O bom planejamento sucessório não atende à última moda, mas às demandas do planejador e da sua família.
Sempre que vou falar sobre planejamento sucessório, gosto de falar sobre os instrumentos mais comuns como se eles fossem ondas, movimentos que conduzem as pessoas, em hordas, a desejarem uma determinada estrutura para sua sucessão.
À medida que conversamos sobre essas tendências, é possível entender melhor a razão pela qual um determinado instrumento teve muito sucesso e, em seguida, os motivos que o levaram depois a ficarem démodé.
Entendo que a primeira onda aconteceu ainda no século passado, quando foi difundida a doação total (com ou sem reserva de usufruto) para os filhos, a fim de garantir que não houvesse inventário. Em um contexto de patrimônio mais imobilizado e perene, com as famílias muito mais estáveis, fazia sentido transmitir os bens aos filhos para se ter a sensação de missão cumprida. Além disso, comumente, naquele momento, os bens eram tributados pelo valor venal (bem menor que o de mercado), fazendo com que a doação não fosse custosa demais.
Acontece que a virada do século trouxe mais movimento ao patrimônio e às famílias, inclusive na longevidade. Os planejadores, com isso, perceberam que a doação tirava deles prerrogativas essenciais de proprietário e, com o usufruto, deixava, por muito tempo, todo mundo sem a plena propriedade dos bens.
Em seguida, no início desse século, veio o boom da holding. Engraçado como essa expressão é usada para tantas operações diferentes. Mas sob esse título estão as empresas de administração de patrimônio familiar. De repente, uma promessa de uma transmissão mágica, sem impostos, inventário e advogado. Tivemos um frisson no planejamento sucessório. Aliás, foi nesse momento que a expressão “planejamento sucessório” se consolida como um campo de estudo interdisciplinar.
Mas como toda solução mágica, desmanchou-se no ar. Não é que não seja um ótimo instrumento, só não é para todos os casos e precisa ser feito por excelentes profissionais. “Holdings” mal estruturadas eram desmoronadas em divórcios e inventários, descumprindo as promessas de paz familiar e patrimonial. Não bastasse, a pretensão de transmitir imóveis por valor venal ou cotas por valor nominal não passou desapercebida pelos Fiscos municipal e estadual, de maneira que transmitir cotas de empresas de administração de patrimônio familiar regularmente ficou caro.
Há mais ou menos doze anos, chegou a vez dos produtos de previdência privada ganharem os holofotes do planejamento. Eu tinha a impressão de que as pessoas eram laçadas na rua e convencidas de que era o melhor que poderiam fazer na vida. Certa vez um gerente disse a uma cliente minha, já bem idosa, que se ela não colocasse todo o dinheiro dela em um desses produtos, a família perderia metade na sucessão, sem fundamento.
De fato, havia uma vantagem clara de liquidez – o beneficiário recebe muito rápido os valores depois do falecimento do planejador. Ainda, como eles têm natureza securitária, não incidia o imposto de transmissão causa mortis – o ITCMD ou ITCD, que pode chegar a 8%. Por vantagens na sucessão ou diferimento de Imposto de Renda, a previdência privada ganhou o coração dos brasileiros, tornando-se bem popular.
Ocorre que as receitas estaduais, responsáveis pela cobrança do imposto de transmissão causa mortis e doação, reagiram a esse movimento. Segundo eles, se as pessoas estão colocando um bom valor em previdência privada com o objetivo de que esse dinheiro seja integralmente recebido por beneficiários quando da sua morte, isso não seria seguro, mas, na realidade, uma aplicação financeira. Com isso, Estados como Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul passaram a tributar esses planos. Isso sem falar em discussões sobre fraudes cometidas com esse formato, já que o planejador poderia indicar quem quisesse como beneficiário, correndo o risco de violar a legítima dos seus herdeiros necessários.
Na pandemia, eu diria que foi a temporada do testamento. Não que ele tivesse esquecido, até porque é como renda francesa – não sai de moda. Mas o planejamento por testamento mereceu bastante destaque nos tempos de isolamento social.
Todas essas informações são, na realidade, o contexto de um julgamento muito relevante do Supremo Tribunal Federal (STF) no final de 2024. Em razão de recursos do Estado do Rio de Janeiro e da Federação das Empresas de Seguros, o STF foi motivado a se manifestar sobre a pertinência da incidência de imposto de transmissão causa mortis sobre esse tipo de planejamento. E a resposta foi de que a cobrança de ITCMD sobre esses produtos é inconstitucional – tanto VGBL, quanto PGBL. Ambos têm natureza de seguro e não de herança.
Ou seja, um dos motivos que fez com que a previdência privada perdesse um pouco da sua atratividade desapareceu. Ficou decidido que não incide ITCMD no levantamento desses planos. Inclusive, se é caso de inconstitucionalidade, nunca deveria ter incidido.
Isso significa que devemos todos correr para colocar tudo na previdência privada? Claro que não. O bom planejamento sucessório não atende à última moda, mas às demandas do planejador e da sua família. Mas precisamos considerar essas alterações jurídicas para analisar o caso e precisamos admitir que, em tempos de voracidade fiscal, essa notícia é muito boa.
A decisão foi publicada no dia 8 de janeiro e já vale ter um olhar renovado para esses planos. E, claro, cobrar dos Estados os valores arrecadados indevidamente.
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FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR LAURA BRITO