3ª Turma da Corte entendeu que recursos devem ser tratados como receita financeira.
Os contribuintes conseguiram, no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), um importante precedente sobre a tributação de rendimentos obtidos com a venda de créditos de descarbonização (CBIOs). A 3ª Turma, de forma unânime, entendeu que esses recursos devem ser tratados como receita financeira, e não receita bruta, o que reduz o PIS e a Cofins a pagar.
Essa é a primeira decisão de segunda instância nesse sentido da qual se tem notícia. Na prática, segundo especialistas, o entendimento do TRF-3 acaba por fomentar atividades que contribuam para reduzir a emissão de gás carbônico.
Os CBIOs foram estabelecidos pela Política Nacional de Biocombustível (RenovaBio), instituída pela Lei nº 13.576/17, para que distribuidores de combustíveis possam cumprir as metas individuais de redução das emissões de gases de efeito estufa. São emitidos pelo importador ou produtor de biocombustível a cada tonelada de gás carbônico que deixou de ser emitido graças ao uso do produto no lugar do combustível fóssil. Com essa política, o Brasil atende aos compromissos associados às mudanças climáticas assumidos no âmbito do Acordo de Paris, em 2015.
O caso julgado é de uma usina de açúcar e álcool no interior paulista. No recurso, sustenta que os valores obtidos com a venda de CBIOs não devem ser tratadas como “receitas decorrentes da prática das operações típicas, previstas em seu objeto social”, mas como “receitas financeiras”, já que são comercializados no mercado de capitais e considerados ativos financeiros pela Resolução CVM nº 175/2022 e pelo Decreto nº 11.075/2022.
Para a Fazenda Nacional, porém, os créditos de descarbonização geram receitas aos produtores de biocombustíveis que devem integrar a base de cálculo do PIS e da Cofins, “pois tais valores decorrem diretamente da sua atividade produtiva, enfeixando-se no seu objeto social (produção de etanol)”.
“Reforma traz em diversos aspectos o princípio de proteção ao meio ambiente” — Camila Galvão
Com a decisão, podem ser aplicadas as alíquotas de 0,65% de PIS e 4% de Cofins, conforme o artigo 1º do Decreto nº 8.426/2015. Se a natureza fosse de receita bruta, as alíquotas seriam de 1,65% e 7,6%, respectivamente, no regime não cumulativo.
Prevaleceu no julgamento, o entendimento do relator, o desembargador federal Rubens Calixto. Para ele, o CBIO é um título de natureza financeira, “que se dissocia das receitas diretas, ainda que se origine da atividade produtiva, fato, aliás, comum a vários tipos de títulos e receitas, como acontece também com debêntures e valores aplicados no mercado financeiro” (processo nº 5028277-80.2022.4.03.6100).
Ele acrescenta, em seu voto, que o “nexo apenas mediato com a atividade produtiva, portanto, não justifica a descaracterização do CBIO como espécie de ‘receita financeira’”. “Claro sintoma disso é a negociação destes títulos nos mercados de capitais, inclusive estrangeiros”, afirma o desembargador. “Incoerente seria submetê-lo a tratamento tributário comum, na contramão dos objetivos governamentais e internacionais, neutralizando, em parte, os seus efeitos positivos.”
A advogada Camila Galvão, sócia do escritório Machado Meyer Advogados, considera a decisão acertada. Ela lembra que o título emitido é negociado em mercado organizado e os recursos obtidos pelo seu emissor “representam para ele incentivo financeiro à produção/importação do biocombustível, proporcionando maior capacidade de investimento em inovação e tecnologias”.
Fábio Pallaretti Calcini, sócio do escritório Brasil Salomão e Matthes Advocacia, destaca a natureza do CBIO, na linha da decisão judicial, como um ativo financeiro ambiental e que traz como consequência a não incidência do Senar, o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural, e do Funrural, o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural para as agroindústrias. Ambos somam alíquota de 2,85% sobre a receita bruta obtida com a comercialização da produção.
A incidência do Funrural sobre a venda de créditos de descarbonização está prevista na Lei nº 8.212/91 (agroindústria) e na Lei nº 8.870/94 (empregador pessoa jurídica que se dedique à produção rural).
“Se a emissão primária de CBIOs não se enquadra nem como receita bruta nem como resultado da comercialização de produção rural ou agroindustrial, não há de se falar em incidência do Funrural. Afinal, não existe produção rural ou agroindustrial de CBIOs”, diz Calcini.
Para Camila Galvão, os impactos da reforma tributária nesse mercado também devem ser analisados. A reforma tributária, afirma, traz em diversos aspectos, de forma mais contundente que o sistema tributário em vigor, o princípio de proteção ao meio ambiente. Ela cita os princípios que regem a incidência do Imposto Seletivo e a obrigatoriedade de o biocombustível ter tratamento diferenciado em relação aos combustíveis fósseis.
No entanto, acrescenta, não está especificada a tributação dos CBIOs e há risco de aumento da carga fiscal em decorrência da potencial incidência do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). “Há que se avaliar ainda o efeito de eventual tributação na cadeia, considerando a possibilidade de recuperação desses créditos”, afirma Camila.
Octávio Rosa, também do Machado Meyer Advogados, destaca que “a depender da regulamentação e sobretudo da interpretação que será dada pelas autoridades tributárias, é possível que essas operações fiquem sujeitas à tributação, o que geraria um possível ônus adicional de IBS, o que hoje não se vê com o ICMS e ISS”.
FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR ADRIANA DAVID — DE SÃO PAULO