Quando do julgamento do EREsp 1.517.492/PR, a 1ª Seção do STJ (Superior Tribunal de Justiça) pacificou o entendimento da não inclusão do crédito presumido de ICMS nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, ao fundamento de que a incidência de tributo federal sobre o incentivo fiscal de ICMS ofenderia o pacto federativo.
Posteriormente, em meados de 2023, ao julgar o Tema 1.182, a 1ª Seção do STJ entendeu que a exclusão dos demais benefícios fiscais — tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros — da base de cálculo do IRPJ e da CSLL estaria permitida desde que atendidos os requisitos previstos no artigo 30, da Lei nº 12.973/2014, isto é, o registro contábil à reserva de lucros e sua adequada destinação.
Não obstante o claro posicionamento favorável da discussão aos contribuintes, a Receita Federal do Brasil desconsiderou por completo a decisão do STJ e passou a notificar grandes contribuintes que excluíram benefícios fiscais de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, os quais supostamente estariam em situação irregular, facultando a regularização de débitos até julho de 2023, sem incidência da multa moratória (20%) e de ofício (75% ou mais, quando houver dolo ou fraude); ou o parcelamento do débito em até sessenta vezes por meio da adesão ao Programa Litígio Zero.
Adicionalmente, reforçando sua resistência ao quanto decidido pelo STJ, proferiu soluções de consulta, tais como a Cosit nº 253/2023 e a Disit/SRRF04 nº 4.009/2024, afirmando que “as decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça passam a ter efeito vinculante para a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil a partir da elaboração de manifestação pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, nos termos da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002″.
Subvenções fiscais para investimento
Ato contínuo, em resposta ao aparente insucesso das iniciativas administrativas da RFB e movido pelo desejo de aumentar a arrecadação, o Poder Executivo editou a Medida Provisória nº 1.185, de 2023, posteriormente convertida na Lei nº 14.789/2023, alterando substancialmente o tratamento tributário das subvenções para investimento, ao revogar: o artigo 30, da Lei nº 12.973/2014; § 2º, do artigo 38, do Decreto-Lei nº 1.598/77; inciso X, do § 3º, do artigo 1º, da Lei nº 10.637/2002; e inciso IX, do § 3º, do artigo 1º, da Lei nº 10.833/2003, que dispunham sobre a exclusão da subvenção de investimento da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Referida Lei nº 14.789/23 prevê, ainda, a autorregularização de débitos de IRPJ e CSLL apurados em decorrência de exclusões de subvenções de investimento realizadas em desacordo com o artigo 30, da Lei 12.973/14, com desconto de até 80%, a qual foi regulamentada pela Receita Federal, por meio da Instrução Normativa nº 2.184/24.
Desconto de tamanha proporção, além de incitar contribuintes que se encontravam amparados por decisão judicial e que se beneficiaram das subvenções nos exatos termos estabelecidos pelo artigo 30, da Lei nº 12.973/14, pode ser interpretado como um reconhecimento por parte da Receita Federal acerca das limitações legais de sua posição na intenção de tributar incentivos fiscais pelo IRPJ e CSLL, especialmente considerando as alterações promovidas pela Lei nº 14.789/23.
Acréscimo patrimonial por transferência de recursos
Seguindo a mesma linha, nos últimos dias do ano, mais precisamente em 26 de dezembro de 2024, mantendo a prática de publicar atos ao fim do exercício, possivelmente para mitigar a repercussão e dificultar reações imediatas, a Receita Federal editou o Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 4, de 4 de dezembro de 2024. O referido ato reforça a tentativa de limitar os efeitos do entendimento firmado pelo STJ no Tema 1.182, ao estabelecer que o acréscimo patrimonial decorrente de transferências de recursos qualificados como subvenções para investimento, realizadas por pessoas jurídicas de direito público, não deve ser computado na apuração do lucro real, desde que atendidos os requisitos do artigo 30, da Lei nº 12.973/2014, bem como do artigo 198, da Instrução Normativa RFB nº 1700/2017.
O ADI também determina que a exclusão de receitas de subvenção da base de cálculo do IRPJ e CSLL está condicionada à efetiva comprovação de acréscimo patrimonial, documentada em conformidade com as normas contábeis aplicáveis. Destaca-se, ainda, a limitação da dedução apenas ao valor correspondente ao incremento patrimonial, o que pode excluir benefícios fiscais, como isenções e diferimentos, bem como redução de base de cálculo.
Essa abordagem interpretativa, já sinalizada em comunicados anteriores da Receita, como o publicado em setembro de 2024 no site institucional, revela mais uma tentativa de restringir os efeitos do Tema 1.182, refletindo os recorrentes esforços e manobras do governo federal para limitar a abrangência do entendimento firmado pelo STJ nesse julgamento.
De toda forma, em que pese a atuação desenfreada por parte da Receita Federal, os eventos pretéritos continuarão a ser regidos pelas normas revogadas (dispositivos da Lei nº 12.973/14) e, igualmente, se sujeitarão ao mesmo panorama jurisprudencial consolidado pelo STJ. Ao passo que as novas regras representam um novo arcabouço jurídico e, por esta razão, serão submetidas a novos debates, cujo deslinde possivelmente desaguará em uma nova maré interpretativa e invariavelmente formará uma nova “jurisprudência”.
FONTE: CONSULTOR JURÍDICO – POR PRISCILA MARTINS MERLO E HUMBERTO ALMEIDA