O ideal é que busquem uma decisão judicial para evitar questionamentos do Fisco e, sobretudo, um aumento indevido da carga tributária
As cooperativas de saúde enfrentam diversos desafios tributários em razão de suas atividades possuírem natureza dúplice. Ou seja, são cooperativas no aspecto constitutivo formal e operadores de planos de saúde, no viés econômico-operacional (artigo 1º da Lei 9.656/1998). Tal fato apresenta reflexos diretos no momento de apuração das contribuições PIS/Cofins. Isso porque existem normas tributárias aplicadas especificamente às cooperativas (Lei nº 5.764/1971) e as deduções previstas às operadoras de planos de saúde (artigo 3º, parágrafo 9º da Lei nº 9.718/98).
Daí que, atualmente, tais sociedades são contribuintes das respectivas contribuições incidentes sobre o seu faturamento e, também, caso realize deduções permitidas por lei, estão sujeitas, conforme determinação da Receita Federal do Brasil, ao recolhimento da contribuição ao PIS/Pasep incidente sobre sua folha de salários sob alíquota de 1%.
Pois bem, importante rememorar que a competência tributária do PIS/Pasep sobre a folha de salários foi outorgada à União através do artigo 195 da Constituição Federal de 1988, onde é prevista a instituição de contribuições sociais destinadas ao financiamento da seguridade social. No âmbito infraconstitucional, sua instituição ocorreu através da vigência do artigo 2º, II, da Lei nº 9.715/1998, estabelecendo que tal tributo será devido pelas entidades sem fins lucrativos definidas como empregadoras pela legislação trabalhista e as fundações.
Nessa linha, tem-se que a Medida Provisória nº 2.158-35/2001 (convertida em lei) introduziu em nosso ordenamento jurídico um rol taxativo de contribuintes do PIS-Folha e, consequentemente, revogou a disposição prevista no artigo 2°, II, da Lei nº 9.715/1998 acima citada. Mais especificamente, aquelas sociedades que, conforme lista taxativa existente na Instrução Normativa nº 2121/2022, pelo caráter social de suas atividades, são isentas/imunes ao recolhimento das contribuições PIS/Cofins sobre o faturamento.
No entanto, o Fisco federal alarga o rol de sujeitos passivos do PIS-Folha ao estabelecer, no artigo 301 da Instrução Normativa nº 2121/2022, que as sociedades cooperativas em geral, nos meses em que fizerem uso de determinadas exclusões legais, além da contribuição para o PIS/Pasep incidente sobre o faturamento, deverão também efetuar o pagamento da contribuição para o PIS/Pasep incidente sobre a folha de salários.
Inclusive, recentemente a Solução de Consulta nº 198/2024 expõe que as cooperativas podem excluir da base de cálculo das contribuições PIS/Cofins os valores e receitas previstos em lei desde que efetuem o recolhimento do PIS incidente sobre a folha de salários. Para tanto, fundamentam que a incidência para tais cooperativas está prevista no artigo 15, parágrafo 2º, I, da Medida Provisória nº 2.135/01. No entanto, conforme já bem decidido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), o dispositivo em questão é direcionado apenas às cooperativas dedicadas ao exercício de atividades produtivas, em especial no âmbito de produção agrícola.
Ora, sabe-se que o ordenamento jurídico tributário é dividido entre fontes primárias e secundárias. Com efeito, são fontes primárias de nosso ordenamento, em ordem hierárquica, a Constituição Federal, as emendas constitucionais, as leis complementares, leis ordinárias e as medidas provisórias convertidas em lei. Já as normas secundárias são subdivididas, em ordem hierárquica, em decretos e normas complementares.
Em relação às normas complementares, nada mais são que diretrizes e orientações emitidas pelas autoridades tributárias competentes, inseridas em nosso sistema tributário através de portarias, instruções normativas, circulares, decretos etc. Tais normas têm a finalidade de complementar as normas introduzidas pelas fontes primárias.
Nessa linha, é incontroverso que a validade das instruções normativas (fontes secundárias) depende do cumprimento rigoroso dos limites estabelecidos pelas normas originadas pelas fontes primárias às quais estão subordinadas. Portanto, se essas instruções normativas incluírem em seu texto uma disposição que contrarie a hierarquia normativa existente, são claramente ilegais.
Assim, ao contrário do que entende o Fisco, a tributação das cooperativas de saúde pelo PIS/Pasep sobre sua folha de salários não encontra respaldo legal. A Medida Provisória nº 2.158-35/2001 (convertida em lei), legislação específica sobre a matéria, prevê que a contribuição para o PIS/Pasep será determinada com base na folha de salários, à alíquota de 1%, quando a pessoa jurídica se enquadrar em uma das hipóteses previstas nos incisos I a X do artigo 13 e em seu artigo 15, o que não é o caso.
Inclusive, o tema já foi julgado pelo TRF-4 nos autos n° 50039 59-72.2020.4.04.7200. Na ocasião, a Corte reconheceu que as cooperativas de trabalho médico não se sujeitam à incidência da contribuição ao PIS sobre a folha de salário, nos exatos termos citados no parágrafo anterior.
Ocorre que, em razão de posicionamentos vigentes e vinculantes da Receita Federal, as cooperativas de saúde somente terão segurança jurídica após algum posicionamento vinculante dos tribunais superiores. Até lá, o ideal é que busquem uma decisão judicial para evitar questionamentos do Fisco e, sobretudo, um aumento indevido da carga tributária. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.
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FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR CASSIUS LOBO