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CARF MANTÉM COBRANÇAS DE IMPOSTO DE RENDA POR USO DE FIP EM OPERAÇÕES SOCIETÁRIAS

21 de novembro de 2024

Em caso recente, ex-diretor-presidente de braço da Qualicorp foi acusado de “simulação”.

Os contribuintes estão sendo derrotados, no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), na discussão sobre o uso de Fundo de Investimento em Participações (FIP) em operações societárias. Uma nova decisão jogou um balde de água fria no mercado. Por unanimidade, a 2ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 2ª Seção entendeu, em um caso envolvendo um ex-diretor-presidente de um dos braços da Qualicorp no setor de planos de saúde, que fundos foram usados só para reduzir e adiar o pagamento de Imposto de Renda.

A discussão é relevante porque, há anos, o uso de FIP é comum nessas transações. Contudo, já há mais de uma dezena de acórdãos do Carf favoráveis à Fazenda Nacional. Ao analisar a união da Tinto Holding com a JBS, no ano de 2009, por exemplo, a 1ª Turma da Câmara Superior do Carf manteve uma autuação de cerca de R$ 4 bilhões por uso indevido de FIP na operação (processo nº 16561.720170/2014-01). O caso foi parar no Judiciário. Por isso, uma decisão favorável ao contribuinte no Carf é bastante esperada.

Nesse caso mais recente, a Receita Federal exige o pagamento de IRPF, acrescido de multa de ofício qualificada de 150% e juros de mora. Isso porque, segundo a fiscalização, teria havido omissão de R$ 14 milhões de ganho de capital auferido na venda de 25% de ações das empresas Aliança Administradora de Benefícios de Saúde S/A e GA Corretora de Seguros Consultoria Administração e Serviços S/A pelo ex-diretor ao grupo Qualicorp.

O “pagamento” por essa venda, segundo fontes, teria sido feito por meio de cotas de dois fundos – Algarve Fundo de Investimento em Participações e Fundo de Investimentos Multimercado Victoria 007. Ambos teriam sido criados, conforme a Receita, com o objetivo de ocultar a venda de ações pelo executivo.

Na transação entre empresas, o IRPJ e a CSLL somam 34%. Por meio do FIP, segundo a regra na época, aplicava-se alíquota entre 15% e 22,5% somente no momento do resgate do dinheiro do fundo. Por isso, para o Fisco, ocorreu um planejamento tributário ilícito por meio de “simulação” na venda de parte das ações da Aliança Administradora e da GA Corretora para o grupo Qualicorp.

O executivo contestou o auto de infração fiscal recebido. Porém, por unanimidade de votos, a Delegacia Regional de Julgamento da Receita Federal rejeitou a contestação e o processo foi a julgamento no Carf.

No Conselho, a relatora, conselheira Angélica Carolina Oliveira Duarte Toledo, concluiu que “denota-se a intenção dolosa de impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal”. Para ela, a estrutura adotada desnatura as causas e efeitos típicos dos fundos de investimentos.

“Ilicitamente, buscou-se reduzir a carga tributária, impedindo que o fato gerador do ganho de capital na alienação de participação societária pela pessoa física do recorrente, ou, no mais, retardando a ocorrência para quando ocorresse a amortização pelos fundos”, diz em seu voto (acórdão nº 2302-003.842).

O contribuinte foi beneficiado, no Carf, em relação ao percentual da multa qualificada. O montante de 150% foi reduzido para 100% por aplicação retroativa da Lei nº 9.430, de 1996 (artigo 44, parágrafo 1º, inciso VI).

Por meio de nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirma que houve distorção do uso dos FIPs. “Utilizou-se o fundo como entidade interposta para promover a venda desse ativo, evitando a tributação devida”, diz a nota. “A artificialidade da interposição dos fundos e o descumprimento das finalidades previstas na legislação que regula essas entidades [instruções CVM] conduziram às decisões que determinaram a tributação dos ganhos nas pessoas físicas.”

Para Pedro Moreira, sócio do CM Advogados, a decisão do Carf indica que os gestores de FIP devem ter cautela. Segundo ele, a estruturação desse tipo de fundo foi muito usada por empresários por ser regulamentada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). “Além de trazer benefício tributário de Imposto de Renda, o FIP pode ser útil para a gestão dos ativos já que exige auditoria e governança.”

Contudo, diz Moreira, o Fisco tem olhado essas estruturas com ressalva. “O artigo 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, permite ao Fisco desconsiderar um negócio jurídico se entender que o objetivo é dissimular”, afirma. “Porém, sua aplicação é um tanto quanto subjetiva e dá margem para eventuais abusos da Receita”, acrescenta.

Sérgio Presta, sócio do escritório Azevedo Rios e Presta Advogados, destaca que se a estruturação da operação tiver um fato negocial por trás, que justifique a criação do FIP, não haverá problema. “O FIP é criado para se investir capital na empresa, por exemplo, para a aquisição de maquinário, de forma mais rápida e com juros mais baixos do que o empréstimo de um banco”, diz.

Essa decisão recente do Carf, de acordo com Presta, mostra que a Receita vai, provavelmente, desconstituir a estruturação de FIP caso veja fraude na operação, “se entender que o fundo foi constituído sem um propósito negocial”.

Por meio de nota, a Qualicorp informa que “a questão diz respeito à situação fiscal/tributária do executivo na pessoa física e não tem nenhuma relação com a empresa”.

O advogado Daniel Vitor Bellan, sócio do escritório Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich e Schoueri, que representa o executivo no processo, afirma que já foram apresentados embargos de declaração “em função de algumas omissões e erros de fato constantes do acórdão”.

A principal das omissões, afirma, foi a ausência de análise da extensa documentação comprobatória acerca do propósito negocial. O advogado destaca também que o Imposto cobrado no auto de infração já foi integralmente recolhido. “Parte no momento da integralização da participação societária nos fundos, o que já foi reconhecido e cancelado pelo acórdão, e parte no momento das amortizações realizadas posteriormente, o que reforça a inexistência de propósito exclusivamente tributário para a criação dos fundos.”

Essa discussão interessa o mercado, principalmente em relação a operações societárias realizadas com o uso de FIP até a entrada em vigor da Lei nº 14.754/23. A nova legislação mudou a tributação de fundos fechados. Alguns FIPs passaram a ser tributados periodicamente, pela sistemática chamada de come-cotas.

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR LAURA IGNACIO — DE SÃO PAULO

 

 

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