Grupo Itaiquara Alimentos S/A poderá convocar assembleia para discutir também venda de UPI e passivo tributário.
A 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) permitiu a reabertura da recuperação judicial do Grupo Itaiquara Alimentos S/A, encerrada por uma sentença em março deste ano. A empresa pedia a retomada do processo a fim de buscar autorização dos credores para financiamento DIP (debtor-in-possession ou devedor em posse, na tradução literal) de R$ 85 milhões, assim como para a venda de ativos avaliados em R$ 480 milhões e regularização do passivo fiscal estadual.
A decisão, dada na sessão de ontem, é incomum e existem poucos precedentes, segundo especialistas. O próprio resultado do julgamento, estendido, mostra essa situação: três desembargadores foram a favor da reabertura, contra dois que negaram provimento ao recurso da companhia, sendo um deles o próprio relator, Natan Zelinschi de Arruda, que saiu vencido.
Prevaleceu o voto do desembargador Mauricio Pessoa, que estipulou um prazo para a reestruturação, de 120 dias, improrrogáveis. Após esse período, se o grupo não conseguir resolver as pendências, o processo se encerra. O que pesou no voto do desembargador foi que essas questões foram “constituídas no curso regular da recuperação”, além de serem “relevantes para o soerguimento da empresa.
“Entendo que há razões relevantes suficientes, especialmente no que diz respeito à regularização fiscal para diferir-se a recuperação judicial, ainda mais quando não se verifica o propósito abusivo no diferimento propriamente dito”, afirmou ele, durante a sessão (processo nº 1001798-97.2019.8.26.0103).
Mauricio Pessoa levou em conta que, apesar de o juízo recuperacional manter a competência para decidir sobre o patrimônio da empresa até o trânsito em julgado da sentença de encerramento, “não é mais competente para julgar as questões surgidas no curso da recuperação judicial”.
“Há risco do prazo concedido não ser suficiente, embora bastante dilatado” – Joana Bontempo
Ele citou precedente do Rio de Janeiro e da própria 2ª Câmara no caso da Sabó Indústria e Comércio de Autopeças, em que houve a venda da UPI, mas a alienação não chegou a ser homologada pelo juízo, que decretou o encerramento do processo. O TJSP reformou a sentença para permitir a conclusão da venda e impedir a sucessão da dívida para o comprador (processo nº 1037522-74.2019.8.26.0100).
No caso do Grupo Itaiquara, porém, a venda ainda não foi iniciada e não há propostas de compradores. Esse, inclusive, foi um dos motivos para o relator Natan Zelinschi de Arruda negar provimento ao recurso. “Esse argumento vem ocorrendo há longo tempo, mas sequer uma única proposta, uma única avaliação foi apresentada nos autos”, disse.
Ele, que foi acompanhado por Jorge Tosta, também defendeu que o prazo de 120 dias pode não ser possível para resolver o caso. Isso porque a apelação foi proposta no dia 7 de julho e, desde essa data, nada andou. “Todo esse período vem se arrastando aí e nunca foi apresentado nada de concreto. Sempre fazendo referência de narrativas”, completou ele, citando ausência de protocolo de regularização do passivo fiscal.
Já Sérgio Shimura e Grava Brazil seguiram a divergência apresentada por Mauricio Pessoa. “Havendo pendência, acho difícil de proclamar o encerramento”, afirmou Grava Brazil. Ele concordou com o prazo de quatro meses pois evita “inércia da recuperanda”, até porque “uma vez encerrada a recuperação, não vai mais ser possível ter a venda de UPI, empréstimo DIP. Isso fica em outro contexto”.
O advogado do Grupo Itaiquara, Joel Luís Thomaz Bastos, do TWK Advogados, diz que o prazo de 120 dias será “mais que suficiente” para votar o aditivo ao plano. Ele vai pedir a convocação da assembleia de credores assim que o acórdão for publicado. “Depois de feito isso, aí sim a gente pede a extinção e o encerramento da recuperação”, afirma.
Na visão dele, a decisão foi acertada. “A lei é clara. Quem tem que decidir o futuro da recuperanda são os credores e havia uma convergência de interesses. Por que o Judiciário meteria o dedo para não deixar isso ser feito?”
A advogada Joana Bontempo, do CSMV Advogados, avaliou como correta a decisão, mas entende ser complexo fixar prazos improrrogáveis. “São atos judiciais de convocação de assembleia, de publicação de edital, que dependem de cartório. Há um risco desse prazo não ser suficiente, embora bastante dilatado.”
Ela diz ainda que após a reforma da lei, em 2020, por meio da Lei nº 14.112, muitas recuperações judiciais que se arrastavam há anos foram arbitrariamente encerradas, depois do biênio de fiscalização. “Do ponto de vista técnico e jurídico, partindo do pressuposto da lei, está correto, mas o encerramento indiscriminado, às vezes, pode não ser o melhor interesse de todas as partes, afirma. Para ela, o encerramento precisa ser ponderado caso a caso.
O Grupo Itaiquara diz, nos autos, que com o DIP a ser celebrado junto à Virgo, R$ 38,5 milhões servirão para pagar os credores, R$ 11,2 milhões para quitar acordos na Justiça do Trabalho e outros R$ 37,5 milhões para a compra de melaço, matéria-prima para a produção de fermento, principal produto do ramo de alimentos do grupo.
FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR MARCELA VILLAR – DE SÃO PAULO