Situação ameaça universalização do acesso ao esgoto, segundo especialistas
A regulamentação da Reforma Tributária que tramita no Congresso Nacional deve aumentar a carga de impostos das companhias de saneamento básico e pode comprometer os serviços e investimentos no setor, de acordo com especialistas e entidades da área.
Projeções de associações do setor apontam que a regulamentação aprovada pela Câmara e em discussão no Senado fará com que a carga tributária salte dos atuais 9,25% para uma alíquota “cheia”, estimada em cerca de 27,5%. Representantes de prestadores de serviço do setor alegam que esse aumento levará a uma redução da capacidade de investimento, o que ameaça a meta de universalização do saneamento básico até 2033, estabelecida pela legislação atual.
O tema foi debatido no evento “Reforma Tributária e os Riscos para a Universalização do Saneamento”, realizado pelos jornais O Globo e Valor e pela rádio CBN, com patrocínio da Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon Sindicon) e da Associação Brasileira de Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe).
Líder do governo no Senado, o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP) afirmou que a situação ameaça as conquistas alcançadas com o novo Marco Legal do Saneamento, estabelecido em 2020.
— Muito foi feito pela universalização do saneamento básico, mas ainda há muito para ser feito. E o texto da Reforma Tributária, conforme veio da Câmara dos Deputados, não está à altura dessa necessidade do Brasil e dos brasileiros — disse o senador, que garantiu que o governo vai trabalhar para reverter o que foi estabelecido no texto aprovado na Câmara. — Vamos buscar junto à Câmara para que essa retificação seja consolidada.
O projeto de lei prevê a unificação dos tributos federais PIS, Cofins e IPI, o estadual ICMS e o municipal ISS em um único imposto sobre bens e serviços. No entanto, o texto da regulamentação não estabelece um tratamento diferenciado ao saneamento, como acontece com os serviços de saúde, por exemplo. O deputado federal Fernando Marangoni (União-SP) defende que as duas questões sejam equiparadas no sistema tributário.
— A proposta vai na contramão das recomendações internacionais e do próprio reconhecimento do saneamento como serviço de saúde pública — ressaltou.
Um estudo da consultoria GO Associados em parceria com a Abcon/Sindcon mostra que o aumento dos tributos também chegará aos bolsos do consumidor e estima que a reforma poderá elevar as tarifas em até 18% para todos os consumidores. Isso também deve atingir os beneficiários da tarifa social, que têm direito ao cashback (devolução de parte do imposto), segundo o presidente do Conselho de Administração da Abcon/Sindcon, Roberto Barbuti.
— Mesmo com cashback, também terão um aumento esperado de 6,5%, e por conta disso eu queria que ficasse essa mensagem de que saneamento é saúde, e nós vamos trabalhar com a neutralidade tributária para o setor — afirmou.
O vice-presidente da Aesbe, Ricardo Soavinski, argumentou que os serviços prestados à população serão prejudicados caso não haja reequilíbrio prévio dos contratos.
— Se não houver correção nos contratos, as perspectivas de investimento no saneamento ficarão comprometidas, afetando diretamente a qualidade e a cobertura dos serviços. O saneamento e a saúde estão intrinsecamente ligados; onde o saneamento é bem implementado, as taxas hospitalares caem. Investir em saneamento é, portanto, investir em saúde pública — defendeu.
Na visão do senador Eduardo Gomes (PL-TO), a questão não foi tratada com a devida atenção na Câmara dos Deputados, mas deve ser corrigida no Senado.
— Depois de tudo que a gente viu nas ruas brasileiras e ninguém falar que defende essa tributação, fica mais fácil para quem vive do exercício do voto defender que se estabeleça definitivamente na reforma tributária a regulação do saneamento como serviço de saúde — garantiu.
Hoje, mais de 33 milhões de pessoas vivem sem acesso à água potável e 88 milhões não têm coleta de esgoto, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, que atestam que o problema tem um impacto ainda maior nas regiões Norte e Nordeste.
Segundo estudo desenvolvido pelo Instituto Trata Brasil, crianças que não têm acesso ao saneamento básico durante a primeira infância, entre os 0 e 2 anos, têm um prejuízo muito grande no desenvolvimento físico, intelectual, neurológico e cognitivo.
— Essa criança que não tem acesso ao saneamento chega na avaliação do Saeb (que mede a qualidade da educação básica) no quinto ano sem conseguir ver horas no relógio, sem conseguir calcular, sem conseguir entender ironias em revistas de quadrinhos. Depois, no final da adolescência, a gente tem um atraso médio escolar de 1,8 anos e uma renda média no futuro R$ 1.200 abaixo de quem tem acesso ao saneamento — ressaltou Luana Pretto, Presidente Executiva do Instituto Trata Brasil.
FONTE: FOLHA DE PERNAMBUCO