A Emenda Constitucional 132 promoveu uma significativa alteração no sistema tributário nacional, em especial a partir da criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
Com competência compartilhada entre municípios, estados e Distrito Federal, ele será instituído por lei complementar editada pelo Congresso, que constituirá legislação única e uniforme em todo o território nacional, ressalvadas alíquotas.
De forma a assegurar a autonomia da gestão tributária dos entes subnacionais, a EC 132 também previu que lei complementar disciplinará a fiscalização, o lançamento, a cobrança, a representação administrativa e a representação judicial relativos ao IBS, que serão realizados, no âmbito de suas respectivas competências, pelas administrações tributárias e suas respectivas procuradorias.
O desafio, entretanto, surge visto que a EC 132 não criou apenas o IBS, mas também a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), sua “gêmea siamesa”, que deve ter idênticos sujeitos passivos, fatos geradores, bases de cálculo, hipóteses de não incidência, regras de não cumulatividade e de creditamento e regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação.
O artigo 156-B da Constituição previu que os entes subnacionais, por meio do Comitê Gestor do IBS, terão competência de editar regulamento único, uniformizar a interpretação e a aplicação da legislação do imposto e decidir o contencioso administrativo.
O PLP 108/2024, cujo texto base foi aprovado na Câmara dos Deputados, tratou do assunto e estabeleceu que o Comitê Gestor terá a competência de disciplinar a aplicação padronizada de regimes especiais de fiscalização e deverá coordenar, em âmbito administrativo e judicial, a adoção dos métodos de solução adequada de conflitos, para estabelecer a padronização de critérios para sua realização. O comitê tem ainda competência de coordenar as atividades de fiscalização, atribuição que será exercida pela Diretoria de Fiscalização para as atividades de arrolamento administrativo de bens.
Judicialização do IBS e da CBS
O processo administrativo tributário do IBS é regulado pelo PLP 108. O contencioso administrativo tributário se instaura com a impugnação do lançamento do crédito, de cuja decisão cabem recurso de ofício, se a decisão é contrária à Fazenda Pública, ou recurso voluntário, se contrária ao contribuinte. Se a decisão de segunda instância der ao tema interpretação divergente da que lhe haja atribuído outra decisão de segunda instância, será possível um recurso de uniformização dirigido à Câmara Superior do IBS. Quando julgamentos sobre a mesma questão de direito se tornarem repetitivos, será possível a proposição de incidente de uniformização.
Ocorre que vivemos em um país com alta litigiosidade fiscal, onde as controvérsias tributárias não resolvidas nos tribunais administrativos (usualmente pró-fisco) acabam desaguando no Judiciário. Daí porque é natural esperar que IBS e CBS, a exemplo dos substituídos ISS, ICMS, IPI, PIS e Cofins, sigam o mesmo caminho. Dado que IBS e CBS são gêmeos siameses, também é natural esperar que qualquer controvérsia sobre os aspectos tratados no artigo 149-B da CF envolva ambos os tributos, o que fará com que o contribuinte prudente coloque a União e o ente subnacional no polo passivo, deslocando a competência de apreciação da controvérsia do IBS das varas da Fazenda Pública municipais ou estaduais para as varas cíveis federais, onde estará a discussão da gêmea CBS.
À parte do desafio de competência jurisdicional, haverá o desafio de manter o caráter idêntico da CBS e do IBS, regidos por legislação única e uniforme em todo o território nacional, por conta de eventuais discrepâncias jurisprudenciais resultantes de ações anulatórias e de mandados de segurança, por exemplo.
Isso sem falar da potencial diversidade de interpretações em embargos à execução, que poderão ser díspares, se a execução fiscal de IBS e CBS de mesmo período de competência forem divididas entre a justiça estadual e a federal. Dado que o IBS será devido na localidade de destino da operação, a diversidade de interpretações jurisprudenciais poderá ser caótica para contribuintes com atuação em todo o território nacional.
Varas especializadas
Os aspectos da judicialização dos novos tributos não foram tratados na EC 132, que apenas introduziu entre as competências do STJ, processar e julgar, originariamente, os conflitos entre entes federativos, ou entre estes e o Comitê Gestor do IBS, relacionados a esses tributos. Impõe-se, portanto, cuidar das controvérsias judiciais sob a perspectiva dos contribuintes e dos agentes do Direito.
Uma sugestão seria a criação de varas especializadas em IBS em cada unidade da federação, eventualmente concentradas na capital ou em determinadas comarcas que atrairiam a competência das demandas originadas nas demais integrantes da circunscrição judiciária. Isso poderia facilitar a interpretação uniforme da legislação do IBS, algo que seria reforçado pela criação de câmaras especializadas nos Tribunais de Justiça. Dado que, mesmo assim, poderiam se construir discrepâncias jurisprudenciais ao longo do tempo, ao fim e ao cabo, caberia ao STJ uniformizar o entendimento.
Como nunca tivemos um tributo federal espelhado em um tributo compartilhado pelos entes subnacionais, espera-se que o Poder Executivo e o Congresso atentem às particularidades do Judiciário para que se implemente um sistema eficaz de solução de disputas.
FONTE: CONSULTOR JURÍDICO – POR EDUARDO SZAZI