Índice dessas companhias em situação regular triplicou e alcançou 30%, segundo o órgão
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) estima que ao menos R$ 60 bilhões da dívida ativa da União já foram regularizados por meio acordos de transação tributária firmados com empresas em recuperação judicial, já quitados ou em parcelamento. Desde abril de 2020 – quando esse tipo de negociação começou a ser feita -, o índice de contribuintes em recuperação judicial em situação regular triplicou e alcançou 30%, segundo informou o órgão.
A principal razão desse avanço, explicam especialistas, é o clima de cada vez maior empatia entre a PGFN e empresas em processo de restruturação ou falência. Recentemente, dois casos emblemáticos foram a celebração de acordo com a rede de ensino em recuperação judicial Ulbra – em que uma dívida total de R$ 6,2 bilhões caiu para R$ 622 milhões – e com a Telexfree, que está em vias de encerrar sua falência após a redução de uma cobrança de R$ 5 bilhões em 89%.
Além disso, poderá ser votada, em assembleia de credores, a proposta da Fazenda Nacional para a transação da Laginha, conglomerado de usinas de açúcar e etanol fundado pelo ex-deputado federal João Lyra, cujo processo de falência já dura mais de uma década. A assembleia estava marcada para hoje, mas foi adiada por decisão judicial.
“A procuradoria saiu do espírito de litígio para o de mediação” — Armando L. Wallach
“Nossa ideia é fazer a projeção do quanto a gente arrecadaria na falência, por exemplo, para chegar no limite de desconto que podemos conceder”, afirma Filipe Aguiar de Barros, coordenador nacional de Falência e Recuperação Judicial na PGFN. “É essencial que se envolva o Fisco no plano de falência. Quando ela se arrasta, o valor dos ativos da empresa se depreciam e novas dívidas surgem.”
Os procuradores têm chegado ao desconto possível de se aplicar às dívidas tributárias de empresas nessa situação com base em informações prestadas pelos próprios administradores judiciais, além de magistrados. O objetivo é não dar desconto sobre um valor que a Fazenda receberia de qualquer maneira e não desrespeitar a ordem de pagamento determinada pela legislação.
O procurador Cristiano Neuenschwander, coordenador nacional de negociações, ainda destaca que o recém-criado Programa de Transação Integral (PTI), ao alcançar empresas envolvidas em grandes contenciosos tributários, também poderá beneficiar empresas em recuperação judicial e falências.
“Nesse caso, questionaremos quais ações judiciais do contribuinte impactam a sua dívida”, diz. “Não é raro uma empresa em recuperação judicial ou falência ter um contencioso tributário de valor significativo”, acrescenta. O programa está para ser regulamentado no mês de dezembro.
No caso da Laginha, a empresa chegou a entrar com pedido de recuperação judicial no ano de 2008, mas em 2014 o processo foi transformado em falência. Este ano, quando Armando Lemos Wallach assumiu o cargo de administrador judicial da empresa, descobriu que a procuradoria não tinha tido acesso a todas as informações necessárias da Laginha para poder construir uma proposta de transação. “Procuramos a PGFN e entregamos tudo o que foi pedido. Foi um diálogo transparente”, afirma o advogado.
Se o acordo com a Laginha for aprovado, toda a dívida da empresa com a União estará quitada, com um desconto de 62%. “Isso viabilizará que a Laginha volte a realizar os pagamentos para os demais credores”, diz Wallach. “A proposta da União motivou outros credores a apresentarem proposta para liquidação antecipada”, acrescenta o advogado.
A proposta que poderá ser votada é o pagamento de um valor mínimo de até R$ 211,8 mil para cada credor e o que exceder esse valor (quem tiver crédito maior) receberá com desconto que variará de acordo com o tipo de crédito. “Só esse pagamento de R$ 211,8 mil significa que mais de 7 mil credores vão receber o crédito integralmente e de forma rápida”, afirma Wallach. “A procuradoria saiu do espírito de litígio para o de mediação.”
Outra empresa em processo de falência, a Telexfree, nome fantasia utilizado pela empresa brasileira Ympactus Comercial S/A, conseguiu, por meio da transação, um bom acordo com a PGFN. A quebra veio depois de ser acusada de operar uma das maiores pirâmides financeiras da história do Brasil. No início dos anos 2010, teria levantado quase US$ 1 bilhão com promessas de rápido retorno financeiro, sob a fachada de uma provedora de telefonia via internet (Voip).
A transação com a Telexfree solucionou uma das maiores dívidas previdenciárias do país – R$ 1,8 bilhão do total devido era de contribuição ao INSS. O restante do total de R$ 5 bilhões – R$ 3,2 bilhões – era de PIS, Cofins, Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL A Fazenda concedeu desconto de 65% sobre multa, juros e encargos e, depois, foi autorizado o uso de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da CSLL para a liquidação de até 70% do saldo remanescente.
“A transação foi fundamental para podermos encerrar o processo de falência e mostra uma mudança de perfil da PGFN, menos institucional e mais próximo da sociedade”, diz o Fábio Rodrigues Garcia, do RGSA Advogados, que conduziu a transação da Telexfree ao lado da advogada Priscila Cavalcanti. “A PGFN preferiu receber 10% do que teria direito e colocar esse dinheiro nos cofres públicos, em tempo recorde, do que arrastar uma dívida milionária, sem chance de ser quitada”, acrescenta.
Sobre o caso, a PGFN informou que a transação permitiu a regularização integral do passivo fiscal objeto da falência, “após anos de tentativas de recuperação forçada em juízo, assim como encerramento de litígios relacionados aos créditos regularizados”.
Já entre as empresas em recuperação judicial, o destaque do ano até agora é a transação da Ulbra. A dívida da universidade foi repactuada com redução de 91%. O valor total devido à União de R$ 6,2 bilhões se transformou em uma cobrança de R$ 622 milhões – saldo parcelado e garantido com uma fiança bancária e um imóvel que abrigou milhares de pessoas durante as enchentes no Rio Grande do Sul, em maio.
A crise da empresa começou no ano de 2008, quando uma operação da Polícia Federal derrubou a imunidade tributária de entidade filantrópica ligada à igreja luterana. Com isso, foram cobrados tributos retroativos de cerca de R$ 1 bilhão. Em 2012, a Ulbra chegou a ser beneficiada por um parcelamento especial (Lei nº 12.688), porém, em 2018 se transformou em sociedade anônima para pedir recuperação judicial no ano seguinte. Na época o passivo era de R$ 3,5 bilhões.
Na pandemia, o processo de recuperação da Ulbra ficou congelado. Por receio da decretação de falência, no fim de 2022, os acionistas venderam o controle acionário ao empresário Carlos Melke. A universidade de medicina, avaliada em ao menos R$ 700 milhões, seria vendida para a redução da dívida. A PGFN recorreu, então, ao Judiciário argumentando que os ativos remanescentes não manteriam as atividades da empresa.
“A transação não pode ser olhada só sobre a perspectiva financeira, temos o papel de preservar a arrecadação e também as empresas”, diz o procurador Filipe Aguiar de Barros.
A medida judicial da PGFN provocou uma mudança drástica no plano de recuperação judicial da empresa. O Fundo Calêndula comprou créditos da empresa até se tornar detentor de mais de R$ 2 bilhões e converter em capital. Nesse momento, o diálogo com a Fazenda foi retomado. Primeiro, foi firmado um termo de transação de R$ 242 milhões referentes ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Depois foi dado 100% de redução de multa e juros e permitido o uso do prejuízo fiscal e base negativa de CSLL até 70% da dívida.
“Foi um processo lento que precisou de atitude proativa tanto dos empresários quanto das procuradorias regional e geral”, afirma Thomas Dulac Müller, advogado da Aelbra, mantenedora da Ulbra. “A transação tira o argumento daquele empresário que diz que quer acertar, mas não tem como”, diz César Augusto da Silva Peres, também representante da empresa (Colaborou Arthur Rosa).
FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR LAURA IGNACIO – DE SÃO PAULO