de meação sem indícios de compensação pecuniária, falar-se-ia em ITCMD, e não em ITBI.
Dito isso, o STJ, em acórdão proferido há 19 anos, entendeu que não haveria incidência do imposto pela ausência de onerosidade, sustentando que se estaria diante de mero resolvimento de uma situação patrimonial (EDcl nos EDcl no REsp 723.587/RJ, relatora ministra Eliana Calmon, 2ª Turma, DJ de 29/6/06).
No entanto, atualmente os tribunais superiores não têm apreciado o tema por entender que haveria matéria fático-probatória e, ainda, que haveria necessidade de análise da legislação local e, no caso do STF, de análise da legislação infraconstitucional.
No plano estadual, verifica-se jurisprudência majoritariamente favorável à não incidência do ITBI quando a divisão da totalidade do patrimônio do casal é partilhada de forma igualitária, pouco importando que um dos cônjuges tenha ficado com mais imóveis (TJSP, AC 1001942-85.2023.8.26.0053, 15ª Câmara de Direito Público, relatora Tania Mara Ahualli, publicado em 10/07/23).
Há, nos últimos cinco anos, ao menos 51 acórdãos do TJSP nesse sentido, tendo sido identificados pouquíssimos acórdãos contrários. Estes últimos ou se escoram unicamente no conjunto de bens imóveis – deixando de lado a universalidade de bens – ou, excepcionalmente, entendem ser necessária a produção de provas para a aferição da proporcionalidade da divisão (se igualitária ou não).
Sobre isso, sublinhe-se que a escritura pública de divórcio é documento oficial dotado de fé pública, fazendo prova plena, nos termos do artigo 215 do Código Civil (CC) e 731 do Código de Processo Civil (CPC). Nessa linha, não é documento que se coloca à prova ou se questiona. Por isso, se a escritura pública de divórcio atesta que a divisão foi igualitária, está-se diante de um fato incontroverso sobre o qual milita presunção legal de existência ou de veracidade, o que afasta quaisquer dúvidas ou a necessidade de dilação probatória, nos termos do artigo 374 do CPC. O mesmo ocorre quando o divórcio de dá por meio judicial, sendo que nesse caso a sentença é um meio de prova cabal.
Por fim, tramita na Câmara dos Deputados projeto de lei complementar (PLP 6/2023) para incluir o inciso III no artigo 36 do Código Tributário Nacional, dispondo sobre a não incidência do ITBI quando houver divisão igualitária da totalidade do patrimônio do casal.
Segundo a justificativa do projeto, “restando demonstrada que a divisão patrimonial se deu de forma não onerosa, cotejada à universalidade do patrimônio do casal para que se verifique eventual excesso de partilha, deve-se afastar a exigência de ITBI”.
Portanto, considerando que a incidência do ITBI depende de um ato oneroso, bem como levando-se em conta o citado posicionamento do STJ e dos tribunais de justiça, é urgente que se formalize, para se gerar segurança jurídica e tratamento isonômico, seja pela via legislativa, seja pela via judicial (por precedente de repercussão geral ou de recurso repetitivo), a não incidência do ITBI no divórcio quando há divisão igualitária da totalidade do patrimônio do casal, pouco importando a proporção da divisão dos bens imóveis, servindo a escritura pública de divórcio como comprovação da divisão igualitária.
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FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR LUIS REIS E MARCIO ABBONDANZA MORAD